quarta-feira, 29 de abril de 2015

A origem e o significado do 1º de Maio

Por Altamiro Borges

“Se acreditais que enforcando-nos podeis conter o movimento operário, esse movimento constante em que se agitam milhões de homens que vivem na miséria, os escravos do salário; se esperais salvar-vos e acreditais que o conseguireis, enforcai-nos! Então vos encontrarei sobre um vulcão, e daqui e de lá, e de baixo e ao lado, de todas as partes surgirá a revolução. É um fogo subterrâneo que mina tudo”. Augusto Spies, 31 anos, diretor do jornal Diário dos Trabalhadores. 


"Se tenho que ser enforcado por professar minhas idéias, por meu amor à liberdade, à igualdade e à fraternidade, então nada tenho a objetar. Se a morte é a pena correspondente à nossa ardente paixão pela redenção da espécie humana, então digo bem alto: minha vida está à disposição. Se acreditais que com esse bárbaro veredicto aniquilais nossas idéias, estais muito enganados, pois elas são imortais''. Adolf Fischer, 30 anos, jornalista.

“Em que consiste meu crime? Em ter trabalhado para a implantação de um sistema social no qual seja impossível o fato de que enquanto uns, os donos das máquinas, amontoam milhões, outros caem na degradação e na miséria. Assim como a água e o ar são para todos, também a terra e as invenções dos homens de ciência devem ser utilizadas em benefício de todos. Vossas leis se opõem às leis da natureza e utilizando-as roubais às massas o direito à vida, à liberdade e ao bem-estar”. George Engel, 50 anos, tipógrafo.

“Acreditais que quando nossos cadáveres tenham sido jogados na fossa tudo terá se acabado? Acreditais que a guerra social se acabará estrangulando-nos barbaramente. Pois estais muito enganados. Sobre o vosso veredicto cairá o do povo americano e do povo de todo o mundo, para demonstrar vossa injustiça e as injustiças sociais que nos levam ao cadafalso”. Albert Parsons lutou na guerra da secessão nos EUA.


As corajosas e veementes palavras destes quatro líderes do jovem movimento operário dos EUA foram proferidas em 20 de agosto de 1886, pouco após ouvirem a sentença do juiz condenando-os à morte. Elas estão na origem ao 1º de Maio, o Dia Internacional dos Trabalhadores. Na atual fase da luta de classes, em que muitos aderiram à ordem burguesa e perderam a perspectiva do socialismo, vale registrar este marco histórico e reverenciar a postura classista destes heróis do proletariado. A sua saga serve de referência aos que lutam pela superação da barbárie capitalista.

A origem do 1º de Maio está vinculada à luta pela redução da jornada de trabalho, bandeira que mantém sua atualidade estratégica. Em meados do século XIX, a jornada média nos EUA era de 15 horas diárias. Contra este abuso, a classe operária, que se robustecia com o acelerado avanço do capitalismo no país, passou a liderar vários protestos. Em 1827, os carpinteiros da Filadélfia realizaram a primeira greve com esta bandeira. Em 1832, ocorre um forte movimento em Boston que serviu de alerta à burguesia. Já em 1840, o governo aprova o primeiro projeto de redução da jornada para os funcionários públicos.

Greve geral pela redução da jornada
Esta vitória parcial impulsionou ainda mais esta luta. A partir de 1850, surgem as vibrantes Ligas das Oito Horas, comandando a campanha em todo o país e obtendo outras conquistas localizadas. Em 1884, a Federação dos Grêmios e Uniões Organizadas dos EUA e Canadá, futura Federação Americana do Trabalho (AFL), convoca uma greve nacional para exigir a redução para todos os assalariados, “sem distinção de sexo, ofício ou idade”'. A data escolhida foi 1º de Maio de 1886 - maio era o mês da maioria das renovações dos contratos coletivos de trabalho nos EUA.

A greve geral superou as expectativas, confirmando que esta bandeira já havia sido incorporada pelo proletariado. Segundo relato de Camilo Taufic, no livro “'Crônica do 1º de Maio”, mais de 5 mil fábricas foram paralisadas e cerca de 340 mil operários saíram às ruas para exigir a redução. Muitas empresas, sentindo a força do movimento, cederam: 125 mil assalariados obtiveram este direito no mesmo dia 1º de Maio; no mês seguinte, outros 200 mil foram beneficiados; e antes do final do ano, cerca de 1 milhão de trabalhadores já gozavam do direito às oito horas.

“Chumbo contra os grevistas”, prega a imprensa
Mas a batalha não foi fácil. Em muitas locais, a burguesia formou milícias armadas, compostas por marginais e ex-presidiários. O bando dos “'Irmãos Pinkerton” ficou famoso pelos métodos truculentos utilizados contra os grevistas. O governo federal acionou o Exército para reprimir os operários. Já a imprensa burguesa atiçou o confronto. Num editorial, o jornal Chicago Tribune esbravejou: “O chumbo é a melhor alimentação para os grevistas. A prisão e o trabalho forçado são a única solução possível para a questão social. É de se esperar que o seu uso se estenda”.

A polarização social atingiu seu ápice em Chicago, um dos pólos industriais mais dinâmicos do nascente capitalismo nos EUA. A greve, iniciada em 1º de Maio, conseguiu a adesão da quase totalidade das fábricas. Diante da intransigência patronal, ela prosseguiu nos dias seguintes. Em 4 de maio, durante um protesto dos grevistas na Praça Haymarket, uma bomba explodiu e matou um policial. O conflito explodiu. No total, 38 operários foram mortos e 115 ficaram feridos.

Os oito mártires de Chicago
Apesar da origem da bomba nunca ter sido esclarecida, o governo decretou estado de sítio em Chicago, fixando toque de recolher e ocupando militarmente os bairros operários; os sindicatos foram fechados e mais de 300 líderes grevistas foram presos e torturados nos interrogatórios. Como desdobramento desta onda de terror, oito líderes do movimento - o jornalista Auguste Spies, do “'Diário dos Trabalhadores”', e os sindicalistas Adolf Fisher, George Engel, Albert Parsons, Louis Lingg, Samuel Fielden, Michael Schwab e Oscar Neebe - foram detidos e levados a julgamento. Eles entrariam para a história como “Os Oito Mártires de Chicago”.

O julgamento foi uma das maiores farsas judiciais da história dos EUA. O seu único objetivo foi condenar o movimento grevista e as lideranças anarquistas, que dirigiram o protesto. Nada se comprovou sobre os responsáveis pela bomba ou pela morte do policial. O juiz Joseph Gary, nomeado para conduzir o Tribunal Especial, fez questão de explicitar sua tese de que a bomba fazia parte de um complô mundial contra os EUA. Iniciado em 17 de maio, o tribunal teve os 12 jurados selecionados a dedo entre os 981 candidatos; as testemunhas foram criteriosamente escolhidas. Três líderes grevistas foram comprados pelo governo, conforme comprovou posteriormente a irmã de um deles (Waller).

A maior farsa judicial dos EUA
Em 20 de agosto, com o tribunal lotado, foi lido o veredicto: Spies, Fisher, Engel, Parsons, Lingg, Fielden e Schwab foram condenados à morte; Neebe pegou 15 anos de prisão. Pouco depois, em função da onda de protestos, Lingg, Fielden e Schwab tiveram suas penas reduzidas para prisão perpétua. Em 11 de novembro de 1887, na cadeia de Chicago, Spies, Fisher, Engel e Parsons foram enforcados. Um dia antes, Lingg morreu na cela em circunstâncias misteriosas; a polícia alegou “suicídio”. No mesmo dia, os cinco “'Mártires de Chicago” foram enterrados num cortejo que reuniu mais de 25 mil operários. Durante várias semanas, as casas proletárias da região exibiram flores vermelhas em sinal de luto e protesto.

Seis anos depois, o próprio governador de Illinois, John Altgeld, mandou reabrir o processo. O novo juiz concluiu que os enforcados não tinham cometido qualquer crime, “tinham sido vitimas inocentes de um erro judicial”. Fielden, Schwab e Neebe foram imediatamente soltos. A morte destes líderes operários não tinha sido em vão. Em 1º de Maio de 1890, o Congresso dos EUA regulamentou a jornada de oito horas diárias. Em homenagem aos seus heróis, em dezembro do mesmo ano, a AFL transformou o 1º de Maio em dia nacional de luta. Posteriormente, a central sindical, totalmente corrompida e apelegada, apagaria a data do seu calendário.

Em 1891, a Segunda Internacional dos Trabalhadores, que havia sido fundada dois anos antes e reunia organizações operárias e socialistas do mundo todo, decidiu em seu congresso de Bruxelas que “no dia 1º de Maio haverá demonstração única para os trabalhadores de todos os países, com caráter de afirmação de luta de classes e de reivindicação das oito horas de trabalho”. A partir do congresso, que teve a presença de 367 delegados de mais de 20 países, o Dia Internacional dos Trabalhadores passou a ser a principal referência no calendário de todos os que lutam contra a exploração capitalista.

http://altamiroborges.blogspot.com.br/2015/04/a-origem-e-o-significado-do-1-de-maio.html#more


terça-feira, 28 de abril de 2015

10 perguntas que você sempre quis fazer sobre o socialismo (mas deveria ter vergonha de perguntar)

(Poster do artista húngaro Sándor Pinczehelyi, 1973)
(Pôster do artista húngaro Sándor Pinczehelyi, 1973)
Dada a imensa ignorância e falta de leitura sobre o socialismo que grassa nas redes sociais, resolvi fazer um rápido P & R (pergunta e resposta) sobre a ideologia que qualquer pessoa minimamente preocupada com a igualdade entre os seres humanos consegue entender –e amar.
1. Para ser socialista é preciso gostar do Taiguara ou da Mercedes Sosa?
No socialismo que sonhamos, o democrático, não tem essa de música obrigatória ou música proibida. Pode ouvir Chico Buarque, Taiguara ou Lobão, até porque somos contra a censura (ao contrário do que ocorria aqui na ditadura militar, o regime capitalista que a direita adora defender). Acreditamos no livre-arbítrio e na liberdade cognitiva e, por isso, muitos de nós também somos a favor da descriminalização de todas as drogas.
2. Se o socialismo vencer, terei que abrir mão do meu iPhone?
É o oposto: em um socialismo ideal, todas as pessoas teriam iPhone, não apenas as ricas. O socialismo, porém, prevê educar as pessoas para entender que o consumismo é ruim para o planeta e que é perfeitamente possível viver sem possuir tantas coisas. Pessoalmente, não tenho um iPhone ou smartphone e não sinto a menor falta. Mas me parece um comportamento totalitário exigir dos outros que pensem igual a mim.
3. Com o socialismo, o Brasil ficaria igual a Cuba, Coreia do Norte ou Venezuela?
Basta raciocinar um pouco para chegar à conclusão que é impossível um país ficar igual ao outro. Cada país tem sua história, suas características, seu povo. Dizer que o Brasil ficaria igual à Venezuela com o socialismo é o mesmo que dizer que os Estados Unidos são iguais ao Iraque, ao Japão ou à Indonésia, que também são países capitalistas. Quanto à Coreia do Norte, ninguém sabe exatamente que regime é aquele. Socialista é que não é.
4. O socialismo significa fim da democracia, como na União Soviética?
Experiências socialistas fracassadas não são sinônimos de socialismo. O socialismo é uma ideia, não um governo. A experiência socialista no Chile, por exemplo, foi bem diferente da cubana e da russa, primeiro porque não houve revolução; o socialista Salvador Allende chegou ao poder pelo voto. Existiam jornais e liberdade de imprensa –tanto é que foram eles que derrubaram Allende, com o apoio dos Estados Unidos. A sangrenta ditadura militar que veio a seguir, capitalista, fechou todos os jornais contrários ao regime, instaurou a censura, torturou e matou opositores. É preciso que se diga que, diferentemente dos capitalistas, os socialistas possuem autocrítica e aprendem com os erros do passado.
5. Com o socialismo haverá o fim da propriedade privada?
Muitos socialistas atuais, como eu, não acreditam em modelos implantados à força, como aconteceu no Camboja ou na China. Na verdade, mesmo na China (que só é chamada de “comunista” quando se fala de atentados aos direitos humanos) existe propriedade privada. No meu ponto de vista, o socialismo é, principalmente, uma maneira de tornar o capitalismo menos cruel e um caminho para uma sociedade menos desigual. Tanto é que, antes de o socialismo aparecer, as pessoas trabalhavam até 18 horas por dia, inclusive mulheres e crianças. Não havia férias nem jornada de oito horas e por isso muitos morriam antes dos 40 anos de idade.
6. O socialismo defende a intervenção do Estado na economia?
Sim. Achamos que deixar a economia nas mãos do mercado favorece as desigualdades, como, aliás, está ocorrendo atualmente entre os países mais desenvolvidos no mundo, onde o fosso social cresce cada vez mais –ao contrário dos países criticados como “bolivarianos” da América do Sul, onde a pobreza e a desigualdade diminuíram. O curioso é que os defensores do livre mercado e do “Estado mínimo” aceitam de forma bovina quando os bancos são socorridos pelo Estado com bilhões nos momentos de crise.
7. Com o socialismo os homens seriam massacrados pelas feministas?
O socialismo defende que homens e mulheres possuem direitos iguais. Ou seja, nenhum dos sexos está acima do outro. Atualmente, os homens ganham mais do que as mulheres ainda que ocupem o mesmo posto de trabalho e detêm a maioria dos cargos de mando. O socialismo não aceita essa disparidade.
8. A descriminalização do aborto é uma ideia socialista?
Os primeiros socialistas sempre defenderam o direito da mulher ao aborto como uma prática de saúde pública e como um direito feminino a decidir sobre o próprio corpo. No entanto, o aborto também é legalizado em países capitalistas como os Estados Unidos ou a Espanha. Na Venezuela o aborto é proibido e em Cuba, não. A legalização do aborto parece estar mais relacionada à maturidade de uma determinada sociedade do que à ideologia.
9. Todo mundo será obrigado a ser homossexual no socialismo?
Ao contrário: todo mundo poderá ser o que quiser, inclusive homossexual, sem ser xingado, ameaçado ou espancado por isso. Cuba, que os reaças adoram citar, já perseguiu homossexuais no passado, mas hoje a filha do presidente Raul Castro, Mariela, é uma das maiores personalidades mundiais em defesa dos direitos LGBTs. A cirurgia de mudança de sexo, por exemplo, pode ser feita gratuitamente na rede pública cubana.
10. Se o socialismo fracassou na União Soviética, por que seguir uma ideologia assim?
Porque enquanto houver miséria e desigualdades no mundo sempre haverá um socialista para criticar o sistema e sonhar com outro mundo possível, onde todos tenham o que comer, o que vestir e oportunidades verdadeiramente iguais. Quando vemos uma criança pedindo esmola, não fechamos o vidro do carro nem nos satisfazemos em dar uma moedinha para ela: não queremos caridade, queremos que o sistema melhore. Abra o olho: não existem capitalistas críticos do capitalismo. Quem aponta as crueldades do sistema somos nós, os socialistas. Na verdade, em vez de nos xingar, muitos deveriam nos agradecer por existir.
http://socialistamorena.com.br/10-perguntas-que-voce-sempre-quis-fazer/

domingo, 26 de abril de 2015

Terceirização do trabalhador norte-americano



 
 
 
“Hoje em dia não é difícil que uma pessoa a caminho do trabalho receba um telefonema do contratante dizendo que ele ou ela não precisam mais ir trabalhar naquele dia”.
 
Assim começa o texto do economista Robert Reich, que foi secretário do trabalho durante a primeira administração de Bill Clinton, publicado em seu site (link abaixo). “E não importa que a pessoa já tenha gastado para contratar quem ficasse com seu filho, o trabalho não está mais disponível e o empregador não precisa mais que ela vá”, continua ele.
 
Reich explica que o cenário atual para o trabalhador americano é esse. “Tudo foi desenhado para que o custo do negócio seja mantido nos menores níveis”, escreve ele. “Dessa forma o empregador não precisa gastar com o funcionário a não ser que ele seja extremamente essencial naquele dia, e assim as empresas evitam gastar com trabalhadores que, quando não necessários, apenas ficam por ali”.
 
Reich conta que alguns empregadores pedem para que o empregado telefone ou mande uma mensagem de texto pela manhã para saber se ele é necessário naquele dia. Se não for, não recebe por isso, claro.
 
O método leva o nome de “just-in-time-scheduling” e é mais uma evolução da flexibilização – que podemos chamar de “terceirização” – da economia americana.
 
O “just in time scheduling” é objeto de desejo dos demais empresários do mundo, escreve Reich. “O único problema é que o ‘just in time scheduling’ não deixa que o trabalhador tenha uma vida”, escreve o economista.
 
O trabalhador fazia parte da folha de pagamento da empresa, explica Reich, e entrava nos custos fixos. Isso garantia a ele a segurança de saber quanto ganharia por ano, de que horas a que horas trabalharia e de poder se programar. Além de não saber mais nada disso, o trabalhador americano continua a ter seus custos fixos: aluguel, financiamentos, escola do filho, plano de saúde, supermercado etc. Empresas como a Gap e a Target estão fazendo uso do “just in time scheduling”.
 
Ele diz ainda que uma pesquisa divulgada na semana passada mostrou que 42% dos americanos ganham menos do que 15 dólares por hora, e um salário desses, sem nenhuma garantia trabalhista, não é suficiente para que uma pessoa leve uma vida decente.
 
Reich conclui que a salvação do trabalhador está na criação de uma lei federal que o proteja.
 
Talvez possamos mandar para eles essa CLT da qual estamos prestes a abrir mão no Brasil.

http://blogdamilly.com/2015/04/23/o-inferno-do-trabalhador-americano-terceirizado-ha-decadas/

sábado, 25 de abril de 2015

A terceirização na China e suas lições para o Brasil

Por Rosana Pinheiro-Machado

No dia 13 de maio de 2013, Liufu Zong não acordou às sete da manhã para ir trabalhar como fazia diariamente em sua rotina de trabalho na fábrica Jinchuan Electronics Co Ltd, na cidade de Dongguan, na China. Seus colegas de dormitório estranharam o sono estendido e logo perceberam que o menino, de apenas 14 anos, estava morto. Zong parou de estudar aos 12 anos para ajudar seu pai a sustentar uma família de dez pessoas. Aos 13, decidiu migrar para a cidade para tentar melhorar de vida. Em poucos meses de muito trabalho, o menino não resistiu e veio a falecer por causas não reveladas.
Cozinha em uma empresa terceirizada chinesa
O diretor de recursos humanos da empresa atribuiu a morte do menino ao seu estilo de vida "Eu ouvi dizer que ele passava o tempo todo na internet até tarde vendo conteúdo impróprio” – conforme noticiou aXinhua. O pai de Zong, entretanto, alegou que seu filho era saudável e estava fazendo cinco horas extras diariamente, além de trabalhar em um ambiente tóxico. Os representantes do governo chinês pouco discutiram a ilegalidade do excesso de horas extras. Eles disseram que a idade do jovem funcionário se justificava porque a contratação era terceirizada. O diretor da fábrica disse que não tinha como ver que o menino era tão jovem – o que foi confirmado por uma autoridade da polícia local em sua investigação, que alegou que “O menino falsificou seus documentos, a empresa que contratava não tinha como saber sua idade”.
No caso em questão, as responsabilidades são vagas. As autoridades locais defenderam o empresário, alegando que ele havia sido enganado e a responsabilidade é transferida para a firma de contratação, que não sofreu lesão alguma. Quem pagou a conta é o jovem menino, que saiu do campo para melhorar de vida, mas que teve sua vida e seus sonhos abortados. Ao chegar à cidade, foi trabalhar em uma fábrica que adota o modelo predominante de contratação na China, marcado pela terceirização dos contratos e pela consequente flexibilização de direitos trabalhistas. Seu destino foi trágico e sua família ficou desamparada – exatamente como outras tantas milhões de pessoas.
***
Há mais de uma década, acompanho diariamente casos como o de Zong, que estão longe de ser exceções. São banais, na verdade. São números que ultrapassam com facilidade a casa dos sete dígitos: casos de dedos perdidos em fábricas, mutilações diversas, mortes por intoxicação por pó metálico, pneumonia e incêndios. O não cumprimento de direitos e sequer do salário mínimo são problemas rotineiros.
Note os banquinhos inapropriados na linha de produção
Em um famoso escândalo com um recall de uma marca global de brinquedos que continha elementos nocivos à saudade da criança, a corporação culpou o serviço terceirizado da China, que culpou o seu serviço terceirizado de fornecimento de materiais. O mesmo aconteceu com remédios de uma multinacional farmacêutica que causou a morte de centenas de pessoas pelo mundo. A farmacêutica culpou a firma de terceirização, que culpou a farmacêutica. E assim fica um jogo de empurra-empurra em que todo mundo ganha: o governo, a pequena firma e a grande corporação. Quem perde é o Zong e o João.
Um dos maiores problemas acarretados pela terceirização não é precarização dos contratos em si, mas o que isso resulta: a perda de segurança legal, financeira e corporal. Isso ocorre simplesmente porque a responsabilidade sobre a integridade dos funcionários tornam-se vagas. Grávidas são substituídas por outras mulheres, simples assim. Eu lembro-me muito bem no dia em que perguntei ao empresário Shang, de uma fábrica de brinquedos no distrito de Pinghu na China, se ele não se incomodava com as crianças que estavam trabalhando para ele em um feriado. Ele me respondeu: Crianças? Não, a firma que nos fornece funcionário respeita a lei chinesa. Eu pensei que eu deveria estar louca vendo jovens vidas, visivelmente exaustas, que não passavam de dez anos.
Engana-se quem pensa que o problema da China é a falta de leis. O país passou de um niilismo legal dos tempos maoístas a uma revolução legal nas últimas décadas. Hoje, a lei conta com 107 artigos e treze capítulos. Diversas outras resoluções e esferas dão respaldo aos direitos trabalhistas. Desde os anos 1990, implementou-se a Lei da União do Comércio, a Lei do Contrato do Trabalho e a Lei de Mediação das Disputas de Emprego, etc. Trinta mil novas emendas surgiram na legislação chinesa nos últimos anos. O problema da China, portanto, não é a lei fraca. O problema é a brecha da lei. E a terceirização é decisiva nesse processo que flexibiliza responsabilidades.
É exatamente esse o destino que aguarda o Brasil. Discute-se colocar por água abaixo uma das áreas em que o País é vanguarda e modelo para o mundo: os direitos trabalhistas. Nos últimos dias, com o debate sobre a terceirização do trabalho e a recente aprovação da PL 4330 no Congresso Nacional, muitos têm se questionado se Brasil irá se tornar a China. Estou convicta que não. Será muito pior.
É evidente que os problemas trabalhistas da China vão além questão da terceirização, e se agrava com a imigração ilegal interna, entre aqueles que se situam fora do sistema do registro doméstico nacional (Hukou), entre outras questões. Mas a China, por outro lado, goza de crescimento econômico constante que nunca baixou dos 7%. Já a economia brasileira, depois do milagre dos 7% de 2010, tem ficado nos minguados 1% ou 2% a cada ano. A grande diferença entre a China e o Brasil, portanto, é que o primeiro vive um crescimento extraordinário e o Brasil passa por uma crise social e econômica profunda.
O Brasil, consequentemente, não vai criar mais empregos com a terceirização. O que deve acontecer é o alívio do bolso do empresariado nacional que, em tempos de crise, pressiona o Congresso para aliviar a carga tributária alta que estrangula o setor. A flexibilização não deve atrair empresas estrangeiras para o Brasil: o País está com a economia frágil, apresenta risco para os investidores e possui diversos outros impedimentos que a China e outros países asiáticos superam com facilidade. Por exemplo, o preço chinês, que não se baseia somente na exploração da mão-de-obra, mas também no valor de sua moeda, o Yuan RMB.
A China explora a classe trabalhadora em tempos de ascensão e abundância, em tempos de remover milhões de pessoas da miséria e da fome do campo. O Brasil sonda terceirizar o trabalho em tempos decadência e de crise. E a diferença disso é enorme e os efeitos serão trágicos: sistemas semiescravos, trabalho intensivo, falta de oportunidades no horizonte, muita exaustão e pouco dinheiro no bolso do João. Ao contrário da China, o que está para acontecer no Brasil não é geração de emprego. O nome disso, é importante ficar bem claro, é arrocho. E quem paga a conta, mais uma vez, são os trabalhadores. O João. A Maria. Eu e você. A Deus dará.
http://www.cartacapital.com.br/economia/201ca-deus-dara201d-a-terceirizacao-na-china-e-suas-licoes-para-o-brasil-1759.html

sexta-feira, 24 de abril de 2015

E-MAIL AOS DEPUTADOS TRAIDORES

O Projeto de Lei nº 4.330/04, que amplia a terceirização para as atividades-fim, foi aprovado na Câmara dos Deputados por 230 votos a favor e 203 contra, como consta abaixo.

No site da Câmara consta a relação dos parlamentares que aprovaram a medida, separados por partidos, o que constituiu verdadeira traição desses Deputados aos seus eleitores. Veja aqui: http://www.pt.org.br/terceirizacao-veja-como-votaram-os-deputados/

Para manisfestar nossa indignação, mandamos o seguinte e-mail a todos os Deputados Federais que votaram SIM à Emenda Aglutinativa nº 15.

Senhor Deputado,

Devo informá-lo que V.Exª acabou de enterrar definitivamente sua carreira política, ao votar SIM pela Emenda Aglutinativa nº 15, no Projeto de Lei nº 4.330/04,  precarizando o trabalho no Brasil e traindo os interesses dos trabalhadores que o elegeram, beneficiando apenas os empresários, financiadores de sua campanha.

Saiba que não esqueceremos disso nas próximas eleições, quando V.Exª amargará a maior derrota política de sua vida.

Nos aguarde em 2018!

Roberto Costa

Abaixo contemplamos o rol dos e-mails de todos estes deputados, separados em grupos de cerca de 15 parlamentares, para que os sites de e-mail não recusem o envio das mensagens como SPAM, para facilitar caso alguém queira também enviar mensagens para estes deputados.


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A quem interessa o voto distrital?


por Marina Lacerda
A Constituição de 1988 consagra o voto obrigatório e o princípio da proporcionalidade nas eleições para a Câmara dos Deputados. Qualquer reforma política que indique mudanças constitucionais terá como consequência por em risco esses princípios, caros aos que defendem maior maior representatividade na democracia brasileira.
Fiquemos nos cartazes das últimas manifestações. Combater a corrupção, acabar com os “partidos de mentirinha” e garantir a representação às minorias NÃO necessitam de uma reforma constitucional. Precisa apenas de mudanças nas leis que regem os partidos políticos e as eleições.
Um dos grandes cavalos batalha deste debate reside na possível adoção do “voto distrital”. Os movimentos sociais clamam por menor interferência do poder econômico nas eleições, com a adoção de financiamento que exclua empresas do processo eleitoral. Mas estão desatentos ao fato de que financiamento público com o fim do “voto proporcional”, e adoção do “voto distrital”, para suas bandeiras seria o pior dos mundos.
Aliás, o termo “voto distrital” é, entre nós, usado impropriamente. No rigor da ciência política, o distrito significa simplesmente a unidade territorial de determinada disputa eleitoral, de modo que toda eleição é distrital. Por exemplo, o distrito para as eleições presidenciais no Brasil é o território nacional; o para as eleições do parlamento federal são os Estados e o Distrito Federal, e assim segue. Virgílio Afonso da Silva tem um texto muito didático sobre isso.
Muito bem. Mas quando o Presidente de um dos Poderes da República, Ministro Joaquim Barbosa, vem à imprensa e diz que defende o “voto distrital”, esse é o do jargão usado no Brasil, que significa voto majoritário.
Pelo método, o território brasileiro seria dividido em tantos distritos eleitorais quantas as cadeiras em disputa na Câmara dos Deputados. Assim, independentemente da divisão política do território em estados e municípios, cada grupo de pouco menos de 200 mil eleitores elegeria um deputado. Segundo seus defensores, esse sistema aproximaria o eleito do povo, já que cada grupo de eleitores saberia exatamente quem lhe representa na “câmara baixa”. O sistema facilitaria a accountability – anglicanismo para prestação de contas e transparência –, genuinamente desejada pelo povo que está nas ruas.
E quais são as desvantagens do modelo distrital?
A primeira delas é a distorção da representação partidária. De acordo com o maior estudioso brasileiro sobre o tema, Jairo Nicolau, em 2010 no Reino Unido o Partido Liberal teve 23% dos votos, mas ficou apenas com 8% das cadeiras. O sistema também provocaria maior distorção da representação política, aumentando obstáculos à representação parlamentar de minorias políticas como indígenas, sem-terras, sem-tetos e grupos LGBT, cujos defensores dificilmente conseguiriam eleger-se dentro de apenas um distrito.
Em geral seus apoiadores estão mais espalhados pelo território, precisando galgar uma sustentação mais difusa para sua eleição. Além disso, o argumento da facilitação da accountability parte do falso pressuposto de que os interesses dos 200 mil cidadãos de um distrito seriam homogêneos, quando, na verdade, existem importantes cisões econômicas, políticas e sociais que precisam ter vociferação adequada no parlamento e que não podem ser subsumidas a um único representante.
O sistema do voto distrital incentiva aquele candidato com maior poder econômico [grifo nosso] e/ou político, desfavorecendo outros grupos minoritários.
Outro problema seria a predominância quase exclusiva das agendas locais na representação, deixando de lado temas que, isoladamente para cada distrito, perderiam importância, como direitos humanos.
O sistema majoritário estimularia maior personalismo nas eleições, tão prejudicial para o debate político, em que os projetos de nação, de políticas públicas e de direitos cedem espaço a peculiaridades da personalidade individual.
E, por fim, há dificuldades operacionais relevantes, como as possibilidades de manipulação do desenho dos distritos. Essa prática, aliás, ficou conhecida como gerrymandering — Elbridge Gerry, governador do Massachusetts e vice-presidente dos EUA, em 1812 desenhou os distritos de modo a favorecer o candidato do partido republicano.
Os distritos chegaram a ficar parecidos com salamandras. O problema do desenho dos distritos eleitorais é tão sério – em sistemas majoritários puros ou mistos — que nos Estados Unidos, que usa o sistema distrital, há importantes discussões sobre, por exemplo, contemplar-se ou não questões sobre a composição racial da sociedade no desenho dos distritos – gerrymandering racial. Ontem a Suprema Corte daquele país tomou uma decisão histórica em relação à Lei dos Direitos de Voto de 1965 que tem consequências também sobre isso.
Tantos são os problemas que, de acordo com Jairo Nicolau, o voto distrital vem perdendo adeptos no mundo – teriam sido treze os países a abandonar o modelo em uma década.
A regra majoritária, quando aplicada para a eleição dos representantes do povo – aquela para a Câmara dos Deputados — visa a garantir maiorias no parlamento e, assim, maior previsibilidade e estabilidade. A regra proporcional visa a expressar a força de cada partido, ou de suas ideias, no seio da sociedade. Visa mais a garantir a pluralidade da representação. Hoje o próprio sistema proporcional já provoca distorções de representação partidária e política, relacionadas muitas vezes ao poder dos grupos econômicos no processo eleitoral. Essas distorções seriam agravadas com um sistema majoritário.
E os sistemas mistos? Existem tantas versões hibridas que tendem ao infinito. A mais popular é o sistema alemão, conhecido entre nós como “distrital misto”. O eleitor possuiria dois votos, um para a lista partidária e outro para o candidato.
Existem, porém, várias perguntas a serem resolvidas, que não são de fácil resposta e sobre as quais não há, de fato, acúmulo. Como seriam os métodos de correção? Com aumento do número de representantes na Câmara? Será possível o candidato concorrer simultaneamente no distrito e na lista? Como serão compostas as listas partidárias? Quem desenhará os distritos?
As indagações são propostas por Jairo Nicolau, que aponta a imensa complexidade desse sistema. Essa complexidade certamente irá aumentar a sensação do eleitor da distância entre si e seus representantes políticos.
Setores progressistas da sociedade brasileira sempre debateram a reforma política tendo como pressuposto a representação proporcional. Plataforma Pela Reforma Política, PT, CNBB, etc., propuseram mudanças que mantivessem essa característica essencial da representação prevista em nossa Constituição.
O acúmulo dessas ideias veio com a proposta apresentada pela OAB e pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), amplamente debatida. A ideia é original e inteligente, de uma votação em dois turnos, que supera as eternas discussões entre listas fechadas e abertas.
Ao mesmo tempo, é muito simples, de modo que o eleitor se sentirá mais contemplado, ao entender exatamente qual é o critério de eleição dos representantes. No  primeiro turno haveria votação no partido, para definir o tamanho da bancada.
Assim, a disputa do voto do eleitor deve dar-se com base em programas, e não em artifícios publicitários ou em atrações individuais de “puxadores”. A ideia é fortalecer os mecanismos de representação efetiva. No segundo turno a votação se daria nos candidatos, para definir então quais seriam os indivíduos a compor aquela bancada.
Uma reforma política que escolha o sistema distrital irá sequestrar a vontade que está nas ruas – vontade de oxigenação do sistema político – para adoção de um sistema que favorece as oligarquias locais e as elites econômicas e políticas. Desprestigiará, assim, a pluralidade de interesses do povo na representação política ou acreditará na suposta iluminação de determinados indivíduos.
Marina Lacerda é advogada e mestre em Direito Constitucional pela PUC/Rio.
http://www.viomundo.com.br/politica/marina-lacerda-a-quem-interessa-o-voto-distrital.html

quarta-feira, 22 de abril de 2015

O Top 10 do bestiário neoconservador para o século XXI

Por Wilson Ferreira

Explosão populacional, antropologia criminal do século XIX, o hype dos assexuados, fantasmas vermelhos soviéticos e a fantástica revelação de que a Terra é plana e que há uma conspiração para esconder de todos essa verdade extraordinária. Prepare-se! O futuro poderá ser construído a partir de ideias que supostamente teriam sido superadas pelo progresso científico, processo civilizatório ou simplesmente pelas transformações políticas e sociais das últimas décadas. Ideias conservadoras que no passado foram criadas para deter mudanças ou revoluções, hoje são resgatadas pela mentalidade neoconservadora sob uma nova roupagem high tech, nova nomenclatura e o charme das teorias conspiratórias. O “Cinegnose” fez uma lista dos 10 principais renascimentos de ideias antigas e até sinistras que parecem encontrar o fértil terreno no radicalismo e fundamentalismo atuais.


10. Neomalthusianos, Second Life e suicídio



                   Para os neoconservadores o grande responsável pelos problemas humanos é o próprio homem. Mais precisamente, homens pobres que insistem em se reproduzir. No passado, quando o pensador inglês Thomas Malthus (1766-1834) argumentou que a quantidade de habitantes no mundo é desproporcional à quantidade de alimentos e recursos naturais, o problema demográfico restringia-se a uma questão econômica.

No campo econômico o malthusianismo seria facilmente desconstruído pela evidência das contradições das leis de mercado e distribuição desigual da riqueza – o problema não é de produção mas de distribuição desigual pelo mercado.

Agora os neomalthusianos associam a questão à qualidade de vida e ecologia – ter muitos filhos não é autossustentável: destrói mananciais, seca represas, produz lixo...

Por isso os neomalthusianos se modernizam e se aliam a soluções high techs e fundamentalismos religiosos bizarros. Por exemplo, o cientista chefe da NASA, Dennis Bushnell, propõe despachar os seres humanos (ou pelo menos suas consciências) para redes eletrônicas conectadas às neuronais. Para ele, a única solução para alterações climáticas e limitação dos recursos naturais é eliminar a ação danosa humana, mandando suas consciências para um mundo virtual. 

Viveríamos uma espécie de Second Life, mantendo inerte nossos corpos.

Fundada em Massachusetts, a Church of Euthanasia afirma: “Salve o planeta, mate-se”. Para a igreja, suicídio, aborto, canibalismo e sodomia seriam formas legítimas de evitar a procriação humana, considerada um parasitismo no planeta Terra.

9. Genes e Seleção natural: de volta à selva



Desde a derrota dos nazistas e de toda a sua ideologia da raça pura e eugenia na II Guerra Mundial, o paradigma dos determinismo biológicos (raça, sangue, hereditariedade, darwinismo social etc.) caiu em desgraça. Principalmente porque o desenvolvimento das Ciências Sociais, Psicanálise e Linguística demonstraram que a sociedade é uma instituição simbólica e o homem um ser antes de tudo cultural.

Freud encontrara uma dimensão entre as funções corporais e a alma: o psiquismo; e a Linguística de Saussure a Roland Barthes descobrira que as instituições sociais são entidades semiológicas.

Mas a descoberta do DNA nos anos 1950 marcaram a transição para a genética molecular: o DNA como parte de cromossomos que contém os genes. O que faltava para Mendel (o pai da moderna genética, 1822-1884), Galton (o inventor da Eugenia, 1822-1911) e todos os geneticistas nazis fora descoberto: um código que poderia explicar o comportamento humano, o passado e o futuro. E, mais importante, poderia ser manipulado.

Tudo já está escrito na natureza: o gene hetero, o gene gay, genes defeituosos que produziriam do câncer à esquizofrenia etc. O que fizeram o Darwinismo social (a seleção natural das selvas trazida para a sociedade) e a Eugenia, retornam disfarçadas em uma roupagem high tech.

Por exemplo, para Steve Rud (O Gay e a Biologia) o gay é uma invenção da natureza para acelerar ou desacelerar o crescimento populacional. Com a atual “ameaça de superpopulação” o instinto genético de sobrevivência inibiria a heterossexualidade.

Os neomalthusianos do item anterior passam a ter um surpreendente grande aliado na genética molecular. Se tudo é seleção natural e instinto de sobrevivência da espécie, temos uma perigosa matriz de raciocínio que poderá ser extrapolada para qualquer área da sociedade... genes e instintos são mais poderosos do que o livre arbítrio.

8. A gloriosa volta de Lombroso


Quem assistiu ao filme Minority Report – A Nova Lei (2002) ficou impressionado com uma polícia do futuro capaz de prender criminosos antes que eles pudessem cometer o delito: a Divisão Pré-Crime da Polícia de Washington DC, com ajuda dos pré-cogs (espécie de videntes), antecipava os crimes e gravavam premonições nos computadores, como provas para a prisão do futuro criminoso.

Pois no século XIX, Cesare Lombroso (médico e criminalista italiano, 1835-1909), acreditava que isso seria possível, mas não com ajuda de videntes mas com a ciência de Darwin – criar a identidade do criminoso através de aspectos físicos: formação craniana, mandíbula, forma de andar, cor, raça etc. Se o crime é uma patologia, deveria haver um tratamento preventivo pelo enquadramento dos criminosos potenciais.

Com a evolução das Ciências Sociais e Antropologia, esses estudos foram rebatidos no Direito e Criminologia como racistas e preconceituosos: os aspectos físicos foram substituídos pelos sociais no estudo da criminalidade.

Mas os neoconservadores são capazes de ressuscitar Lombroso e torná-lo relevante para o século XXI. Em sites jurídicos brasileiros como o “Universo Jurídico”, textos como “Onda de Crimes Ressuscita Lombroso para o Direito Penal” de um jurista descreve como “Lombroso retorna com vigor” graças à “escalada de corrupção, violência e criminalidade que varre o País”.

Cuidado! A Divisão Pré-Crime pode estar de olho em você!

7. Assexuados, Românticos, Hetero-românticos


Esqueça a Revolução sexual trazida pela pílula anticoncepcional nos anos 1960, o esforço das pesquisas de Freud a Wilhelm Reich para desvendar os mecanismos repressivos da sociedade contra o sexo e o prazer, a luta das feminista pelo amor livre, Simone De Beauvoir e o ativismo de Bete Friedman.

De repente a mídia transforma em um hype a curiosidade pelos assexuados: jovens que não sentem atração sexual. O sociólogo Mark Carrigan, por exemplo, fala em assexuados românticos e não românticos – em alguns casos haveria atração, mas não íntima fisicamente. Apenas para “dividir coisas”. São os “hetero-românticos”.

Ao mesmo tempo, com o retorno dos fundamentalismo religiosos (na política com o terrorismo internacional e na cultura como resposta ao relativismo dos valores) , virgindade ou “guardar o coração” passa a ser considerada “uma benção”.

Agora procuram não mais se basear em noções como pecado, castigo ou culpa, mas em pesquisas supostamente científicas (sempre as “pesquisas”, capazes de justificar até impeachments contra presidentes eleitos) como a Family Psychology de que pessoas que esperam para fazer sexo depois do casamento são “mais satisfeitos”.

6. Militares, salvem-nos!


Com a suposta “escalada de corrupção, violência e criminalidade que varre o País” que justifica a volta gloriosa de Lombroso no item 8, muitos começam a clamar por um retorno “constitucional” dos militares ao poder no Brasil. Se no passado tudo foi feito através de um golpe trágico e supostamente necessário já que os comunistas “ameaçavam” o País, agora tudo será “constitucional” e fundamentado nas “pesquisas” (sempre as pesquisas!) de insatisfação popular contra a presidenta Dilma.

Para além da evidente falta de lógica da proposta (é constitucional substituir o sufrágio universal por pesquisas por amostragem?) a proposta reflete a mentalidade esquizoide do neoconservadorismo: em um governo de exceção sem partidos, sindicatos ou Congresso, haveriam pesquisas ou manifestações de rua como aquelas que pedem um golpe militar?

O mais curioso é que jovens bem abonados (“coxinhas”) que apreciam drogas e baladas contraditoriamente apoiam ardorosamente um golpe militar. Se soubessem o que foi a ditadura militar  nos anos 1970, saberiam que por suas práticas, por assim dizer “notívagas”, seriam enquadradas como suspeitas de “práticas comunistas”.

5. Matem crianças, prendam adolescentes!


Segundo o historiador francês Philippe Ariès no livro clássico História Social da Infância e da Família, nos séculos XVI e XVII a infância era ignorada. Crianças eram tratadas com liberdades grosseiras e brincadeiras indecentes. Não havia sentimento de respeito e nem se acreditava na inocência delas. Vestiam-se como fossem pequenos adultos eram qualificados como enfants – aqueles que não sabem falar.

O avanço civilizatório das Ciências Sociais, Psicologia e Pedagogia faria ver nelas uma fase da vida diversa do adulto que deveria ser cercada de cuidados e atenção garantir o futuro delas  e da própria sociedade.

A redução da maioridade penal para os 16 anos quer tornar o adolescente um criminoso qualquer. Mas pela fúria punitiva dos neoconservadores e protofascistas, o correto para muitos seria a punição se estender à própria infância, como demonstram as reações à morte do menino Eduardo, baleado por fuzil da polícia no Morro do Alemão (RJ): fotos nas redes sociais de crianças exploradas pelo tráfico, portando armas de forma desafiadora – a polícia “faria um favor” em eliminar esses “futuros traficantes”, dizem postagens mais exaltadas nas redes sociais.

Parece ser esse o “espírito da lei” por trás da redução da maioridade penal: o retorno ao Código Hamurabi. No fundo, esse item conecta-se ao item 8 da gloriosa volta de Lombroso – poderíamos antever nas características físicas da criança seus futuros crimes?

4. A ressurreição de Pavlov e Skinner e o mar revolto da Terceirização


Com exceção das experiência com ratinhos em laboratórios, o comportamentalismo (a crença de que o comportamento humano pode ser condicionado de forma instintiva, assim como os animais) de Pavlov (1849-1936) e Skinner (1904-1990) tinha sido soterrado pelo humanismo da pedagogia piagetiana e pelos estudos do inconsciente e psiquismo da Psicanálise: o homem não é o simples resultado mecânico dos estímulos do meio – ele possui uma vida psíquica interior própria com impulsos, desejos e fantasias.

Por isso, desde as Escola de Relações Humanas, passando pela Teoria do Capital Humano e da Gestão do Conhecimento até chegar aos taoísmos da gestão e os paradigmas holísticos, todas acreditavam que capital e produtividade não eram apenas o suficiente para a criação de valor na empresa: era necessário o “capital do conhecimento” e a “iniciativa individual”.

A globalização e os tempos bicudos pós-crise das bolhas da Internet em 2000 e do mercado imobiliário em 2008 e o derretimento da Zona do Euro mandaram às favas esse viés humanista. Voltamos à natureza selvagem do capital com a terceirização e a irresponsabilidade social com o fim dos direitos trabalhistas.

E o “capital humano”? Vire-se com a psicologia motivacional, literatura de autoajuda e Programação Neurolinguística (PNL). Todos com um quê dos velhos Pavlov e Skinner, só que dessa vez com um novo vocabulário: reprogramação mental, força da mente, foco em objetivos e assim por diante.

No mar revolto da mão-de-obra autônoma e sem direitos, só restará se agarrar a essas boias furadas motivacionais. Afinal, olhe sempre para o lado brilhante da vida, quer dizer, no “reforço positivo” dos ossinhos que o treinador dá ao cachorro obediente.

3. O fantasma imortal do marxismo soviético


Há mais de um século os comunistas assombram o mundo ocidental, desde que o governos dos EUA enquadraram Hollywood com o Código Hays em 1930 com regras restritivas aos conteúdos dos filmes, com medo de que comunistas estivessem infiltrados na indústria cinematográfica com a sinistra intenção de envenenar os corações e mentes americanas.

Não adiantou a Queda do Muro, a Perestroika de Gorbachev, a União Soviética ser desmantelada e a máfia russa dominar o Estado outrora comunista. O fantasma vermelho continua assombrando a mente neoconservadora – talvez porque na sua falta de identidade social ou nacional, necessite de algum tipo de inimigo externo para manter o ego unificado.

Pois agora o “marxismo soviético” (Isso mesmo! Alguns mais exaltados em manifestações de rua falam dele...) se transformou em bolivarianismo: União Soviética, Simón Bolívar, ouro de Cuba de outro high lander (Fidel Castro) alimentando o PT, o fantasma também imortal de Hugo Chaves... Será que os Iluminatis também são soviéticos?

2. “Cada Gota Conta”


Esse é o lema de campanhas educativas para que cada cidadão faça a “sua parte” e economize água. Por trás desse slogan esconde-se o estranho retorno da filosofia positivista de Auguste Comte (1798-1857) do século XIX. Para o positivismo a sociedade funcionaria por meio de um mecanismo newtoniano: causa e efeito e eventos que se acumulam (1+1+1...) até formar um Todo.

Através do estudo de cada parte chegaríamos ao Todo por adição. Desde Hegel (“A verdade é o Todo”) até chegar à fenomenologia e a psicologia Gestalt descobriu-se que, na verdade, o Todo não é a soma das partes. Confirmado pela Teoria do Caos na Física, constatou-se que a dinâmica é complexa, caótica, com saltos qualitativos (a velha dialética de Hegel) e atratores estranhos semelhante à mecânica dos fluidos.

Isso significa que as mudanças sociais não ocorrem com ações aditivas, mas por quebras de ordens e paradigmas.

Mas a má consciência neoconservadora, culpada por se sentir alienada, esconde-se nas pequenas ações que supostamente transformariam o mundo. “Cada um faz a sua parte”, é o mantra neoconservador da ideologia da sustentabilidade: se cada um reciclar seu lixo, economizar água e energia, plantar uma árvore etc., o mundo magicamente se transformará.

Entre o indivíduo e o Todo não haveriam estruturas, ordens ou paradigmas que resistem e se defendem para não serem quebradas. Para o neoconservador, a sociedade é a mera soma de indivíduos isolados.

1. O mundo é plano!!!


E agora a cereja do bolo, a chave de ouro de todo esse revival de ideias conservadoras que acreditávamos superadas: a incrível revelação de que na verdade a Terra é plana. Os membros da Sociedade Internacional Terra Plana de Pesquisas (IFERS) localizada em Dove (Reino Unido), liderado pelo carismático pintor hiperrrealista e fotógrafo canadense Matt Boylan, na verdade ressuscitam as ideias de uma Zetetic Society fundada em 1883 na Inglaterra (que por sua vez se fundamentava em concepções esotéricas antiquíssimas) que propunha o “método científico Zetético” e uma “astronomia Zetética” .

Certamente é a mãe de todas as teorias das conspirações. Essencialmente é assim: a Terra é um disco coberto por uma cúpula e rodeado por uma parede de gelo que mantem os oceanos cerrados. O Sol e a Lua são apenas estrelas errantes. O programa espacial é uma farsa e não existem satélites. Os testes nucleares em grande altitude que EUA e URSS fizeram no final da década de 1950 foram tentativas de fazer furos na cúpula, mas não obtiveram sucesso. A gravidade zero não existe – tudo o que vimos foram simulações em aviões a grande altitude.

Esqueça Ptolomeu na Antiguidade, a circunavegação de Fernão de Magalhães em 1552 ou as soluções de Newton e Einstein para o conceito de gravidade. Por alguma intenção conspiratória sinistra, os poderes mundiais querem esconder de todos a verdade.

Segundo informações, o movimento cresce arrebanhando por ano 200 novas almas – a maioria britânicos e norte-americanos.

Certamente é uma ideia exótica e bizarra depois de séculos de progresso científico, assim como a Igreja da Euthanásia do item 10. Mas esse top 10 do bestiário neoconservador é preocupante por ser um evidente sintoma de que há algo de errado na Cultura nesse início de novo século.

           Lembre-se que os Nazis na II Guerra Mundial acreditavam na convicção esotérica de que a Terra era oca, de onde saiam discos voadores e os deuses da Hyperborea... – sobre isso leia o livro O Despertar dos Mágicos dos historiadores franceses Louis Pawells e Jacques Bergier.

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