quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Dilma e os desafios da comunicação

 do Cinema & Outras Artes por Maurício Caleiro


Os graves problemas de comunicação da presidência Dilma Rousseff não se restringem a uma situação circunstancial, solucionável com uma mera troca de nomes na SECOM. Pelo contrário: para além das dificuldades da administração em se fazer ouvir na arena midiática, tais problemas dizem respeito, em primeiro lugar, a uma questão estrutural do setor comunicacional no país, extremamente concentrado nas mãos de poucos; em segundo lugar, e parcialmente em decorrência disto, verifica-se uma deficiência atávica do poder público em relação à comunicação; e, por fim, há uma questão de fundo, diretamente relacionada à postura pública do atual governo e de sua presidente e do grau de diálogo por eles estabelecido com a sociedade.

Em coluna recente, intitulada "Os desafios da opinião pública", o jornalista Luis Nassif classifica como impressionante "o desaparelhamento do setor público brasileiro, em todos os níveis, em relação a esse tema, ainda mais nesses tempos de Internet, redes sociais e notícias online." Em um momento em que as dificuldades de comunicação da atual administração federal chegam a um ponto de transbordamento, eventualmente contrapondo, à passividade de Dilma, os desejos de setores do PT por uma política comunicacional mais ativa, uma mirada histórica sugere que não há razões para supor que os governos que, desde a redemocratização, antecederam a hegemonia petista na Presidência tivessem tido um desempenho muito superior no que concerne à comunicação pública.

A mídia-oposição

O diferencial tem sido a predisposição do aparato midiático para com eles, em comparação com sua postura ante os governos Lula e Dilma. Pois, no decorrer da última década, tornou-se evidente que a mídia corporativa está engajada em uma campanha contra o governo federal, como chegou a admitir a executiva da Folha de S. Paulo e sindicalista patronal Judith Brito ao afirmar que a imprensa cumpria, sim, uma função de oposição, já que esta, enfraquecida, não estaria conseguindo desempenhar a contento o seu papel. Só faltou admitir que essa instrumentalização voluntária da imprensa pela oposição inclui olhos fechados e ouvidos moucos para as falcatruas e incompetência de tucanos e assemelhados – e em nada se assemelha a jornalismo.

A percepção cada vez mais difundida dessa dinâmica – que se não é golpista é difamatória e, portanto, antirrepublicana, já que atenta contra a normalidade democrática – tem feito com que aumentem muito, nos últimos meses, as cobranças por uma reação governamental contra a ação da mídia.

O papel das redes

Num primeiro momento, o enfrentamento dessa situação foi um dos motivos principais a impulsionar e fortalecer o papel dos blogs políticos e das redes sociais, notadamente a partir da virada do milênio, culminando, até agora, com uma maior diversificação dos meios alternativos de difusão de informação e de análises políticas. Eles têm se mostrado ótimos instrumentos de contrainformação e formam, ao lado das redes sociais, uma força comunicacional capaz de reagir, com a devida rapidez, ao bombardeio da mídia corporativa

Ocorre que, por mais que tais atores comunicacionais constituam, hoje, uma força comunicacional de algum peso e que tende a se expandir muito nos próximos anos, os limites efetivos de sua atuação não fazem frente à ação minuciosamente calculada e intensificada das forças da mídia corporativa, claramente empenhadas a alvejar Lula e a impedir a reeleição de Dilma Rousseff em 2014. A prova maior disto é que é a mídia corporativa, no mais das vezes, quem pauta a blogosfera e, sobretudo, as redes sociais – o contrário só acontecendo com extrema raridade.

A contribuição da presidente

Não bastassem tais problemas estruturais, o governo Dilma tem dado uma contribuição muito peculiar ao agravamento da questão da comunicação no país, mesmo se comparada à do governo Lula. Tal se dá não apenas pela recusa da presidente em, até agora, mover uma palha para regulamentar a mídia ou ao menos para parar de alimentá-la com as polpudas verbas da publicidade federal – embora este seja o ponto nodal da discórdia.

Inclui, ainda, a maneira idiossincrática com que ela lida, desde o início do governo, com os grupos de mídia – no início fazendo questão de ir até a festinhas de um jornal em plena decadência, pouco a pouco restringindo-se a frases de efeito em defesa da liberdade de expressão, cujo efeito é evidenciar uma visão no mínimo simplista da questão.

Torre de marfim

E, por fim, encontra na falta de diálogo do governo com os movimentos sociais, no tratamento truculento que foi dado, o ano passado a algumas greves – notadamente a dos professores universitários federais, a qual, como afirmei à época, só foi deflagrada e só se prolongou por inacreditáveis três meses devido à postura majestática do governo – a sua contribuição mais original, se comparada à administração anterior, em que o Palácio do Planalto vivia de portas abertas a qualquer setor que desejasse reivindicar ou debater propostas e o diálogo franco era a característica distintiva da relação de Lula com a sociedade.

Nos meses imediatamente posteriores à posse, o estilo mais comedido de Dilma foi saudado pela mídia, pois se contrapunha ao perfil expansivo e improvisador de Lula, o qual esta sempre detestou. Após dois anos, pode-se afirmar com certeza que, na imagem pública de Dilma, o que era nublado tornou-se opaco, impenetrável e o que soava como comedimento e talvez até timidez transformou-se em rigidez e impenetrabilidade. Isso acabou por instituir-se como marca (não)comunicacional do governo, e se torna no modo como as decisões são tomadas e anunciadas, sem consulta com a sociedade ou com os setores afetados, sem balões de ensaio plantados na imprensa para testar reações, sem um terreno preestabelecido para repercutir as medidas governamentais. Não é preciso ser nenhum gênio para se aperceber de que tal comportamento, num cenário como o atual, em que a mídia corporativa partiu para o tudo ou nada, tende a resultar contraproducente para o próprio governo.

Helena Chagas, a Judas da vez

Daí, ante a omissão de Dilma, tornou-se lugar comum, de uns tempos para cá, tentar botar a culpa pelas falhas de comunicação do governo os ombros de Helena Chagas, em uma operação que inclui a difamação de seu pai, o veterano jornalista Carlos Chagas, e a evocação da figura de Franklin Martins, secretário da SECOM no governo Lula, como panaceia para a babel comunicacional dilmista. Trata-se de uma falácia, não só por ser açulada, entre outros motivos menos confessáveis, pela tendência que a memória humana tem de realçar os bons momentos enquanto esquece os maus: a comunicação, nos dois governos Lula, era só um pouco menos eficiente do que a atual, sendo que a mídia, àquela época, não obstante virulenta, ainda não tinha partido para o tudo ou nada em várias frentes, como hoje se verifica.

A prova disto é que os graves problemas na área da comunicação foram todos herdados pela gestão Dilma – e basta um pouco de para constatar que seu eventual agravamento se deu, em grande parte, em virtude de fatores decorrentes de decisões questionáveis ou da personalidade da atual mandatária. Restringindo a análise apenas à questão da comunicação, chega a ser surpreendente, em tal cenário, que a aprovação da atual mandatária e de seu governo mantenham-se em índices bem elevados. Mas é preciso a humildade de admitir que isso provavelmente se deve muito mais aos méritos que a mídia não reconhece na atual administração – como o baixo desemprego, a manutenção do poder de compra dos salários, o combate à miséria e à pobreza, o acesso ao crédito por estratos há décadas alijados do sistema bancário, a relativa bonança da economia social brasileira em meio a uma das mais terríveis crises da economia mundial – do que a uma administração eficiente da comunicação no âmbito federal.

Triplo desafio

Pois, em relação à comunicação, o atual governo federal enfrenta um triplo desafio:

Em primeiro lugar, a necessidade de superar a falta de uma cultura de comunicação pública, instituindo-a em bases regulares, promovendo um aggiornamento de práticas e técnicas de forma a adaptá-la aos meandros da comunicação digital contemporânea, e renovando-a de tempos em tempos.

Em segundo lugar, defrontar-se com a face mais óbvia do imbroglio: a necessidade de democratizar o sistema comunicacional brasileiro, historicamente concentrado nas poucas mãos de uma plutocracia preocupada tão somente em defender seus interesses políticos e econômicos e não em praticar jornalismo como um serviço público de parâmetros deontológicos elevados.

Por fim, adotar ante a sociedade e seus setores representativos uma postura que, de fato, estimule e favoreça a comunicação e a participação política, estabelecendo diálogo contínuo com sindicatos e entidades classistas, submetendo de forma clara suas medidas políticas de maior relevo ao debate com a sociedade e trabalhando para criar e utilizar com maior frequência mecanismos de participação popular direta, como a própria candidata Dilma Rousseff aludiu em seus discursos durante a campanha eleitoral.

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