Princípios Básicos do Comunismo [N36]
Friedrich Engels
Novembro de 1847
Primeira Edição: Escrito em fins de Outubro e Novembro de
1847. Publicado pela primeira vez em edição separada em 1914. Publicado segundo
o manuscrito.
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos,
Editorial
"Avante!"Tradução: José BARATA-MOURA ( Traduzido do
alemão.)
Transcrição: José Braz e Maria de Jesus
Coutinho.
HTML: Fernando A. S.
Araújo, janeiro 2006.
Direitos de Reprodução: © Direitos de
tradução em língua portuguesa reservados por
Editorial "Avante!" –
Edições Progresso Lisboa – Moscovo, 1982.
1.ª Pergunta: Que é o comunismo?
Resposta: O comunismo é a doutrina das condições de libertação do
proletariado.
2.ª P[ergunta]: Que é o proletariado?
R[esposta]: O proletariado é aquela classe da sociedade que tira o seu
sustento única e somente da venda do seu trabalho e não do lucro de qualquer
capital; [aquela classe] cujo bem e cujo sofrimento, cuja vida e cuja morte,
cuja total existência dependem da procura do trabalho e, portanto, da
alternância dos bons e dos maus tempos para o negócio, das flutuações de uma
concorrência desenfreada. Numa palavra, o proletariado ou a classe dos
proletários é a classe trabalhadora do século XIX.
3.ª P[ergunta]: Portanto, nem sempre houve proletários?
R[esposta]: Não. Classes pobres e trabalhadoras sempre houve; e as classes
trabalhadoras eram, na maioria dos casos, pobres. Mas nem sempre houve estes
pobres, estes operários vivendo nas condições que acabamos de assinalar,
portanto, [nem sempre houve] proletários, do mesmo modo que a concorrência nem
sempre foi livre e desenfreada.
4.ª P[ergunta]: Como é que apareceu o proletariado?
R[esposta]: O proletariado apareceu com a revolução industrial, que se
processou em Inglaterra na segunda metade do século passado e que, desde então,
se repetiu em todos os países civilizados do mundo. Esta revolução industrial
foi ocasionada pela invenção da máquina a vapor, das várias máquinas de fiar, do
tear mecânico e de toda uma série de outros aparelhos mecânicos. Estas máquinas,
que eram muito caras e, portanto, só podiam ser adquiridas pelos grandes
capitalistas, transformaram todo o modo de produção anterior e suplantaram os
antigos operários, na medida em que as máquinas forneciam mercadorias mais
baratas e melhores do que as que os operários podiam produzir com as suas rodas
de fiar e teares imperfeitos. Estas máquinas colocaram, assim, a indústria
totalmente nas mãos dos grandes capitalistas e tornaram a escassa propriedade
dos operários (ferramentas, teares, etc.) completamente sem valor, de tal modo
que, em breve, os capitalistas tomaram tudo nas suas mãos e os operários ficaram
sem nada. Assim se instaurou na confecção de tecidos o sistema fabril. Uma vez
dado o impulso para a introdução da maquinaria e do sistema fabril, este sistema
foi também muito rapidamente aplicado a todos os restantes ramos da indústria,
nomeadamente, à estampagem de tecido e à impressão de livros, à olaria, à
indústria metalúrgica. O trabalho foi cada vez mais dividido entre cada um dos
operários, de tal modo que o operário que anteriormente fizera toda uma peça de
trabalho agora passou a fazer apenas uma parte dessa peça. Esta divisão do
trabalho tornou possível que os produtos fossem fornecidos mais depressa e,
portanto, mais baratos. Ela reduziu a actividade de cada operário a um gesto
mecânico muito simples, repetido mecanicamente a cada instante, o qual podia ser
feito por uma máquina não apenas tão bem, mas ainda muito melhor. Deste modo,
todos estes ramos da indústria caíram, um após outro, sob o domínio da força do
vapor, da maquinaria e do sistema fabril, da mesma maneira que a fiação e a
tecelagem.
Mas por este facto elas caíram, ao mesmo tempo, completamente nas mãos dos
grandes capitalistas e aos operários foi assim retirado também o último resto de
independência. Pouco a pouco, para além da própria manufactura, também o
artesanato caiu cada vez mais sob o domínio do sistema fabril, uma vez que, aqui
também, os grandes capitalistas suplantaram os pequenos mestres por meio da
montagem de grandes oficinas, com as quais muitos custos eram poupados e o
trabalho podia igualmente ser dividido. Chegámos assim a que, nos países
civilizados, quase todos os ramos de trabalho são explorados segundo o modelo
fabril e, em quase todos os ramos de trabalho, o artesanato e a manufactura
foram suplantados pela grande indústria.
Por isso, a antiga classe média, em especial os pequenos mestres artesãos,
fica cada vez mais arruinada, a anterior situação dos operários fica
completamente transformada e constituem-se duas novas classes, que a pouco e
pouco absorvem todas as restantes, a saber:
- A classe dos grandes capitalistas que, em todos os países civilizados, estão
quase exclusivamente na posse de todos os meios de existência e das
matérias-primas e dos instrumentos (máquinas, fábricas) necessários para a
produção dos meios de existência; Esta é a classe dos burgueses, ou a burguesia.
- A classe dos que nada possuem, os quais, em virtude disso, estão obrigados a
vender o seu trabalho aos burgueses a fim de obter em troca os meios de
existência necessários ao seu sustento. Esta classe chama-se a classe dos
proletários, ou o proletariado.
5.ª P[ergunta]: Em que condições tem lugar esta venda do trabalho dos
proletários aos burgueses?
R[esposta]: O trabalho é uma mercadoria como qualquer outra, e daí que o seu
preço seja determinado precisamente pelas mesmas leis que o de qualquer outra
mercadoria. O preço de uma mercadoria, sob o domínio da grande indústria ou da
livre concorrência – o que, como veremos, vem a dar ao mesmo -, é, porém, em
média, sempre igual aos custos de produção dessa mercadoria. O preço do trabalho
é, portanto, também igual aos custos de produção do trabalho. Os custos de
produção do trabalho consistem, porém, precisamente, em tantos meios de
existência quantos os [que são] necessários para manter os operários em
condições de continuar a trabalhar e para não deixar extinguir-se a classe
operária. O operário não obterá, portanto, pelo seu trabalho mais do que aquilo
que é necessário para esse fim; o preço do trabalho, ou o salário, será,
portanto, o mais baixo possível, o mínimo que é necessário para o sustento. Pelo
facto de que, porém, os tempos ora são piores, ora são melhores, para o negócio,
o operário ora receberá mais, ora receberá menos, tal como o fabricante receberá
ora mais, ora menos, pela sua mercadoria. Do mesmo modo, porém, que o
fabricante, na média dos tempos bons e dos [tempos] maus para o negócio, não
obtém pela sua mercadoria nem mais nem menos do que os seus custos de produção,
também o operário, em média, não receberá nem mais nem menos do que aquele mesmo
mínimo. Esta lei económica do salário realizar-se-á tanto mais rigorosamente
quanto mais a grande indústria se for apoderando de todos os ramos do
trabalho.
6.ª P[ergunta]: Que classes de trabalhadores houve antes da revolução
industrial?
R[esposta]: Consoante as diversas etapas de desenvolvimento da sociedade,
assim as classes trabalhadoras viveram em condições diversas e tiveram posições
diversas relativamente às classes proprietárias e dominantes. Na Antiguidade, os
trabalhadores eram escravos dos proprietários, como ainda o são em muitos países
atrasados e, inclusiva mente, na parte sul dos Estados Unidos. Na Idade Média
eram servos dos nobres proprietários de terras, como ainda o são na Hungria, na
Polónia e na Rússia. Na Idade Média, e até à revolução industrial, houve ainda,
além disso, nas cidades, oficiais artesãos que trabalhavam ao serviço de mestres
pequeno-burgueses e, a pouco e pouco, com o desenvolvimento da manufactura,
apareceram os operários das manufacturas que eram já empregados por grandes
capitalistas.
7.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do escravo?
R[esposta]: O escravo está vendido de uma vez para sempre; o proletário tem
de se vender a si próprio diariamente e hora a hora. O indivíduo escravo,
propriedade de um senhor, tem uma existência assegurada, por muito miserável que
seja, em virtude do interesse do senhor; o indivíduo proletário – propriedade,
por assim dizer, de toda a classe burguesa -, a quem o trabalho só é comprado
quando alguém dele precisa, não tem a existência assegurada. Esta existência
está apenas assegurada a toda a classe dos proletários. O escravo está fora da
concorrência, o proletário está dentro dela e sente todas as suas flutuações. O
escravo vale como uma coisa, não como um membro da sociedade civil; o proletário
é reconhecido como pessoa, como membro da sociedade civil. O escravo pode,
portanto, levar uma existência melhor do que a do proletário, mas o proletário
pertence a uma etapa superior do desenvolvimento da sociedade e está ele próprio
numa etapa superior à do escravo. O escravo liberta-se ao abolir, de entre todas
as relações de propriedade privada, apenas a relação de escravatura e ao
tornar-se, assim, ele próprio proletário; o proletário só pode libertar-se ao
abolir a propriedade privada em geral.
8.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do servo?
R[esposta]: O servo tem a posse e o usufruto de um instrumento de produção,
de uma porção de terra, contra a entrega de uma parte do produto, ou contra a
prestação de trabalho. O proletário trabalha com instrumentos de produção de
outrem por conta desse outrem, contra o recebimento de uma parte do produto. O
servo entrega, o proletário recebe. O servo tem uma existência assegurada, o
proletário não a tem. O servo está fora da concorrência, o proletário está
dentro dela. O servo liberta-se fugindo para as cidades e tornando-se aí
artesão, ou dando ao seu amo dinheiro, em vez de trabalho e produtos, e
tornando-se rendeiro livre, ou expulsando o senhor feudal e tornando-se ele
próprio proprietário: em suma, entrando, de uma ou de outra maneira, na classe
proprietária e na concorrência. O proletário liberta-se abolindo a concorrência,
a propriedade privada e todas as diferenças de classes.
9.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do artesão?
R[esposta]:
(1)
10.ª P[ergunta]: Como se diferencia o proletário do operário
manufactureiro?
R[esposta]: O operário manufactureiro dos séculos XVI a XVIII ainda tinha
quase sempre na sua posse um instrumento de produção: o seu tear, as rodas de
fiar para a família, um pequeno terreno que cultivava nas horas vagas. O
proletário não tem nada disso. O operário manufactureiro vive quase sempre no
campo e em relações mais ou menos patriarcais com o seu amo ou patrão; o
proletário vive, na maioria dos casos, em grandes cidades e está numa pura
relação de dinheiro com o seu patrão. O operário manufactureiro é arrancado das
suas relações patriarcais pela grande indústria, perde a propriedade que ainda
possuía e só então se torna ele próprio proletário.
11.ª P[ergunta]: Quais foram as consequências imediatas da revolução
industrial e da divisão da sociedade em burgueses e proletários?
R[esposta]:
Em primeiro lugar, em todos os países do mundo, o velho
sistema da manufactura ou da indústria assente na trabalho manual foi
completamente destruído pelo facto de os preços dos artigos industriais se
tornarem cada vez mais baratos em consequência do trabalho das máquinas. Todos
os países semibárbaros, os quais, até então, tinham permanecido mais ou menos
alheios ao desenvolvimento histórico, e cuja indústria, até então, assentara na
manufactura, foram, desta forma, violentamente arrancados ao seu isolamento.
Compraram as mercadorias mais baratas dos Ingleses e deixaram arruinar os seus
próprios operários manufactureiros. Assim, países que há milénios não faziam
qualquer progresso, como por exemplo a Índia, foram revolucionados de uma ponta
a outra, e a própria China caminha agora para uma revolução. As coisas chegaram
a tal ponto que uma nova máquina hoje inventada na Inglaterra deixa sem pão, no
espaço de um ano, milhões de operários na China. Deste modo, a grande indústria
colocou em relação uns com os outros todos os povos da Terra, juntou todos os
pequenos mercados locais no mercado mundial, preparou, por toda a parte, o
terreno para a civilização e o progresso, de modo que tudo aquilo que acontece
nos países civilizados tem de repercutir-se em todos os outros países. De tal
modo, que se agora em Inglaterra ou em França, os operários se libertarem, isso
terá de arrastar consigo revoluções em todos os países, as quais, mais tarde ou
mais cedo, conduzirão igualmente à libertação dos operários locais.
Em segundo lugar, em toda a parte em que a grande indústria substituiu
a manufactura, a burguesia desenvolveu, no mais alto grau, a sua riqueza e o seu
poder, e tornou-se a primeira classe do país. A consequência disto foi que, em
toda a parte onde isso aconteceu, a burguesia tomou nas suas mãos o poder
político e desalojou as classes até então dominantes: a aristocracia, os
burgueses das corporações e a monarquia absoluta que os representava a ambos. A
burguesia aniquilou o poder da aristocracia, da nobreza, ao abolir os morgadios
ou a inalienabilidade da propriedade fundiária e todos os privilégios da
nobreza. Destruiu o poder dos burgueses das corporações, ao abolir as
corporações e os privilégios dos artesãos. A ambos substituiu pela livre
concorrência, isto é, o estado da sociedade em que cada um tem o direito de
explorar qualquer ramo da indústria e em que nada o pode impedir da exploração
do mesmo a não ser a falta do capital para tanto necessário. A introdução da
livre concorrência e, portanto, a declaração pública de que, daí em diante, os
membros da sociedade são apenas desiguais na medida em que os seus capitais são
desiguais, de que o capital se tornou o poder decisivo e [de que], com isso, os
capitalistas, os burgueses [se tornaram] a primeira classe da sociedade. A livre
concorrência é, porém, necessária para o começo da grande indústria, porque é o
único estado da sociedade em que a grande indústria pode crescer. A burguesia,
depois de ter aniquilado por esta forma o poder social da nobreza e dos
burgueses das corporações, aniquilou-lhes também o poder político. Assim como na
sociedade se elevou a primeira classe, proclamou-se também como primeira classe
politicamente. Fê-lo com a introdução do sistema representativo, que assenta na
igualdade burguesa perante a lei, no reconhecimento legal da livre concorrência,
e que nos países europeus foi instaurado sob a forma da monarquia
constitucional. Nestas monarquias constitucionais são apenas eleitores aqueles
que possuem um certo capital, ou seja, apenas os burgueses elegem os deputados,
e estes deputados burgueses, por meio do direito de recusar impostos, elegem um
governo burguês.
Em terceiro lugar, ela [a revolução industrial] desenvolveu por toda a
parte o proletariado na mesma medida em que desenvolveu a burguesia. Na
proporção em que os burgueses se tornavam mais ricos, tornavam-se os proletários
mais numerosos. Uma vez que os proletários somente por meio do capital podem ter
emprego e o capital só se multiplica quando emprega trabalho, a multiplicação do
proletariado avança precisamente ao mesmo passo que a multiplicação do capital.
Ao mesmo tempo, concentra tanto os burgueses como os proletários em grandes
cidades, nas quais se torna mais vantajoso explorar a indústria, e com esta
concentração de grandes massas num mesmo lugar dá ao proletariado a consciência
da sua força. Além disso, quanto mais [a revolução industrial] se desenvolve,
quanto mais se inventam novas máquinas que suplantam o trabalho manual, tanto
mais, como já dissemos, a grande indústria reduz os salários ao seu mínimo e
torna, por esse facto, a situação do proletariado cada vez mais insuportável.
Deste modo, ela prepara, por um lado, com o descontentamento crescente e, por
outro lado, com o poder crescente do proletariado, uma revolução da sociedade
pelo proletariado.
12.ª P[ergunta]: Que outras consequências teve a revolução industrial?
R[esposta]: A grande indústria criou, com a máquina a vapor e as outras
máquinas, os meios para multiplicar até ao infinito a produção industrial num
tempo curto e com poucos custos. Sendo a produção tão fácil, a livre
concorrência necessariamente decorrente desta grande indústria muito depressa
assumiu um carácter extremamente intenso; um grande número de capitalistas
lançou-se na indústria e, a breve trecho, produzia-se mais do que podia ser
consumido. A consequência disso foi que as mercadorias fabricadas não podiam ser
vendidas e sobreveio uma chamada crise comercial. As fábricas tiveram de ficar
paradas, os fabricantes caíram na bancarrota e os operários ficaram sem pão. Por
toda a parte sobreveio a maior miséria. Depois de algum tempo foram-se vendendo
os produtos em excesso, as fábricas voltaram a trabalhar, o salário subiu e,
pouco a pouco, os negócios passaram a ir melhor do que nunca. Mas não por muito
tempo, já que de novo voltaram a produzir-se mercadorias em excesso e sobreveio
uma nova crise, que seguiu precisamente o mesmo curso que a anterior. Assim,
desde o começo deste século, a situação da indústria tem oscilado continuamente
entre épocas de prosperidade e épocas de crise, e quase regularmente, de cinco
em cinco anos, ou de sete em sete anos, sobreveio uma destas crises, de todas as
vezes conjugada com a maior miséria dos operários, com uma agitação
revolucionária geral e com o maior perigo para toda a ordem vigente.
13ª P[ergunta]: o que é que resulta destas crises comerciais que se repetem
regularmente?
R[esposta]:
Em primeiro lugar, que a grande indústria, apesar de na
sua primeira época de desenvolvimento ter ela própria dado origem à livre
concorrência, está agora, contudo, a abandonar a livre concorrência; que a
concorrência e, em geral, a exploração da produção industrial por singulares se
tomou para ela um grilhão que tem de quebrar e quebrará; que a grande indústria,
enquanto for empreendida na base actual, somente se pode manter por meio de uma
perturbação geral repetida de sete em sete anos, a qual ameaça, de cada vez,
toda a civilização, e não só faz cair os proletários na miséria como também
arruína um grande número de burgueses; que, portanto, ou a própria grande
indústria tem de ser completamente abandonada – o que é uma absoluta
impossibilidade -, ou então ela torna absolutamente necessária uma organização
totalmente nova da sociedade, na qual já não são os fabricantes individuais, em
concorrência entre si, mas toda a sociedade, de acordo com um plano estabelecido
e segundo as necessidades de todos, quem dirige a produção industrial.
Em segundo lugar, que a grande indústria e a expansão da produção até
ao infinito por ela tornada possível, tornam possível um estado da sociedade em
que é produzido tanto de tudo o que é necessário à vida que cada membro da
sociedade ficará por esse facto em condições de desenvolver e de pôr em prática
todas as suas forças e aptidões em completa liberdade. De tal modo que
precisamente aquela qualidade da grande indústria que dá origem, na sociedade de
hoje, a toda a miséria e a todas as crises comerciais, é a mesma que, numa outra
organização social, acabará com essa miséria e com essas oscilações que causam
tanta infelicidade.
De tal modo que fica provado da maneira mais clara:
- que de agora em diante todos estes males são de imputar à ordem social que
já não se adequa às condições existentes, e
- que já existem os meios para eliminar completamente estes males por meio de
uma nova ordem social.
14.ª P[ergunta]: De que tipo terá de ser esta nova ordem social?
R[esposta]: Antes do mais, ela tirará a exploração da indústria e de todos os
ramos da produção em geral das mãos de cada um dos indivíduos singulares em
concorrência uns com os outros e, em vez disso, terá de fazer explorar todos
esses ramos da produção por toda a sociedade, isto é, por conta da comunidade,
segundo um plano da comunidade e com a participação de todos os membros da
sociedade. Abolirá, portanto, a concorrência e estabelecerá, em lugar dela, a
associação. Uma vez que a exploração da indústria por singulares tinha como
consequência necessária a propriedade privada, e que a concorrência não é mais
do que o modo da exploração da indústria pelos proprietários privados
individuais, a propriedade privada não pode ser separada da exploração
individual da indústria nem da concorrência. A propriedade privada terá,
portanto, igualmente de ser abolida e, em seu lugar, estabelecer-se-á a
utilização comum de todos os instrumentos de produção e a repartição de todos os
produtos segundo acordo comum, ou a chamada comunidade dos bens. A abolição da
propriedade privada é mesmo a expressão mais breve e mais característica desta
transformação de toda a ordem social necessariamente resultante do
desenvolvimento da indústria, e por isso é com razão avançada pelos comunistas
como reivindicação principal.
15.ª P[ergunta]: Então a abolição da propriedade privada não era possível
anteriormente?
R[esposta]: Não. Todas as transformações da ordem social, todas as revoluções
nas relações de propriedade, têm sido consequência necessária da criação de
novas forças produtivas que já não se iam adequar às antigas relações de
propriedade. Foi assim que a própria propriedade privada surgiu. Porque a
propriedade privada nem sempre existiu; quando, nos finais da Idade Média, foi
criado na manufactura um novo tipo de produção que não se deixava subordinar à
propriedade feudal e corporativa da altura, é que esta manufactura, que já não
cabia dentro das antigas relações de propriedade, deu, então, origem a uma nova
forma de propriedade. Para a manufactura e para a primeira etapa do
desenvolvimento da grande indústria não era possível, porém, qualquer outra
forma de propriedade a não ser a propriedade privada. Enquanto não puder ser
produzido tanto que seja não só suficiente para todos, mas que também fique um
excedente de produtos para aumento do capital social e para a formação de mais
forças produtivas, terá sempre de haver uma classe dominante, dispondo das
forças produtivas da sociedade, e uma classe pobre e oprimida. A maneira como
estas classes serão constituídas dependerá da etapa de desenvolvimento da
produção. A Idade Média, dependente do cultivo da terra, dá-nos o barão e o
servo; as cidades da baixa Idade Média mostram-nos o mestre da corporação, o
oficial e o jornaleiro; o século XVII tem o proprietário da manufactura e o
operário manufactureiro; o século XIX – o grande fabricante e o proletário. É
claro que até aqui as forças produtivas não estavam ainda tão desenvolvidas ao
ponto de se poder produzir o suficiente para todos e de a propriedade privada se
ter tornado para essas forças produtivas um grilhão e um entrave. Hoje, porém,
quando, pelo desenvolvimento da grande indústria se criaram,
em primeiro
lugar, capitais e forças produtivas numa quantidade nunca antes conhecida e
existem meios para, num curto lapso de tempo, multiplicar essas forças
produtivas até ao infinito; quando,
em segundo lugar, essas forças
produtivas estão concentradas nas mãos de poucos burgueses, enquanto a grande
massa do povo se converte cada vez mais em proletários, enquanto a sua situação
se torna mais miserável e insuportável, na mesma proporção em que se multiplicam
as riquezas dos burgueses; quando,
em terceiro lugar, estas forças
produtivas poderosas e que se multiplicam facilmente ultrapassaram de tal
maneira a propriedade privada e os burgueses que provocam a cada momento as mais
violentas perturbações na ordem social – agora a abolição da propriedade privada
não se tornou apenas possível, tornou-se inteiramente necessária.
16.ª P[ergunta]: Será possível a abolição da propriedade privada por via
pacífica?
R[esposta]: Seria de desejar que isso pudesse acontecer, e os comunistas
seriam certamente os últimos que contra tal se insurgiriam. Os comunistas sabem
muitíssimo bem que todas as conspirações são não apenas inúteis, como mesmo
prejudiciais. Eles sabem muitíssimo bem que as revoluções não são feitas
propositada nem arbitrariamente, mas que, em qualquer tempo e em qualquer lugar,
elas foram a consequência necessária de circunstâncias inteiramente
independentes da vontade e da direcção deste ou daquele partido e de classes
inteiras. Mas eles também vêem que o desenvolvimento do proletariado em quase
todos os países civilizados é violentamente reprimido e que, deste modo, os
adversários dos comunistas estão a contribuir com toda a força para uma
revolução. Acabando assim o proletariado oprimido por ser empurrado para uma
revolução, nós, os comunistas, defenderemos nos actos, tão bem como agora com as
palavras, a causa dos proletários.
17.ª P[ergunta]: Será possível abolir a propriedade privada de um só
golpe?
R[esposta]: Não, do mesmo modo que não se podem fazer aumentar de um só golpe
as forças produtivas já existentes tanto quanto é necessário para a edificação
da comunidade
(2). Por isso a
revolução do proletariado, que com toda a naturalidade se vai aproximando, só a
pouco e pouco poderá, portanto, transformar a sociedade actual, e somente poderá
abolir a propriedade privada quando estiver criada a massa de meios de produção
necessária para isso.
18ª P[ergunta]: Que curso de desenvolvimento tomará essa
revolução?
R[esposta]: Ela estabelecerá, antes do mais, uma
Constituição democrática
do Estado, e com ela, directa ou indirectamente, o domínio político do
proletariado. Directamente, em Inglaterra, onde os proletários constituem já a
maioria do povo. Indirectamente, em França e na Alemanha, onde a maioria do povo
não consiste apenas em proletários mas também em pequenos camponeses e pequenos
burgueses, os quais começam a estar envolvidas no processo de passagem ao
proletariado, se tornam cada vez mais dependentes deste em todos os seus
interesses políticos e, portanto, têm de se acomodar em breve às reivindicações
do proletariado. Isto custará, talvez, uma segunda luta, a qual, porém, só pode
terminar com a vitória do proletariado.
A democracia seria totalmente inútil para o proletariado se ela não fosse
utilizada imediatamente como meio para a obtenção de outras medidas que ataquem
directamente a propriedade privada e assegurem a existência do proletariado. As
medidas principais, tal como decorrem, já agora, como consequência necessária,
das condições existentes, são as seguintes:
- Restrição da propriedade privada por meio de impostos progressivos, altos
impostos sobre heranças, abolição da herança por parte das linhas colaterais
(irmãos, sobrinhos, etc.), empréstimos forçados, etc.
- Expropriação gradual dos latifundiários, fabricantes, proprietários de
caminhos-de-ferro e armadores de navios, em parte pela concorrência da indústria
estatizada, em parte, directamente, contra indemnização em papéis do Estado.
- Confiscação dos bens de todos os emigrantes (3) e rebeldes contra a maioria do povo.
- Organização do trabalho ou ocupação dos proletários em herdades nacionais,
fábricas e oficinas, pela qual se elimina a concorrência dos operários entre si
e os fabricantes são obrigados, enquanto ainda subsistirem, a pagar o mesmo
salário elevado que o Estado.
- Igual obrigação de trabalho para todos os membros da sociedade até à
completa abolição da propriedade privada Formação de exércitos industriais,
sobretudo, para a agricultura.
- Centralização do sistema de crédito e da banca nas mãos do Estado por meio
de um banco nacional com capital do Estado e repressão de todos os bancos
privados e banqueiros.
- Multiplicação do número de fábricas, oficinas, caminhos-de-ferro e navios
nacionais, cultivo de todas as terras e melhoramento das já cultivadas, na mesma
proporção em que se multiplicarem os capitais e os operários que se encontram à
disposição da nação.
- Educação de todas as crianças, a partir do momento em que podem passar sem
os cuidados maternos, em estabelecimentos nacionais e a expensas do Estado.
Combinar a educação e o trabalho fabril.
- Construção de grandes palácios nas herdades nacionais para habitações
colectivas das comunidades de cidadãos que se dedicam tanto à indústria como à
agricultura, e que reúnam em si tanto as vantagens da vida citadina como as da
rural, sem partilhar da unilateralidade e dos defeitos de ambos os modos de
vida.
- Destruição de todas as habitações e bairros insalubres e mal construídos.
- Igualdade de direito de herança para os filhos ilegítimos e legítimos.
- Concentração de todo o sistema de transportes nas mãos da nação.
Naturalmente, nem todas estas medidas podem ser empreendidas de uma só vez.
Porém, uma arrasta sempre atrás de si a outra. Uma vez realizado o primeiro
ataque radical contra a propriedade privada, o proletariado ver-se-á obrigado a
seguir sempre para diante, a concentrar cada vez mais nas mãos do Estado todo o
capital, toda a agricultura, toda a indústria, todo o transporte, toda a troca.
É para aí que todas estas medidas apontam; e elas tornar-se-ão aplicáveis e
desenvolverão as suas consequências centralizadoras na precisa medida em que as
forças produtivas do país sejam multiplicadas pelo trabalho do proletariado.
Finalmente, quando todo o capital, toda a produção e toda a troca estiverem
concentrados nas mãos da nação, a propriedade privada desaparecerá por si
própria, o dinheiro tornar-se-á supérfluo e a produção aumentará tanto e os
homens transformar-se-ão tanto, que poderão igualmente tombar as últimas formas
de intercâmbio
[N7] da antiga sociedade.
19.ª P[ergunta]: Poderá esta revolução realizar-se apenas num único
país?
R[esposta]: Não. A grande indústria, pelo facto de ter criado o mercado
mundial, levou todos os povos da terra – e, nomeadamente, os civilizados – a uma
tal ligação uns com os outros que cada povo está dependente daquilo que acontece
a outro. Além disso, em todos os países civilizados ela igualou de tal maneira o
desenvolvimento social, que em todos esses países a burguesia e o proletariado
se tornaram as duas classes decisivas da sociedade e a luta entre elas a luta
principal dos nossos dias. A revolução comunista não será, portanto, uma
revolução simplesmente nacional; será uma revolução que se realizará
simultaneamente em todos os países civilizados, isto é, pelo menos em
Inglaterra, na América, em França e na Alemanha
[N14]. Ela desenvolver-se-á em cada um destes países mais rápida
ou mais lentamente, consoante um ou outro país possuir uma indústria mais
avançada, uma maior riqueza, uma massa mais significativa de forças produtivas.
Na Alemanha ela será efectuada, portanto, mais lenta e dificilmente, em
Inglaterra mais rápida e facilmente. Ela terá igualmente uma repercussão
significativa nos restantes países do mundo, transformará totalmente e acelerará
muito o seu actual modo de desenvolvimento. Ela é uma revolução universal e
terá, portanto, também um âmbito universal.
20.ª P[ergunta]: Quais são as consequências da abolição final da propriedade
privada?
R[esposta]: Pelo facto de a sociedade retirar das mãos dos capitalistas
privados o usufruto de todas as forças produtivas e meios de comunicação, assim
como a troca e a repartição dos produtos, e os administrar segundo um plano
resultante dos meios disponíveis e das necessidades de toda a sociedade, serão
eliminadas, antes do mais, todas as consequências nefastas que agora ainda se
encontram ligadas à exploração da grande indústria. As crises desaparecerão; a
produção alargada que, para a ordem actual da sociedade, é uma sobreprodução e
uma causa tão poderosa da miséria, já não será então suficiente e terá de ser
alargada ainda muito mais. Em vez de ocasionar a miséria, a sobreprodução
assegurará, para além das necessidades imediatas da sociedade, a satisfação das
necessidades de todos, e criará novas necessidades e, ao mesmo tempo, os meios
para as satisfazer. Ela será condição e motivo de novos progressos, e realizará
estes progressos sem que, por esse facto, como sempre até aqui, a ordem social
seja perturbada. A grande indústria, liberta da pressão da propriedade privada,
desenvolver-se-á numa tal extensão que, comparado com ela, o seu actual
desenvolvimento parecerá tão pequeno como o da manufactura comparada com a
grande indústria dos nossos dias. Este desenvolvimento da indústria colocará à
disposição da sociedade uma massa suficiente de produtos para com eles
satisfazer as necessidades de todos. Do mesmo modo, a agricultura, que também em
virtude da pressão da propriedade privada e do parcelamento tem sido impedida de
apropriar os aperfeiçoamentos e os desenvolvimentos científicos já realizados,
conhecerá um ascenso totalmente novo e colocará à disposição da sociedade uma
quantidade plenamente suficiente de produtos. Desta maneira, a sociedade
produzirá produtos bastantes para poder organizar de tal modo a repartição que
as necessidades de todos os membros sejam satisfeitas. A separação da sociedade
em diversas classes opostas umas às outras tornar-se-á, assim, supérflua. Ela
não se tornará, porém, apenas supérflua; será mesmo incompatível com a nova
ordem social. A existência de classes proveio da divisão do trabalho, e a
divisão do trabalho, no seu modo actual, desaparecerá totalmente. É que para
trazer a produção industrial e agrícola até ao nível descrito, não bastam apenas
os meios auxiliares mecânicos e químicos; as capacidades dos homens que põem em
movimento esses meios auxiliares têm igualmente de ser desenvolvidas em medida
correspondente. Assim como os camponeses e os operários manufactureiros do
século passado transformaram todo o seu modo de vida e se tornaram eles próprios
homens completamente diferentes quando foram incorporados na grande indústria,
do mesmo modo também a exploração comum da produção por toda a sociedade e o
novo desenvolvimento da produção dela decorrente necessitarão de, e também
criarão, homens completamente diferentes. A exploração comum da produção não
pode ser levada a cabo por homens como os de hoje, que estão subordinados,
acorrentados, a um único ramo da produção, que são por ele explorados, homens
que desenvolveram apenas uma das suas aptidões em detrimento de todas as outras,
que conhecem apenas um ramo ou apenas um ramo de um ramo da produção total. Já a
indústria actual precisa cada vez menos destes homens. A indústria explorada em
comum, e em conformidade com um plano, por toda a sociedade pressupõe
inteiramente homens cujas aptidões estejam integralmente desenvolvidas e que
estejam em condições de abarcar todo o sistema da produção. A divisão do
trabalho, minada já hoje pelas máquinas, que faz de um camponês, do outro
sapateiro, do terceiro operário fabril, do quarto especulador de bolsa,
desaparecerá, portanto, totalmente. A educação permitirá aos jovens passar
rapidamente por todo o sistema de produção; colocá-los-á em condições de passar
sucessivamente de um ramo de produção para outro, conforme o proporcionem as
necessidades da sociedade ou as suas próprias inclinações. Retirar-lhes-á,
portanto, o carácter unilateral que a actual divisão do trabalho impõe a cada um
deles. Deste modo, a sociedade organizada numa base comunista dará aos seus
membros oportunidade de porem em acção, integralmente, as suas aptidões
integralmente desenvolvidas. Com isso, porém, desaparecerão também
necessariamente as diversas classes. De tal maneira que, por um lado, a
sociedade organizada numa base comunista é incompatível com a existência de
classes e, por outro lado, a edificação dessa sociedade fornece ela própria os
meios para suprimir essas diferenças de classes.
Decorre daqui, por conseguinte, que a oposição entre cidade e campo
desaparecerá igualmente. A exploração da agricultura e da indústria pelos mesmos
homens, em vez de por duas classes diferentes, é já, por causas totalmente
materiais, uma condição necessária da associação comunista. A dispersão da
população rural pelo campo, a par da concentração da população industrial nas
grandes cidades, é uma situação que apenas corresponde a um estádio ainda não
desenvolvido da agricultura e da indústria, um impedimento já hoje muito
sensível para todo o desenvolvimento ulterior.
A associação geral de todos os membros da sociedade para a exploração comum e
planificada das forças de produção, a expansão da produção num grau tal que
satisfaça as necessidades de todos, a liquidação da situação em que as
necessidades de uns são satisfeitas à custa dos outros, a aniquilação total das
classes e dos seus antagonismos, o desenvolvimento integral das capacidades de
todos os membros da sociedade por meio da eliminação da divisão do trabalho até
agora vigente, por meio da educação industrial, por meio da troca de
actividades, por meio da participação de todos nos prazeres criados por todos,
por meio da fusão da cidade e do campo – eis os resultados principais da
abolição da propriedade privada.
21.ª P[ergunta]: Que influência exercerá a ordem social comunista sobre a
família?
R[esposta]: Ela fará da relação de ambos os sexos uma pura relação privada,
que diz respeito apenas às pessoas que nela participam e em que a sociedade não
tem de imiscuir-se.
Ela pode fazê-lo, uma vez que aboliu a propriedade privada e educa as
crianças comunitariamente e, por este facto, anula as duas bases fundamentais do
actual matrimónio: a dependência, por intermédio da propriedade privada, da
mulher relativamente ao homem e dos filhos relativamente aos pais. Aqui se
encontra também a resposta à gritaria tão moralista dos filisteus contra a
comunidade comunista das mulheres. A comunidade das mulheres é uma relação que
pertence totalmente à sociedade burguesa e hoje em dia reside inteiramente na
prostituição. A prostituição repousa, porém, sobre a propriedade privada, e cai
com ela. Portanto, a organização comunista, em vez de introduzir a comunidade
das mulheres, muito pelo contrário, suprime-a.
22.ª P[ergunta]: Qual será a atitude da organização comunista face às
nacionalidades existentes?
-
fica [N37]
23.ª P[ergunta]: Qual será a sua atitude face às religiões existentes?
-
fica
24.ª P[ergunta]: Como se diferenciam os comunistas dos socialistas?
R[esposta]: Os chamados socialistas dividem-se em três classes.
A primeira classe consiste nos partidários da sociedade feudal e patriarcal
que foi aniquilada, e que continua ainda a ser diariamente aniquilada, pela
grande indústria, pelo comércio mundial e pela sociedade burguesa por ambos
criada. Esta classe tira dos males da sociedade actual a conclusão de que a
sociedade feudal e patriarcal teria de ser restabelecida, porque estava livre
destes males. Todas as suas propostas se dirigem, por caminhos direitos ou
tortuosos, para este objectivo. Esta classe de socialistas reaccionários, apesar
da sua pretensa compaixão e das suas lágrimas ardentes pela miséria do
proletariado, será, todavia, contínua e energicamente combatida pelos
comunistas, porque:
- se esforça por atingir algo de puramente impossível;
- procura restabelecer o domínio da aristocracia, dos mestres das corporações
e dos proprietários de manufacturas, com o seu cortejo de reis absolutos ou
feudais, de funcionários, de soldados e de padres, uma sociedade que, por certo,
estava livre dos males da sociedade actual, mas que, em contrapartida, trazia
consigo, pelo menos, outros tantos males e não oferecia a perspectiva de
libertação dos operários oprimidos por meio de uma organização comunista;
- ela mostra os seus verdadeiros desígnios quando o proletariado se torna
revolucionário e comunista, aliando-se então imediatamente com a burguesia
contra os proletários.
A segunda classe consiste nos partidários da sociedade actual aos quais os
males dela necessariamente decorrentes provocaram apreensões quanto à
subsistência desta sociedade. Eles procuram, por conseguinte, conservar a
sociedade actual, mas eliminar os males que a ela estão ligados. Com este
objectivo, propõem, uns, simples medidas de beneficência, outros, grandiosos
sistemas de reformas que, sob o pretexto de reorganizarem a sociedade, querem
conservar as bases da sociedade actual e, com elas, a sociedade actual. Estes
socialistas burgueses terão igualmente de ser combatidos constantemente
pelos comunistas, uma vez que eles trabalham para os inimigos dos comunistas e
defendem a sociedade que os comunistas querem precisamente derrubar.
A terceira classe consiste, finalmente, nos socialistas democráticos que,
pela mesma via que os comunistas, querem uma parte das medidas indicadas na
pergunta...
(4); porém, não
como meio de transição para o comunismo, mas como medidas que são suficientes
para abolir a miséria e fazer desaparecer os males da sociedade actual. Estes
socialistas democráticos ou são proletários que ainda não estão
suficientemente esclarecidos acerca das condições da libertação da sua classe;
ou são representantes dos pequenos burgueses, uma classe que, até à conquista da
democracia e das medidas socialistas dela decorrentes, sob muitos aspectos tem
os mesmos interesses que os proletários. Por isso, os comunistas entender-se-ão,
nos momentos de acção, com esses socialistas democráticos e em geral terão de
seguir com eles, de momento, uma política o mais possível comum, desde que esses
socialistas não se ponham ao serviço da burguesia dominante e não ataquem os
comunistas. É claro que este modo de acção comum não exclui a discussão das
divergências com eles.
25.ª P[ergunta]: Qual a atitude dos comunistas face aos restantes partidos
políticos do nosso tempo?
R[esposta]: Esta atitude é diversa nos diversos países.
Na Inglaterra, na França e na Bélgica, onde a burguesia domina, os comunistas
têm, por enquanto, um interesse comum com os diversos partidos democráticos e,
na realidade, um interesse tanto maior quanto mais os democratas se aproximam do
objectivo dos comunistas com as medidas socialistas agora por toda a parte por
eles defendidas, isto é, quanto mais clara e determinantemente eles defendem os
interesses do proletariado e quanto mais se apoiam no proletariado. Na
Inglaterra, por exemplo, os
cartistas
[N38], integrados por operários, estão infinitamente
mais próximos dos comunistas do que os pequenos burgueses democráticos ou os
chamados radicais.
Na
América, onde foi introduzida a constituição democrática, os
comunistas têm de apoiar o partido que quer voltar essa constituição contra a
burguesia e utilizá-la no interesse do proletariado, isto é, os reformadores
agrários nacionais.
Na
Suíça, os radicais, apesar de serem eles próprios ainda um partido
muito heterogéneo, são, todavia, os únicos com os quais os comunistas se podem
entender, e entre estes radicais os mais progressistas são, por sua vez, os
valdenses e os de Genebra.
Na
Alemanha, finalmente, só agora está iminente a luta decisiva entre
a burguesia e a monarquia absoluta. Como, porém, os comunistas não podem contar
com uma luta decisiva entre eles próprios e a burguesia antes de que a burguesia
domine, o interesse dos comunistas é ajudar a levar os burgueses ao poder tão
depressa quanto o possível, para, por sua vez, os derrubar o mais depressa
possível. Os comunistas têm, portanto, de continuamente tomar partido pelos
burgueses liberais face aos governos e apenas de se precaver de partilhar as
auto-ilusões dos burgueses ou de dar crédito às suas afirmações sedutoras sobre
as consequências benéficas da vitória da burguesia para o proletariado. As
únicas vantagens que a vitória da burguesia trará aos comunistas
consistirão:
- em diversas concessões que facilitarão aos comunistas a defesa, discussão e
propagação dos seus princípios e, com isso, a união do proletariado numa classe
estreitamente coesa, preparada para a luta e organizada;
- na certeza de que, no dia em que os governos absolutos caírem, chegará a
hora da luta entre os burgueses e os proletários. Desse dia em diante, a
política partidária dos comunistas será a mesma que naqueles países em que agora
domina já a burguesia.
Notas:
(1)
Para a resposta que falta, Engels deixou em
branco meia página do manuscrito. (
retornar ao texto)
(2)
Comunidade (
Gemeinschaft), entenda-se: a
sociedade comunista. (
Nota da edição portuguesa.) (
retornar
ao texto)
(3)
Latifundiários e capitalistas, em geral,
fugidos para o estrangeiro, sabotando a economia. (
Nota da edição
portuguesa.) (
retornar ao texto)