segunda-feira, 29 de junho de 2015

A OPERAÇÃO LAVA-JATO, A DEFESA NACIONAL, A CONTRA-INFORMAÇÃO E A ESPIONAGEM.

A OPERAÇÃO LAVA-JATO, A DEFESA NACIONAL, A CONTRA-INFORMAÇÃO E A ESPIONAGEM.





(Jornal do Brasil) - Em suas críticas ao tamanho do Estado e na defesa da privatização a qualquer preço, os neoliberais tupiniquins se esforçam por defender a tese de que o poder de algumas das maiores nações do mundo “ocidental”, os EUA à frente, teria como únicos, principais esteios, o capitalismo, a livre iniciativa e o livre mercado, e defendem, sempre que podem, alegando a existência de “cabides de emprego”, e o grande número de ministérios, a diminuição do setor público no Brasil. A informação, divulgada na semana passada, de que, com três milhões e duzentos mil funcionários, o Departamento de Defesa dos EUA é o maior empregador do mundo, tendo em sua folha de pagamento, sozinho, mais colaboradores que o governo brasileiro, com todos seus 39 ministérios, mostra como essa gente tem sido pateticamente enganada, e corrobora o fato de que a tese do enxugamento do estado, tão cantada em prosa e verso por certos meios de comunicação nacionais, não é mais, do ponto de vista da estratégia das nações, do que uma fantasia que beira a embromação. Dificilmente vai se encontrar uma nação forte, hoje - como, aliás, quase sempre ocorreu na história - que não possua também um estado poderoso, decidida e vigorosamente presente em setores estratégicos, na economia, e na prestação de serviços à população. Enquanto em nosso país, o número total de empregados da União, estados e municípios, somados, é de 1,5% da população, na Itália ele passa de 5%, na Alemanha, proporcionalmente, ele é de 80% a mais do que no Brasil, nos EUA, de 47% a mais e na França, também um dos países mais desenvolvidos do mundo, de 24% da população ativa, o que equivale a dizer que praticamente um a cada quatro franceses trabalha para o Setor Público. Esses dados derrubam também a tese, tão difundida na internet, de que no Brasil se recebe pouco em serviços, comparativamente aos impostos que se pagam. Por aqui muitos gostariam de viver como na Europa e nos Estados Unidos, mas ninguém se pergunta quantos funcionários públicos como médicos, professores, advogados, técnicos, cientistas, possuem a mais do que o estado brasileiro, os governos dos países mais desenvolvidos do mundo, para prestar esse tipo de serviços à população. E isso, sem ter que ouvir uma saraivada de críticas a cada vez que lança um concurso, e sem ter que enfrentar campanhas quase que permanentes de defesa da precarização do trabalho e da terceirização. Aos três milhões e duzentos mil funcionários, cerca de 1% da população norte-americana, fichados apenas no Departamento de Defesa, é preciso agregar, no esforço de fortalecimento nacional dos Estados Unidos, centenas de universidades públicas e privadas, e grandes empresas, estas, sim, privadas, ou com pequena participação estatal, que executam os principais projetos estratégicos de um país que tem o dobro da relação dívida pública-PIB do Brasil e não parece estar, historicamente, preocupado com isso. Companhias que, quando estão correndo risco de quebra, como ocorreu na crise de 2008, recebem dezenas de bilhões de dólares e novos contratos do governo, e que possuem legalmente, em sua folha de pagamento, “lobistas”, que defendem seus interesses junto à Casa Branca e ao Congresso, que, se estivessem no Brasil, já teriam sido, neste momento, provavelmente presos como “operadores”, por mera suspeição, mesmo sem a apresentação de provas concretas. Da estratégia de fortalecimento nacional dos principais países do mundo, principalmente os ocidentais, faz parte a tática de enfraquecimento e desestruturação do Estado em países, que, como o Brasil, eles estão determinados a continuar mantendo total ou parcialmente sob seu controle. Como mostra o tamanho do setor público na Alemanha, na França, nos Estados Unidos - ampla e propositadamente subestimado no Brasil - por lá se sabe que, quanto mais poderoso for o Estado em um potencial concorrente, mais forte e preparado estará esse país para disputar um lugar ao sol com as nações mais importantes, em um mundo cada vez mais complexo e competitivo. Daí porque a profusão de organizações, fundações, “conferencistas”, “analistas” "comentaristas", direta e indiretamente pagos pelos EUA, muitos deles ligados a braços do próprio Departamento de Defesa, como a CIA, e a aliança entre esses “conferencistas”, “analistas”, “filósofos”, “especialistas”, principescos sociólogos - vide o livro “Quem pagou a conta? A CIA na Guerra Fria da Cultura”, da jornalista inglesa Frances Stonor Saunders - etc, com a imprensa conservadora de muitos países do mundo, e mais especialmente da América Latina, na monolítica e apaixonada defesa do “estado mínimo”, praticada como recurso para o discurso político, mas também por pilantras a serviço de interesses externos, e por ignorantes e inocentes úteis. Em matéria de capa para a Revista Rolling Stone, no final da década de 1970, Carl Bernstein, o famoso repórter do Washington Post, responsável pela divulgação e cobertura do Caso Watergate, que derrubou o Presidente Richard Nixon, mostrou, apresentando os principais nomes, como centenas de jornalistas norte-americanos foram recrutados pela CIA, durante anos, a fim de agir no exterior como espiões, na coleta de informações, ou para produzir e publicar matérias de interesse do governo dos Estados Unidos. Muitos deles estavam ligados a grandes companhias, jornais e agências internacionais, como a Time Life, a CBS, a NBC, a UPI, a Reuters, a Associated Press, a Hearst Newspapers, e a publicações como o New York Times, a Newsweek e o Miami Herald, marcas que em muitos casos estão presentes diretamente no Brasil, por meio de tv a cabo, ou têm seu conteúdo amplamente reproduzido, quando não incensado e reverenciado, por alguns dos maiores grupos de comunicação nacionais. Assim como a CIA influenciou e continua influenciando a imprensa norte-americana dentro e fora do território dos Estados Unidos, ela, como outras organizações oficiais e paraoficiais norte-americanas, também treina, orienta e subsidia centenas de veículos, universidades, estudantes, repórteres, em todo o mundo, em um programa que vem desde antes da Guerra Fria, e que nunca foi oficialmente interrompido. O próprio Departamento de Defesa, o Departamento de Estado, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, USAID, o Fundo Nacional para a Democracia, NED, o Conselho Superior de Radiodifusão, BBG, e o Instituto dos EUA para a Paz, USIP, bancam atividades de “desenvolvimento de meios” em mais de 70 países, em programas que mantêm centenas de fundações, ONGs estrangeiras, jornalistas, meios de informação, institutos de “melhoramento” profissional, e escolas de jornalismo, com um investimento anual que pode chegar a bilhões de dólares. Além deles, são usados, pelo Departamento de Estado, o Bureau de Assuntos Educacionais e Culturais, (Bureau of Educational and Cultural Affairs, BECA), o Bureau de Inteligência e Investigação, (Bureau of Intelligence and Research, INR) e o Bureau de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho (Bureau of Democracy, Human Rights, and Labor, DRL), que apenas no ano de 2006 organizou, na Bolívia, por exemplo, 15 diferentes “oficinas” sobre “liberdade de imprensa e expressão”, além do Escritório de Diplomacia e Assuntos Públicos (Office of Public Diplomacy and Public Affaires, OPDPA). “O que nós estamos ensinando - explica Paul Koscak, porta-voz da USAID - é a mecânica do jornalismo, na imprensa escrita, no rádio ou na televisão. Como fazer uma história, como escrever de forma equilibrada … tudo o que se espera de um verdadeiro profissional de imprensa.” Isabel MacDonald, diretora de comunicação da Fairness And Accuracy in Reporting (FAIR) - Imparcialidade e Transparência na Informação - um observatório de meios de comunicação de Nova Iorque sem fins lucrativos, não tem, no entanto, a mesma opinião. Para ela, “esse tipo de operação do governo norte-americano, a despeito de sua alegada defesa das normas da objetividade, trabalha, na verdade, contra a democracia, apoiando a dissensão sufocante, e divulgando informações deliberadamente falsas que são úteis para os objetivos da política exterior dos Estados Unidos.’ Um exemplo clásssico desse tipo de resultado, quanto aos objetivos norte-americanos, foi o envolvimento de Washington, denunciado pela comissão legislativa Church-Pike, no Congresso dos EUA, com o financiamento a jornais de oposição na América Latina, como o grupo “El Mercúrio” do Chile, por exemplo, na conspiração que levou ao golpe militar contra o presidente eleito de orientação nacionalista Salvador Allende, em 1973. Em abril de 2015, a Associação dos Jornalistas Chilenos decidiu expulsar de seus quadros o dono do Grupo El Mercúrio, Agustín Edwards Eastman, de 87 anos, por violação do código de ética, depois que documentos oficiais revelados nos Estados Unidos mostraram, em 2014, que ele havia recebido dinheiro da CIA para publicar informações falsas contra o governo chileno. A diferença entre os Estados Unidos, que se dizem “liberais” e “privatistas”, e na verdade não o são, e o Brasil, que cede a todo tipo de pressão, na tentativa de provar, todos os dias, que não é comunista nem estatizante, é que, mesmo quando envolvidas com corrupção - considerada uma espécie de “dano colateral” que deve ser “contornado” e “absorvido”, no contexto do objetivo maior, de permanente fortalecimento do complexo-industrial militar dos EUA - a existência das principais empresas de defesa norte-americanas nunca é colocada em risco. Apenas como exemplo, a Lockheed Martin, uma das principais companhias de aviação e de defesa dos EUA, pagou, como lembrou André Motta Araújo no Jornal GGN outro dia, entre as décadas de 1950 e 1970, mais de 300 milhões de dólares, ou 3.7 bilhões de dólares em dinheiro de hoje, de propina para autoridades estrangeiras, entre elas - para quem acha que isso só acontece em paises “sub-desenvolvidos” - o então Ministro da Defesa da Alemanha Ocidental, Franz Joseph Strauss, os ministros Luigi Gul, e Maria Tanassi, o Primeiro-Ministro Mariano Rumor e o Presidente da República Italiana, Giovanni Leone, o general Minoru Genda e o Primeiro-Ministro japonês Kakuei Tanaka, e até o príncipe Bernhard, marido da Rainha Juliana, da Holanda. E alguém acha que a Lockheed foi destruída por isso ? Como também informa Motta Araújo, seus principais dirigentes renunciaram alguns anos depois, e o governo norte-americano, no lugar de multar a empresa, lhe fez generoso empréstimo para que ela fizesse frente, em melhores condições, aos eventuais efeitos do escândalo sobre os seus negócios. A Lockheed, conclui André Motta Araújo em seu texto, vale hoje 68 bilhões de dólares, e continua trabalhando normalmente, atendendo a enormes contratos, com o poderoso setor de defesa norte-americano. Enquanto isso, no Brasil, os dirigentes de nossas principais empresas nacionais de defesa, constituídas, nesses termos, segundo a Estratégia Nacional de Defesa, em 2006, para, com sede no Brasil e capital votante majoritariamente nacional, fazer frente à crescente, quase total desnacionalização da indústria bélica, e gerir alguns dos mais importantes programas militares da história nacional, que incluem novos mísseis ar-ar, satélites e submarinos, entre eles nosso primeiro submersível atômico, encontram-se, quase todos, na cadeia. O Grupo Odebrecht, o Grupo Andrade Gutierrez, o OAS e o Queiroz Galvão têm, todos, relevante participação na indústria bélica e são os mais importantes agentes empresariais brasileiros da Estratégia Nacional de Defesa. Essas empresas entraram para o setor há alguns anos, não por ter algum privilégio no governo, mas simplesmente porque se encontravam, assim como a Mendes Júnior, entre os maiores grupos de engenharia do Brasil, ao qual têm prestado relevantes serviços, desde a época do regime militar e até mesmo antes, não apenas para a União, mas também para estados e municípios, muitos deles governados pela oposição, a quem também doaram e doam recursos para campanhas políticas de partidos e candidatos. Responsáveis por dezenas de milhares de empregos no Brasil e no exterior, muitos desses grupos já estão enfrentando, depois do início da Operação Lava-Jato, gravíssimos problemas de mercado, tendo tido, para gaúdio de seus concorrentes externos, suas notas rebaixadas por agências internacionais de crédito. Projetos gigantescos, tocados por essas empresas no exterior, sem financiamento do BNDES, mas com financiamento de bancos internacionais que sempre confiaram nelas, como o gasoduto do Perú, por exemplo, de quase 5 bilhões de dólares, ou a linha 2 do metrô do Panamá, que poderiam gerar centenas de milhões de dólares em exportação de produtos e serviços pelo Brasil, correm risco de ser suspensos, sem falar nas numerosas obras que estão sendo tocadas dentro do país. Prisões provocadas, em alguns casos, por declarações de bandidos, que podem ser tão mentirosas quanto interesseiras ou manipuladas, que por sua vez, são usadas para justificar o uso do Domínio do Fato - cuja utilização como é feita no Brasil já foi criticada jurídica e moralmente pelo seu criador, o jurista alemão Claus Roxin - às quais se somam a mera multiplicação aritmética de supostos desvios, pelo número de contratos, sem nenhuma investigação, caso a caso, que os comprove, inequivocamente, e por suposições subjetivas, pseudo-premonitórias, a propósito da possível participação dessas empresas em um pacote de concessão de projetos de infra-estrutura que ainda está sendo planejado e não começou, de fato, sequer a ser oficialmente oficialmente estruturado. O caso Lockheed, o caso Siemens, e mais recentemente, o do HSBC, em que o governo suiço multou esse banco com uma quantia mínima frente à proporção do escândalo que o envolve, nos mostram que a aplicação da justiça, lá fora, não se faz a ferro e fogo, e que ela exige bom senso para não errar na dose, matando o paciente junto com a doença. Mais uma vez, é necessário lembrar, é preciso combater a corrupção, mas sem arrebentar com a Nação, e com alguns dos principais pilares que sustentam nossa estratégia de desenvolvimento nacional e de projeção nos mercados internacionais. No futuro, quando se observar a história do Brasil deste período, ao tremendo prejuízo econômico gerado por determinados aspectos da Operação Lava-Jato, mutíssimo maior que o dinheiro efetivamente, comprovadamente, desviado da Petrobras até agora, terá de ser somado incalculável prejuízo estratégico para a defesa do país e para a nossa indústria bélica, que, assim como a indústria naval, se encontrava a duras penas em processo de soerguimento, depois de décadas de estagnação e descalabro. No Exército, na Marinha, na Força Aérea, muitos oficiais - principalmente aqueles ligados a projetos que estão em andamento, na área de blindados, fuzis de assalto, aviação, radares, navios, satélites, caças, mísseis, submarinos, com bilhões de reais investidos - já se perguntam o que irá acontecer com a Estratégia Nacional de Defesa, caso as empresas que representam o Brasil nas joint-ventures empresariais e tecnológicas existentes vierem a quebrar ou a deixar de existir. Vamos fazer uma estatal para a fabricação de armamento, que herde suas participações, hipótese que certamente seria destroçada por violenta campanha antinacional, levada a cabo pelos privatistas e entreguistas de sempre, com o apoio da imprensa estrangeira e de seus simpatizantes locais, com a desculpa de que não se pode “inchar”” ainda mais um estado que na verdade está sub-dimensionado para as necessidades e os desafios brasileiros? Ou vamos simplesmente entregar essas empresas, de mão beijada, aos sócios estrangeiros, com a justificativa de que os projetos não podem ser interrompidos, perdendo o controle e o direito de decidir sobre nossos programas de defesa, em mais um capítulo de vergonhoso recuo e criminosa capitulação ? Com a palavra, o STF, o Ministério da Defesa, e a consciência da Nação, incluindo a dos patriotas que militam, discreta e judiciosamente, de forma serena, honrosa e equilibrada, no Judiciário e no Ministério Público.
http://www.maurosantayana.com/

domingo, 28 de junho de 2015

Pentágono nuclear contra a Rússia


Todos lembramos como, no início de junho, o presidente Putin anunciou que a Rússia instalaria mais de 40 novos mísseis balísticos intercontinentais “capazes de superar até os mais avançados sistemas de defesa antimísseis”. Oh! O Pentágono e seus asseclas europeus piraram completamente e desde então fazem hora extra, trabalhando sem parar.
Por Pepe Escobar




MiliMilitares da Otan transportam mísseis para um avião caça

Primeiro, foi o Secretário-Geral da Otan, o figurão norueguês, Jens Stoltenberg, que condenou a ação como “provocação nuclear”.

Depois, foi o tenente-general Stephen Wilson, comandante do US Global Air Strike Command – e o responsável pelos mísseis balísticos intercontinentais e bombardeiros nucleares dos EUA – em recente encontro com jornalistas em Londres:



[Eles] anexaram um país, mudaram fronteiras internacionais, escalaram a retórica a um nível que não se ouvia desde os tempos da guerra fria…


Estava pronto o cenário para a indefectível comparação com os nazistas:





Algumas das ações recentes da Rússia são coisas que não se viam desde os anos 1930, quando países inteiros eram anexados e fronteiras mudadas por decreto.



Obedecendo à Voz do Dono, a União Europeia já prorrogou as sanções contra a Rússia. E logo em seguida El Supremo do Pentágono Ashton Carter, em Berlim, declarou que a Otan deve levantar-se contra – e o que poderia ser? – a “agressão russa” e seus “esforços para restabelecer uma esfera de influência como da era soviética”.

Está aberta a sessão de apostas sobre o que está por trás desses discursos. Pode ser porque a Rússia atreveu-se a meter aquele país enorme bem ali, tão perto de tantas bases da Otan. Pode ser por causa de um bando de imbecis com comichão de vontade de iniciar uma guerra em solo europeu, para, afinal, “libertar” todo aquele petróleo, gás, minérios, coitados, que vivem subjugados e oprimidos na Rússia e nos “-stões” da Ásia Central.

Desgraçadamente, é tudo muito, muito grave.

Comprem os bilhetes para o próximo filme “de Otan”

Vastas desoladas porções da “Think-tankelândia” norte-americana já admitem afinal que se trata do imperativo excepcionalista de impedir “a ascensão de um hegemon na Eurásia”. Ora... Não estão só “parcialmente”, mas completamente errados, porque para Rússia – e China – o nome do jogo é integração da Eurásia mediante comércio e trocas.

Assim se despacha para a lata do lixo retórico toda a conversa sobre o pivoteamento “para a Ásia”. Para o governo Obama, que se auto-apresenta como “Não faça merda coisa estúpida”, e para o Pentágono – o nome do jogo é firmar uma Nova Cortina de Ferro do Báltico ao Mar Negro, e separar a Rússia da Europa.

Assim, não foi surpresa que no início de junho, o Office of Net Assessment do Pentágono, ele próprio um think-tank, tenha contratado outro think tank, o Centro para Análise da Política Europeia, para produzir – e o que seria? – alguns jogos de guerra.

O CEPA é dirigido por A. Wess Mitchell, ex-conselheiro do ex-candidato Republicano à presidência e mestre da sensaboria mental Mitt Romney. Mitchell – que dá a impressão de ter sido reprovado em História na 3ª série – define a Rússia como uma neo-Cartago:



(...) poder sombrio, sinistro, punitivo, decidido a levar adiante uma política externa vingancista, para derrubar o sistema que ele responsabiliza pelo fim da sua antiga grandeza.


A inteligência russa está muito bem informada sobre essas manobras dos EUA. Portanto, não é absolutamente de estranhar que Putin nunca descuide da obsessão da Otan com construir um sistema de mísseis de defesa na Europa, bem próximo da fronteira oeste da Rússia:



É a Otan que está vindo na direção de nossas fronteiras. Nós não estamos andando para lado algum.


A Otan, enquanto isso, apronta-se para sua próxima superprodução: Operação “Trident Juncture 2015”, o maior exercício da Otan desde o final da Guerra Fria, que acontecerá na Itália, Espanha e Portugal, do dia 28 de setembro até 6 de novembro de 2015, com unidades especiais de terra, mar e ar de 33 países (28 da Otan e cinco aliados).

A propaganda da Otan fala de mostrar “alta visibilidade e credibilidade”, teste para sua “Força de Resposta” de 30 mil soldados. E não é só sobre a Rússia, nem só ensaio de preposicionamento de suficiente armamento pesado para 5 mil soldados na Lituânia, Letônia, Estônia, Polônia, Romênia, Bulgária e Hungria.

É também sobre a África, e a simbiose Otan/AFRICOM (lembram-se da “liberação da Líbia”?). O comandante El Supremo da Otan, general Breed-Raiva, digo, Breed-Amor, pavoneava-se para jornalistas, que



(...) os membros da Otan terão grande papel no Norte da África, no Sahel e na África Subsaariana.


Sinta o amor do meu S-500

No que tenha a ver com a Rússia, toda essa histeria pró-guerra é patética.

Fatos: no governo de Putin, a Rússia ativamente reconstruiu sua força estratégica de mísseis nucleares. As estrelas do show são o Topol M – míssil balístico intercontinental que voa a 16 mil milhas/hora – e o sistema S-500 de mísseis de defesa, que voa a 15.400 milhas/hora e efetivamente blinda o espaço aéreo russo. Vídeo a seguir:



Já ao raiar o milênio, a inteligência russa identificou que os mísseis seriam as armas do futuro; nada de porta-aviões pesadões e frota de superfície que podem ser facilmente esmagados por mísseis top-class (como os novos mísseis SS-NX-26 Yakhont, antinavios, que voa à velocidade de 2,9 Mach).

O Pentágono sabe disso – mas a húbris impõe a conversa de “somos invencíveis”. Não, vocês não são invencíveis; submarinos russos silenciosos nas costas dos EUA podem engajar-se em tiro (nuclear) ao peru e derrubar qualquer grande cidade dos EUA em poucos minutos, em total impunidade. Em apenas 15 anos, a Rússia saltou duas gerações à frente dos EUA nos mísseis, e pode estar à beira de capacidade nuclear para primeiro ataque; e os EUA não podem retaliar, porque o Pentágono não tem como passar pelos S-500s.

A opinião pública nos EUA não sabe nada disso. Portanto, ainda resta a encenação de valentia. Como o comandante do Estado-Maior das Forças Conjuntas general Martin Dempsey a “declarar” que os EUA “estão analisando” a ideia de dispor mísseis terra-ar – com ogivas nucleares – que chegariam a cidades russas em toda a Eurásia.

Não presta nem como provocação infantil – e inacreditavelmente temerária. Os tais mísseis seriam inúteis, imprestáveis. Os EUA têm mísseis instalados em submarinos, que tampouco conseguiriam atravessar as defesas russas: os S-500s farão o serviço. Daí que, se Pentágono e Otan realmente querem guerra, eles que esperem até o ano que vem, ou 2017, o mais tardar – com ou “The Hillargator” ou Jeb “Não sou Bush” na Casa Branca – quando a instalação de todo o sistema S-500 estará completada.

Putin sabe extremamente bem o quanto são perigosas essas provocações. Por isso Putin enfatizou que a retirada unilateral dos EUA do Tratado dos Mísseis Antibalísticos (ABM) – que determinava que nem EUA nem URSS tentariam neutralizar a contenção nuclear do outro lado com escudo antimísseis – está empurrando o mundo para uma nova Guerra Fria:



Isso, de fato, nos empurra para mais um round da corrida armamentista, porque muda o sistema da segurança global.


Washington separou-se unilateralmente do Tratado dos Mísseis Balísticos durante a era Dábliu, do “eixo do mal”, em 2002. O pretexto foi que os EUA careciam de “proteção” contra os estados bandidos, naquele momento identificados como Irã e Coreia do Norte. O fato é que isso liberou o Pentágono para construir um sistema global contra mísseis apontado contra – e quem seria? – os únicos países que realmente “ameaçam” o hegemon: dois países BRICS, Rússia e China.

Ash, o Otan-Terminator, em ação

Sob o comando do neoconservador Ash Carter – comparado ao qual Donald Rumsfeld é uma Cinderella – o Pentágono tem-se apresentado como o Otan-Terminator.

As “opções” que estão sendo consideradas contra a Rússia são um escudo de mísseis ofensivos sobre toda a Europa, para derrubar mísseis russos (escudo inútil, contra o Topol M); uma “contraforça” (em Pentagonês), que implica ataques preventivos não nucleares contra sítios militares russos; e “capacidades para compensar ataques”, expressão que, em Pentagonês, significa ataques preventivos com mísseis nucleares contra alvos – e cidades – dentro da Rússia.

Aqui, pois, estamos falando do impensável: um ataque nuclear preventivo contra a Rússia. Se isso acontecer, só há um cenário: guerra nuclear total. O simples fato de isso ser considerado uma das “opções sobre a mesa” revela tudo que é preciso saber sobre o que passa por “política externa” no coração da Nação Indispensável.

No Iraque, um ataque preventivo – embora não nuclear – foi “autorizado” por causa de inexistentes armas de destruição em massa. Quer dizer: o planeta sabe que o “Império do Caos” é capaz de inventar qualquer pretexto. No caso da Rússia, o Pentágono pode até fazer pose de Otan-Terminator o quanto queira, mas não será como passeio no parque; afinal em menos de dois anos, o espaço aéreo russo estará efetivamente vedado pelos S-500s.

Cuidado com o “Choque e Pavor” que vocês procuram. De qualquer modo, não há chance de o Pentágono tomar a sério o que Putin diz (Ash Carter, falando aos quatro ventos, é doido por mudança de regime. Recentemente, o presidente russo disse claramente, e não poderia ter sido mais explícito:



Isso não é diálogo. É ultimato. Não falem conosco na língua dos ultimatos.


A Destruição Mútua Garantida – já é passado. Manteve uma paz meio incômoda, mas paz, durante as sete décadas de Guerra Fria. A Guerra Fria 2.0 é linha duríssima, puro hardcore. E com todos esses Dr. Fantástico-Breed-Raiva soltos, a loucura nuclear vem aí, cinco segundos antes da meia-noite.


http://www.vermelho.org.br/noticia/266373-9

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Algumas lições para se tornar um juiz-celebridade

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O professor Rogério nos brinda com mais um texto que põe o dedo na ferida, abordando essa nova loucura nacional: o juiz heroi, que atropela leis e regras elementares do direito para prender o “inimigo”, os parentes do inimigo, os amigos do inimigo e os patrocinadores do inimigo.

***
Tudo que você sempre quis saber sobre como melar um processo judicial mas tinha medo de perguntar
Por Rogério Dultra
Imagine que você é um juiz criminal e tem dois objetivos: a) transformar-se em herói nacional, prendendo grandes executivos, parlamentares e donos de grandes empresas com estardalhaço e em rede nacional, e, ao mesmo tempo, b) contribuir para destruição de um agrupamento político importante, porém incômodo, abrindo o caminho para que as assim consideradas elites tradicionais retomem o controle do Estado.
Estes dois alvos, veja, são complexos e trazem um sem número de efeitos colaterais. Deverá evitar, acima de tudo, que os danos se voltem contra você.
Mas a receita do sucesso é relativamente simples: feche negócio com o Ministério Público, que geralmente quer ver qualquer coitado que passa pela sua frente nas grades; transforme-se em associado eletivo e fonte de informação privilegiada para jornalistas da grande mídia e, o ingrediente fundamental da receita, mele o processo, isto é, evite que ele prospere para além dos factóides que você irá criar.
Isto mesmo. Se você quer: a) aparecer de paladino da justiça, b) produzir dezenas de imagens simbólicas de empresários algemados e passando necessidade atrás das grades e, durante o tempo que você quiser, c) criminalizar e, ao final, sepultar o maior partido de massas do país, abrindo as portas para o modo usual de governo das elites, faça de tudo para que ninguém seja de fato condenado. Um rico algemado no jornal de hoje vale mais que mil políticos condenados não se sabe quando e nem por quem.
Estabelecidas as linhas gerais, preocupe-se com os detalhes.
Um pormenor de peso é o seguinte: uma coisa é o processo penal e outra coisa completamente diferente são os direitos previstos na Constituição. No processo, esses direitos não precisam ser obedecidos. Como você é um juiz e não um constitucionalista, nem defensor de direitos humanos para bandido, não se importe com a Constituição nem com o “devido processo”, ou mesmo com o “princípio” da legalidade (pois é só um valor), com a ampla defesa, nem com esse negócio de presunção de inocência. Se há presunção é porque os indiciados e réus têm culpa no cartório. Em resumo: não perca tempo com direitos fundamentais. Deixe isto para os Ministros do STF (mas lembre-se, o ideal mesmo é que este processo nunca chegue lá. Você não precisa disto: a ideia é que a República caia antes).
Outra coisa relevante: nunca prenda ninguém com base em provas. Para que perder tempo e dinheiro público com investigações infindáveis, análises contábeis, escutas autorizadas, perícias de documentos, softwares, imóveis e contas, ou com testemunhas inalcançáveis. Prenda sem motivo. A doutrina o autoriza a fazer isto. Até mesmo a associação de magistrados vai apoiar a sua conduta. Praticamente todos fazem a mesma coisa. A diferença importante é que você vai fazer com ricos e políticos. Ma non troppo. Lembre-se: é tudo fogo de palha.
Agora, se você quer mesmo brilhar em cada passo, preocupe-se que, em todos os movimentos da Polícia Federal, em cada conversa de seu grupo de Procuradores com a mídia e em cada folheada dos autos em segredo de justiça sempre vaze uma coisa. Pode ser um nome, ou melhor, uma lista de nomes de políticos que supostamente poderiam ser investigados, uma conta na Suíça (mesmo que declarada no Imposto de Renda), um bilhete que seja. Cada vazamento gerará uma avalanche de suspeitas, de teses, acusações e defesas que permitirão que os seus réus sejam vistos sempre como mais culpados e mais criminosos. E isto tudo sem que você precise escrever uma linha.
Vão questionar os seus procedimentos. Afinal, ricos e poderosos geralmente têm bons advogados. Mas, lembre-se, você tem a mídia ao seu lado! Uma notícia de primeira página abafa a voz de qualquer advogado. Com a amplificação dos telejornais, com a repetição das redes sociais e com a chancela da dos periódicos impressos, as suas hipóteses virarão indícios, as suspeitas, provas e as delações – atente-se para as delações! – serão o combustível para a transmutação de qualquer dúvida em verdade. Afinal, um dedo em riste vale mais que mil análises contábeis.
Outra coisa que vai demandar atenção é o trato com a classe política. Comece perseguindo o segundo escalão. Eles não estão acostumados a lidar com o mundo do direito. Se aproveite disso. Como você precisará de apoio nas cortes superiores para chegar ao estrelato, não se esqueça de bajular os Ministros do Supremo. Dê presentes para eles em forma de militantes presos. Um militante histórico algemado na Proclamação da República não tem preço. E irão te agradecer por isto. Não colocando nenhum óbice seja na prisão dos tubarões graúdos, seja na sua futura indicação. Pense nisto com carinho. Este é o seu gol.
Mas, lembre-se, não vão deixar você em paz. Se prepare para isto e oriente seus familiares. O silêncio e a constrição são o melhor remédio. Deixe que a mídia faça o seu trabalho. Ela está ao seu lado e irá chancelar cada passo que você der. Ainda assim irão questionar a sua imparcialidade. Finja que não é contigo. Você acabará ganhando algum prêmio empresarial e sairá em editoriais e capas de jornais e revistas como um empreendedor de sucesso! Nem o Tribunal nem mesmo o Corregedor terão coragem de colocar freios em você, mesmo que você acabe falando ou dando declarações esquisitas aqui ou ali. No fundo, estarão todos te aplaudindo (ou com medo da repercussão negativa)!
Apesar de ser a sua finalidade capital, não deixe o sucesso subir à cabeça. Você será convidado para dezenas de conferências, entrevistas, clubes e jantares. Todos o festejarão no supermercado, no shopping, na farmácia. Mas é você que tem a caneta. A responsabilidade da condução do processo é sua. E quando disserem que está na hora de prender um Presidente, pense duas vezes.
Quem faz o trabalho sujo das elites tem prazo de validade. Dura o tempo que é útil. A sua principal tarefa é conseguir sair ileso do processo. Esta é a malandragem suprema. Veja: você irá desnudar como o judiciário realmente funciona – irá desagradar não somente a classe dos advogados, mas aqueles que se fiam que a justiça é correta e imparcial e aqueles que sempre se locupletaram dela mas o fizeram em silêncio; você será o vértice da luta de classes no país, pois o seu processo funcionará como catarse de uma violência social que se acumula há séculos, num país cujas elites são, no fundo, escravagistas; você colocará em questão a ordem jurídica, pois o direito e suas regras atrapalham o desenvolvimento de seu processo; você e o seu processo atacarão frontalmente a ordem democrática, já que a voz das urnas não é a voz que você ouve nas conferências, clubes e jantares – a voz das ruas deve ser calada; e você, caro amigo, você é uma peça substituível – um burocrata numa instituição entupida de burocratas com vontade de poder que nem você.
Então, agora que o seu processo está em andamento, agora que você não pode voltar atrás nem que você queira – e você, convenhamos, não quer –, chegará a hora de encarar o imprevisível. A sua malandragem será ser capaz de improvisar na imprevisibilidade e voltar toda a energia reativa já gerada contra você a seu favor. Esta é a malandragem usual da classe política e da classe empresarial. O seu problema é que você fez direito. Não é nem político, nem empresário. Vai ter que se virar nos trinta. E como dizem no teatro para dar sorte – por que isto tudo, você sabe, é uma pantomima – Merda para você!
http://www.ocafezinho.com/2015/06/25/algumas-licoes-para-se-tornar-um-juiz-celebridade/

quinta-feira, 25 de junho de 2015

A CAÇADA A LULA

'Dá para pegar ele'

por: Saul Leblon 


Um juiz estala os dedos, a ordem se propaga pelo dispositivo midiático conservador.
 
A ordem é disseminada por um colunista especializado na arte dos ganidos demarcatórios. 
 
‘(O juiz) acha que dá para pegar ele’, uiva entre espasmos de ansiedade e sofreguidão.
 
A mensagem ganha diferentes versões no dispositivo midiático. 
 
Contra Getúlio, Juscelino e Jango era Lacerda principalmente quem dava a cadência das senhas golpistas.
 
Lacerda agora é o jornalismo; os colunistas, em especial, seu autofalante mais exclamativo.
 
Ao ‘salve geral’ narrativas são adaptadas ao sotaque de cada público específico. Desde a mais crua, às colunas especializadas em dizer o mesmo com afetação pretensamente macroeconômica ou jurídica.
 
A mensagem é a mesma: ‘Dá para pegar ele’.  
 
‘Ele’ é o troféu mais cobiçado, a cabeça a ser pendurada no espaço central da parede onde já figuram outras peças  embalsamadas pelos taxidermistas a serviço da caçada ininterrupta do conservadorismo na história do país.
 
Mas falta a dele, uma cobiça acalentada pelos quase dez anos que remontam a 2005/ 2006.
 
‘Ele’?
 
Lula.
 
O metalúrgico que ascendeu ao posto de maior líder político do país desde Getúlio Vargas, e cuja morte política já foi uivada pela matilha um sem número de vezes.
 
De novo agora todos os latidos, mandíbulas, miras, gatilhos, patas, línguas espumosas, risos gordurosos, emboscadas e dardos convergem em sua direção.
 
Mas há uma novidade na sofreguidão dos latidos.
 
Erros cometidos em inéditos doze anos de poder do maior partido de trabalhadores da América Latina, emergiram com força do chão movediço da crise mundial, contra a qual os recursos da resistência do Estado brasileiro se esgotaram.
 
O problema principal não é o ajuste que sucedeu a isso.
 
Não é Dilma.
 
Seu governo, a composição, a política em curso refletem um flanco anterior mais grave que pode ser sintetizado no distanciamento orgânico entre ‘a caça’ e seu imenso entorno popular.
 
É esse distanciamento que o ajuste em curso espelha, ao mesmo tempo em que age para aprofunda-lo.
 
E é ele também que explica os ganidos em decibéis crescentes, o cheiro forte de urina demarcando o território conquistado no avanço ininterrupto do tropel.
 
Mas não sem dificuldade.
 
O ciclo iniciado em 2003 tirou algumas dezenas de milhões de brasileiros da pobreza; deu mobilidade a outros tantos milhões na pirâmide de renda.
 
A inclusão foi tão expressiva que sob a cortina de fogo impiedosa do monopólio midiático há quase uma década, acuado, ferido e enxovalhado noite e dia, sem espaço de resposta, Lula ainda figura como o nome que parte com 25% dos votos nas sondagens da corrida presidencial para 2018, contra 35% de Aécio Neves.
 
Mas a direita sabe que isso é pouco para ele reverter.
 
Com acesso diário à tevê hoje sonegado, ao rádio e ao debate num cenário econômico que dificilmente será pior do que o atual, os dez pontos da vantagem do tucano – segundo o Datafolha -- podem derreter em questão de dias.
 
Então é preciso liquidar a fatura hoje. Agora. Na janela de oportunidade entre o vácuo orgânico criado em torno da presa e a próxima temporada de imersão no oceano popular. 
 
‘(O juiz) acha que dá para pegar ele’, telegrafa o colunista que alardeia intimidades com a caçada e objetivamente compõe o galope.
 
A disjuntiva ‘combate à corrupção’ versus ‘ impunidade’ serve para aspergir legalidade ao tiro ao alvo em marcha que busca a cabeça encomendada para figurar na parede dos abates ilustres de Getúlio, Jango, entre outros.
 
Passar a limpo a política brasileira? 
 
Fosse essa a motivação a força-tarefa que hoje se esfalfa em caçar Lula cerraria fileiras para criar travas à presença do dinheiro grosso nas campanhas eleitorais.
 
Promoveria uma reforma capaz de dificultar siglas caça níqueis. Endossaria o clamor por uma democracia mais aberta à participação da população, ora resumida ao comparecimento esporádico às urnas.
 
Não, não é esse o objetivo.
 
A reforma de Cunha, talhada à sua imagem e semelhança, sacramenta a causa do apodrecimento da política e afastar o eleitor das decisões por intervalos maiores.
 
Ah, mas Lula fez lobby por empresas brasileiras... 
 
Sim. E nisso o senador Roberto Requião foi definitivo enquanto os senadores do PT balbuciavam evasivas:
 
‘Criticam o Lula por trabalhar a favor de empresas brasileiras;  elogiam o Serra por querer entregar nosso petróleo a empresas estrangeiras’, fuzilou, tiro seco e letal, o bravo parlamentar.
 
O país precisa de uma macroeconomia mais consistente? 
 
Por certo. 
 
Mas qual?
 
A dos sábios tucanos, reunidos no departamento econômico do Itaú, o BC do PSDB? Ou aquela recauchutada na Casa das Garças, com os mesmos ingredientes de sempre. Desregulação do mercado de trabalho e livre comércio, em linguagem acadêmica. Ou para ser um tanto mais direto: arrocho e entreguismo.
 
'O trade-off  é mais liberalismo em troca de mais redistribuição', preferem os senhores elegantes de gravata italiana.
 
Pergunte-lhes onde foi que isso aconteceu? 
Na Espanha? Na Grécia? Em Portugal? Nos EUA? Ou na Inglaterra, onde a gororoba é aplicada desde Thatcher (Blair incluso), e 250 mil foram às ruas no último sábado contra cortes em programas sociais promovidos pelo engomadinho  Cameron (37% dos votos em escrutínio com abstenção de 40%)?
 
Menos Estado em troca de mais distribuição?
 
Então por que o motor da economia mundial engazopou e não pega nem com o tranco de liquidez de trilhões de dólares despejados pelo Fed e, agora, pelo tardio BCE?
 
Trinta anos que não se faz outra coisa a não ser desregular mercados urbi et orbi, e as grandes corporações mundiais estão sentadas em trilhões de dólares de liquidez. 
 
Não investem.
 
Quem diz é a OCDE, não propriamente um organismo bolchevique. 
 
A produtividade patina e grandes corporações dos EUA já destinaram US$ 903 bilhões este ano à recompra das próprias ações ou a dividendos milionários pagos à república dos acionistas, invertendo-se a destinação majoritária do lucro que deveria expandir o investimento produtivo.
 
O que falta para lubrificar a engrenagem emperrada?
 
Falta o que o Brasil tem, mas a boa ‘ciência econômica’ aqui -- com o incentivo do bravo jornalismo econômico -- acha indispensável liquidar: mercado de massa, horizonte de demanda, distribuição de renda, de bens e de infraestrutura. 
 
A desregulação do mercado de trabalho e a destruição do pleno emprego -- vendidas como o clorofórmio capaz de combater as impurezas da macroeconomia lulopopulista,  explicam no plano mundial  por que essa  é a mais longa, frágil e incerta convalescença de todas as crises capitalistas, desde 1929.
 
O massacre da desregulação do trabalho, na fórmula consagrada de empregos desqualificados, salários baixos e atrofia sindical, foi contrabalançado pelo inchaço do crédito nas últimas décadas.
 
Famílias assalariadas – a exemplo de Estados desidratados pelas reduções de impostos —foram buscar no endividamento aquilo que o emprego e a receita fiscal não mais proporcionavam.
 
Empréstimos às famílias cresceram três vezes mais rápido que o PIB no último meio século nos países ricos, diz a OCDE.
 
Criou-se uma contradição nos seus próprios termos: crédito em volume cada vez maior a tomadores cada vez mais descapacitados a pagá-lo.
 
Daí para as sub-primes que acenderam o pavio da explosão mundial era uma questão de tempo.
 
Quando o balão de oxigênio creditício travou, em 2008, sobrou o deserto do real.
 
Um imenso areal de mão de obra subempregada, trabalhadores em tempo parcial, dezenas de milhões de famílias endividadas, outros tantos milhões de lares sem condições sequer de prover o próprio sustento.
 
O mundo talhado pelo cinzel neoliberal abarca hoje mais de 200 milhões de desempregados –30 milhões adicionados só nesta crise; a fome está de volta à Europa; uma em cada quatro crianças vive em meio à pobreza na Inglaterra onde Cameron acaba de cortar mais 12 bilhões de libras dos programas sociais; 46 milhões de norte-americanos só comem com ajuda do governo, mas o Congresso neoliberal desautoriza Obama a elevar o salário mínimo, agora inferior ao da era Reagan.
 
Por isso a OCDE lamenta o onanismo de um capital que se autossatisfaz ejaculando com a recompra das próprias ações e distribuindo lucros celibatários a  acionistas e diretores rentistas.
 
É essa a eficiência estratégica que se persegue?  Um capitalismo que patina no próprio esperma, apartado da reprodução, alijado de ferramentas de Estado e de poder social para reconduzi-lo às finalidades sociais do desenvolvimento?
 
Os dados na mesa são claros.
 
Não há muito tempo para agir, nem são tantas as opções assim.
 
Há até algum consenso entre o mercadistas sensatos e a visão progressista. 
 
Ambos concordam que o país vive o esgotamento de uma dinâmica econômica. 
 
Há razoável convergência em relação ao motor que deve puxar o novo período: o investimento produtivo, um impulso industrializante liderado pelo pré-sal; os grandes projetos de infraestrutura. 
 
Termina o espaço dos consensos.
 
O conservadorismo avalia que o legado recente é incompatível com o futuro desejado. Para nascer o ‘novo’ é preciso destruir o ‘velho’. 
 
Parece schumpeteriano, é udenista puro. 
 
A supremacia financeira deve purgar todo e qualquer vestígio de interesse nacional, público e social no manejo da economia.
 
O alvo da caçada, Lula, embolou tudo na última década.
 
Fortemente ancorada na ampliação do mercado de massa, a economia avançou apoiada em ingredientes daquilo que a emissão conservadora denomina ‘Custo Brasil’.
 
Um exemplo das dificuldades a retardar o avanço da matilha nessa frente?
 
A formalização da mão de obra.
 
Hoje ela encarece sobremaneira o lacto purga das demissões em massa, atrasando a purificação do metabolismo econômico. 
 
O PSDB deixou o país com uma taxa de informalidade do emprego de 43,6%. 
 
No ano passado esse percentual era de 29,5%.
 
Para demitir um operário com registro em carteira é preciso pagar todos os direitos legados por Vargas. 
 
Eles foram limados parcialmente pela ditadura, mas fortalecidos na prática pelo ciclo de pleno emprego propiciado em 12 anos de governos do PT (que pegou o país com um desemprego tucano superior a 9%, quase 10% em 2003; cortou isso à metade).
 
É disfuncional. Custa caro faxinar a folha de pagamentos pós-PT.
 
Pior: ao recontratar, enfrenta-se o piquete de uma década de investimento para democratizar a educação.
 
Foram oito milhões de vagas do Pronatec e 1,6 milhão de vagas do Prouni e do Fies.
 
O avanço educacional barra o retrocesso significativo nas relações de trabalho: o jovem qualificado recusa a informalidade e o salário arrochado.
 
É preciso pendurar a cabeça do responsável por isso na parede; impedi-lo de retornar à Presidência ou o mercado não completará o longo ciclo de detox neoliberal requerido.
 
‘(O juiz) acha que dá par apegar ele’.
 
Essa é a determinação serviçal da Lava Jato, cuja mão de obra não se inibe em paralisar o país para entregar o serviço. 
 
A paralisia do sistema econômico, na verdade, é um plus que acompanha o pacote e ajudar a acuar a caça.
 
O resto é farofa ética expressa no inimputável conforto desfrutado pelas lambanças do PSDB.
 
Romper o cerco dessa determinação canina exige coragem política de negociar o futuro do país com quem  ainda quer conversar sobre soluções coletivas -- até para tornar compreensível e tolerável as restrições do presente, que são reais.
 
Ou o campo progressista se une e mexe no tabuleiro do xadrez com as peças dispostas a permanecer no jogo democrático, e de lance em lance altera a rigidez das demais, ou ele próprio será tomado pela rigidez cadavérica que vai tomando conta do metabolismo econômico.
 
Lula criou um novo personagem histórico: o mercado de massa ancorado no pleno emprego formalizado. 
 
Os novos protagonistas formam hoje a maioria da sociedade.
 
Mas ainda não constituem um protagonista histórico capaz de assumir o comando do desenvolvimento e do país, o que explica o seu distanciamento em relação à caçada em curso.
 
É um pouco esse paradoxo que espeta no governo a angustiante dubiedade de um refém de si mesmo.
 
Cria, também, a angustiante dissociação entre o gesto e o seu efeito. 
 
Entre o apelo e o seu desdobramento.
 
Nesta 2ª feira, Lula, ‘a caça’, evocou a necessidade de uma revolução no PT, ‘para salvar nosso projeto, não a nossa pele’.
 
Nada.
 
Em diferentes momentos da história recente, mas sobretudo após a morte traumática do candidato do PSB à presidência, Eduardo Campos, em agosto do ano passado, o projeto progressista esteve emparedado, a ponto de muitos darem o jogo como perdido.
 
No final de agosto, o aluvião conservador era tão denso que expoentes do colunismo conservador degustavam precocemente a derrota irreversível do ‘lulopetismo’.
 
Em duas frases, Lula esquadrejou a areia movediça então e identificou um pedaço de chão firme onde instalar a alavanca da reação (bem sucedida, como se sabe):  ‘Temos que demarcar o campo de classe dessa disputa: é preciso levar a política à campanha’.
 
Se tivesse incorporado à evocação o debate de ajustes pontuais na economia, o eleitor provavelmente entenderia –desde que isso se fizesse acompanhar de salvaguardas, prazos e contrapartidas.
 
Um pouco o que o Syriza busca agora na Grécia para não ser cuspido do euro, nem lixiviar ainda mais uma sociedade escalpelada. 
 
Errou o PT ao não fazê-lo.
 
Erra em dobro agora, ao insistir em terceirizar um ajuste necessário, mas que só resultará em reordenação progressista do desenvolvimento se for pactuado com os que precisam genuinamente apostar na democracia social brasileira.
 
Os riscos intrínsecos a uma decisão de renegociar o pacto do desenvolvimento não são maiores do que o caminho adotado agora.
 
A aposta na indulgência dos mercados levou o governo a uma ponte sem pilares que desembocou em um labirinto de areia movediça.
 
Em certa medida, é como se o PT desconfiasse da capacidade de engajamento do protagonista político que ajudou a revelar.
 
O criador escapou à criatura. 
 
Ou dito de forma mais racional: é viável enfrentar as contradições de um ciclo de desenvolvimento como o atual, sem estreitar os canais de organização e comunicação com a principal força capaz de sustentar a continuidade do processo?
 
A matilha  late cada vez mais perto.
 
Contra a voracidade excitada pela silhueta da presa há resposta.
 
Talvez a única resposta nas horas que correm.
 
A unidade de ação do campo progressista e a determinação política inabalável de não escamotear a colisão de interesses em jogo. ‘Trata-se de salvar um projeto, não cargos’. A ver.

http://cartamaior.com.br/?/Editorial/-Da-para-pegar-ele-/33809

terça-feira, 23 de junho de 2015

Europa, EUA e o conto do livre comércio

Por Mauro Santayana

Se há um “conto do vigário” recorrente, no qual temos caído, sempre, historicamente, ele é o do “livre” comércio. A tradição de negociar com os de fora em condição de inferioridade, como se fosse tremenda vantagem, é uma marca cultural brasileira, que deve ter se inaugurado quando, na areia, contemplando as primeiras caravelas, os nativos destas terras entregaram aos portugueses confessáveis e inconfessáveis riquezas, em troca de espelhinhos e miçangas.

A presidente Dilma Roussef retornou, há poucos dias, da Cúpula entre a CELAC - Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe, e a União Europeia, realizada na semana passada, em Bruxelas.

Na Bélgica, ela tinha também a expectativa de fazer avançar as negociações em torno do acordo de comércio entre o Mercosul e a União Europeia, mas voltou de mãos abanando.

Na linha do “faça o que eu digo, mas não o que eu faço”, os europeus, como fazem há anos, depois de acusar o Mercosul e o Brasil de protecionismo e de estar atrasando as negociações, pediram para transferir a próxima reunião para outubro.

Muito mais fechados do que querem fazer parecer em jornais brasileiros que divulgam - e muitas vezes defendem, abertamente - suas posições, os europeus não buscam um acordo equilibrado e tem suas próprias dificuldades para chegar a um consenso.

O que a UE quer é abrir o mercado do Mercosul, com um PIB de 3 trilhões de dólares (2.3 trilhões do Brasil) às suas exportações de máquinas e serviços, sem levantar suas barreiras às exportações do Mercosul, mesmo que estas em sua maioria sejam de commodities agrícolas de baixo valor agregado.

Ao contrário da nossa, a agricultura europeia é altamente subsidiada, não apenas em seus principais países, mas também em pequenas nações que entraram para a UE e a OTAN recentemente, em troca de seu afastamento da órbita russa.

O “livre” comércio de europeus e norte-americanos é uma balela.

Uns e outros defendem seus interesses, tanto é que o propalado acordo transcontinental entre a Europa e os Estados Unidos está enfrentando cada vez mais resistências dos dois lados do Atlântico.

E fazem o mesmo com relação ao Brasil, como pode ser visto, com dois exemplos, entre muitos outros:

Para vender aos EUA aviões - que já contam com muitas peças Made in USA - a Embraer teve que, primeiro, montar uma fábrica na Flórida, e associar-se de forma minoritária com uma empresa norte-americana.

E, agora, o empreendedor brasileiro-norte-americano David Nelleman, da Azul, teve de associar-se também minoritariamente ao português Humberto Pedrosa para disputar e ganhar a privatização da TAP - Transportes Aéreos Portugueses (nascidos em outro continente não podem controlar companhias de aviação europeias).

Enquanto isso, por aqui, esquemas acionários mirabolantes permitem, de fato, o controle externo de companhias aéreas nacionais, e parlamentares defendem, ferrenhamente, no Congresso, o fim das restrições à venda de terras para empresas e cidadãos estrangeiros.

http://www.maurosantayana.com/

domingo, 21 de junho de 2015

3ª GUERRA MUNDIAL JÁ COM PLANOS EM CURSO

Cerco imperialista à Rússia

A Federação Russa considera que o plano dos EUA para colocar milhares de soldados e material de guerra nas suas fronteiras representa “o mais agressivo passo do Pentágono e da Otan desde a Guerra Fria”.


Secretário-geral da Otan, Jens StoltenbergSecretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg

A concretizar-se o plano dos EUA, a Federação Russa não terá outro remédio senão reposicionar parte do seu aparato bélico ao longo dos limites ocidentais do território, disse, segunda-feira (15), o general russo Yury Yakubov. O oficial sênior do Ministério da Defesa reagia assim às informações avançadas pelo New York Times (NYT), que no sábado (13), informou que Washington prepara o estacionamento de pelo menos 5000 soldados, peças de artilharia e tanques no Leste da Europa, nomeadamente nas três repúblicas do Báltico (Estônia, Letônia e Lituânia), na Polônia, Romênia e Bulgária.

O projeto foi já confirmado pelo ministro da Defesa polaco. Em entrevista à agência de notícias nacional, no domingo (14), Tomasz Siemoniak adiantou que o tema esteve entre os que discutiu com o secretário da Defesa norte-americano Ashton Carter, durante a sua visita a Washington, em 19 de maio.

Siemoniak, citado pela Agência Lusa, sublinhou ainda que o seu país tem “trabalhado a favor de uma presença militar norte-americana maximizada na Polônia e em todo flanco Leste da Otan”, e que “os Estados Unidos estão preparando um pacote com diversas medidas. Entre elas, a colocação de armamento pesado na Polônia e em outros países”, acrescentou.

Também no domingo, o responsável lituano da Defesa atestou a prontidão de Vilnius para acolher parte do contingente dos EUA. De tal modo que os pressupostos infra estruturais para a colocação de tropas e equipamento norte-americano estão quase cumpridos, disse Juozas Olekas à Reuters.

Decisão próxima

Nas declarações à estatal de notícias, o governante polaco Tomasz Siemoniak realçou, igualmente, que Washington lhe garantiu que “uma decisão será tomada em breve”. Com efeito, de acordo com o NYT, que cita fontes norte-americanas e “aliadas” sob reserva de anonimato, a proposta terá ainda de ser aprovada pelo Departamento de Defesa e pela Casa Branca, mas tal deverá suceder nos próximos dias, considerando a intenção de levá-la à reunião da Aliança Atlântica agendada para o final deste mês.

Apesar de vários países aliados dos EUA temerem a reação da Rússia, segundo frisa o jornal nova-iorquino, os EUA pretendem concretizar, tão brevemente quanto possível, o compromisso de “reforçar a defesa coletiva na Europa”, decorrente da cimeira que o bloco político-militar imperialista realizou em setembro do ano passado no País de Gales.

Esta será a primeira vez que os EUA enviam armas pesadas e militares para as fronteiras da Rússia desde o fim da chamada Guerra Fria e logo com um dispositivo semelhante ao imposto no Kuwait antes do início da primeira Guerra do Golfo, em 1990.

Washington nunca escondeu tal objetivo, sobretudo desde 2004, quando a Estônia, a Lituânia e a Letônia foram absorvidas pela Otan, mas um tratado com a Federação Russa estipulando que a organização atlântica não estacionaria contingentes militares significativos e em permanência nos novos países membros era um obstáculo.

A guerra na Ucrânia, desencadeada após a tomada do poder em Kiev por uma Junta Fascista, e as acusações de envolvimento da Rússia no apoio às forças antigolpistas em Donbass, atiçadas por Washington, criam um contexto alegadamente favorável para o projetado avanço militar.

Movimento insano

A crise ucraniana tem sido pretexto para diversas movimentações e operações agressivas do imperialismo, destacando-se a multiplicação de exercícios e jogos de guerra em clara afronta e ameaça a Moscou. Serve de exemplo o simulacro que por estes dias decorreu no Mar Báltico envolvendo cerca de 5.600 militares de 17 países da Otan ou seus associados.

Num cálculo aproximado, só em 2014, a Aliança Atlântica incrementou em 80 por cento as manobras militares na Europa Oriental, detalhou, no passado mês de abril, o general Andrey Kartapolov.

Mais recentemente, em entrevista ao diário italiano Corriere della Sera, o presidente Vladimir Putin reiterou que o Kremlin não só não é um agressor como não tem qualquer intenção de reforçar os seus mecanismos e presença defensivos fora das respectivas fronteiras. “Só uma pessoa insana pode imaginar que a Rússia atacaria a Otan. Penso que alguns países estão simplesmente manipulando sentimentos de medo das pessoas face à Rússia”, concluiu Putin.


http://www.vermelho.org.br/noticia/266010-9

sexta-feira, 19 de junho de 2015

A crise da Petrobras à luz da geopolítica

Nos últimos meses, os recordes sucessivos de produção de petróleo e gás natural obtidos pela Petrobras e a divulgação de que a empresa se tornou em 2014 a maior produtora de óleo entre as corporações de capital aberto do setor (superando a inglesa ExxonMobil) foram ofuscados pela tempestade de más notícias. Alto endividamento, críticas de má gestão e, principalmente, as graves denúncias de corrupção investigadas pela Operação Lava Jato da Polícia Federal jogaram em profunda crise a maior empresa brasileira.

É fato que o balanço divulgado em 22 de abril registrou prejuízo de R$ 21,587 bilhões no ano passado. Porém, também é fato o impressionante volume de investimentos, de R$ 680 bilhões, feitos pela empresa de 2006, ano da descoberta do petróleo na camada Pré-sal, até 2014. Com tudo o que se diz sobre a Petrobras, ela mantém a capacidade de financiar seus investimentos com a geração operacional de caixa e de captar no mercado internacional e doméstico.
Ainda assim, o cenário de crise alimenta argumentos dos que estão sempre de prontidão para defender a privatização da empresa. E também daqueles que pregam o fim do modelo de partilha, em vigor desde 2010 para a exploração do Pré-sal, o qual garante uma parte muito mais expressiva das riquezas do petróleo para a União.
A mudança desse regime, que faz da Petrobras operadora única de todos os blocos e com participação mínima de 30% nas atividades de exploração e produção do Pré-sal, abriria espaço à entrada de novos competidores estrangeiros. Ao lado do fim da regra do conteúdo local, que estimula a indústria nacional, essa alteração é defendida por projetos de políticos do PSDB, DEM e PMDB, apresentados na Câmara e no Senado. Um deles é Projeto de Lei 131, do senador José Serra (PSDB-SP), que foi apresentado em março deste ano e já obteve parecer favorável na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
Não é exagero dizer que, como já afirmou a presidente Dilma Rousseff, a Petrobras sofre “ataques especulativos” vindos de todas as direções e que há muito interesse em jogo quando se propõe para o Pré-sal o modelo de concessão. Este é o regime em vigor hoje para as atividades na camada do Pós-sal, que envolvem maior risco exploratório, e pelo qual o petróleo se torna propriedade exclusiva da empresa concessionária, após os pagamentos feitos à União.
Vale a pena tentar entender o que está por trás dessas tentativas de mudar a natureza da Petrobras e dos seus contratos, à luz da geopolítica do petróleo.
Disputa global
Boa parte da dinâmica política global se constrói a partir de disputas por recursos naturais e fontes de energia. Hoje, apesar da crescente participação das energias renováveis, os combustíveis fósseis – petróleo, carvão mineral e gás natural – ainda representam 81% da matriz energética mundial (dados de 2011 da Agência Internacional de Energia – AIE). Continuam, portanto, no centro das disputas geopolíticas internacionais.
Assim, não se pode deixar de olhar para essa crise da Petrobras – a real e a tratada com lente de aumento por quem tem interesse de ver a empresa perder poder – sem considerar os grandes acontecimentos no campo do setor de óleo e gás no Brasil nos últimos anos e o crescimento da importância econômica do País, agora um “emergente”, na América do Sul e no mundo.
A descoberta do Pré-sal levou o País a se tornar um dos grandes produtores mundiais. Há estimativas de que os reservatórios passem de 60 bilhões de barris. E a produtividade segue em ritmo excelente: segundo a Petrobras, desde 2010, a média anual de produção diária do Pré-sal cresceu mais de 12 vezes, batendo em 11 de maio o recorde de 800 mil barris por dia de petróleo equivalente (petróleo e gás natural).
Como afirmou à Reuters o executivo-chefe da Shell, Ben van Beurden, “temos de olhar para o Brasil pelo potencial que existe. No momento, essa é talvez a área do mundo mais excitante para a indústria (de óleo e gás)”.
Aos olhos do mundo, não só o Brasil se revelou rico em petróleo, como passou a ser uma potência econômica regional que substituiu um alinhamento submisso por uma atuação mais soberana. Desde 2003, a política externa mudou, houve uma aposta estratégica nas relações de integração regional e na cooperação Sul-Sul.
Segundo estudo publicado pelo Centro de Altos Estudos “A projeção do Brasil na América do Sul e na África Subsaariana e o controle da Bacia do Atlântico Sul” (cap. 1 de “Dimensões estratégicas do desenvolvimento brasileiro – Brasil, América Latina e África: convergências geopolíticas e estratégias de integração (vol.3)”;), o Brasil atualmente é o ator regional mais importante no tabuleiro geopolítico da América do Sul, com presença expressiva também na América Central e no Caribe.
“Do ponto de vista econômico, a diferença entre o Brasil e o resto do continente aumentou geometricamente nos últimos anos: em 2001, o produto interno bruto (PIB) brasileiro girava em torno de US$ 550.000 milhões, a preços constantes, e era inferior à soma do produto dos demais países sul-americanos, que girava em torno de US$ 640 milhões na mesma época. Dez anos depois, essa relação mudou radicalmente: o PIB brasileiro cresceu e alcançou a cifra aproximada de US$ 2.500 bilhões, em 2011, enquanto o valor do produto bruto do resto da América do Sul era de cerca de US$ 1.600 bilhão, menos de 50% do PIB brasileiro”, escrevem os autores José Luis Fiori (coordenador), Raphael Padula e Maria Claudia Vater.
De acordo com eles, o foco da política externa brasileira se deslocou na última década para a América do Sul, mas as suas diretrizes estratégicas para o século 21 envolvem presença também no Atlântico Sul, na costa ocidental da África e na Antártida.
Esse é o entorno sobre o qual o Brasil se propõe a irradiar sua liderança, e boa parte dessa decisão se deve à descoberta das reservas de petróleo do Pré-sal dentro da plataforma marítima do Brasil e no Golfo da Guiné, na costa angolana.
Mar de oportunidades
O Atlântico Sul mostrou ter importantes recursos biológicos, minerais e energéticos tanto na costa brasileira – 95% das reservas totais de petróleo do Brasil e 85% de suas reservas de gás natural estão no mar, segundo a Agência Nacional do Petróleo, a ANP – como na africana, ou mesmo na sua zona de jurisdição internacional. Também é no Atlântico Sul que se dá 90% do comércio internacional do País, lembram os autores.
Porém, o mesmo trecho marítimo é controlado pelo poder naval britânico e norte-americano. Os EUA realizam exercícios periódicos no Atlântico Sul, e logo após as descobertas do Pré-sal reativaram a IV Frota Naval, famosa por perseguir submarinos nazistas durante a Segunda Guerra. A notícia desagradou aos governos latino-americanos, embora oficialmente o propósito seja o de dedicar-se a operações de paz e missões humanitárias.
Nesse cenário, a Petrobras representa um papel de destaque. Na América do Sul, a empresa só não atua na Guiana e no Suriname. À África, ela leva sua tecnologia de prospecção e exploração em águas profundas, considerada a mais eficiente do mundo, para buscar oportunidades na costa ocidental. Está presente em Angola, Benin, Gabão, Líbia, Namíbia e Tanzânia, e tem na Nigéria, maior fornecedora do petróleo importado pelo Brasil, onde explora poços em conjunto com a estadunidense Chevron e a francesa Total, a sua principal parceira.
“Hoje já se pode falar de uma nova corrida imperialista, cujo espaço preferencial será a África”, concluem os autores do estudo.
Nessa corrida, Brasil e Petrobras têm trunfos que podem preocupar outras nações e empresas petrolíferas, como a tecnologia de águas profundas e o esforço diplomático de estreitamento de relações com os países africanos, feito pelo governo brasileiro, com bons resultados.
Além disso, o Pré-sal brasileiro, que como o da África tem óleo leve e de alta qualidade, sob o modelo de partilha confere poderes à Petrobras e maiores ganhos ao Brasil. Ainda que sem deixar de ser excelente negócio para as concessionárias, o que ficou comprovado pelo anúncio da Shell da compra da inglesa BG por US$ 70 bilhões, principalmente por causa das atividades que esta desenvolve no Pré-sal brasileiro.
Oportunidades de negócios à parte, ter controle da produção e oferta do petróleo – ou autossuficiência energética – significa independência política e poder no sistema internacional: “(…) a energia é fator fundamental para as possibilidades de desenvolvimento socioeconômico”, afirma o estudo.
Esse é um prisma novo e esclarecedor pelo qual se pode ver a crise vivida pela Petrobras, as tentativas de enfraquecê-la e os ataques ao seu modelo de partilha.
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/06/a-crise-da-petrobras-a-luz-da-geopolitica.html