terça-feira, 8 de março de 2016

A quem interessa a desmoralização do BNDES?

Marcelo Zero
reprodução
Em 1996, a Embraer participou de sua primeira grande concorrência internaci-
onal.
Tratava-se do fornecimento de 150 aeronaves para as empresas americanas de
aviação regional ASA e Comer. A Embraer entrou na concorrência com o seu 
ERJ-145, um jato regional moderno e eficiente. Era o melhor avião e ainda tinha
a grande vantagem de ser o mais barato.

Contudo, a Embraer perdeu. Perdeu para a Bombardier, que oferecia melhores
condições de financiamento para os compradores, pois contava com forte apoio
governamental para a comercialização de suas exportações.

Pouco tempo depois, a gigante American Airlines lançou concorrência de US$ 1
bilhão para a compra de jatos regionais. Era a grande oportunidade que a Embra-
er tinha de pagar o custoso desenvolvimento do ERJ-145 e de se lançar no promis-
sor mercado internacional de aviação regional, que crescia exponencialmente.

Mas a Embraer sabia que não tinha a menor condição de ganhar a concorrência,
mesmo tendo o melhor avião, se não contasse com condições de financiamento 
semelhantes às que dispunham as suas concorrentes.

Resolveu, então, bater na porta do BNDES. A Embraer tinha de oferecer um finan-
ciamento à American Airlines que contemplasse não apenas taxas de juros baixas
e amortização de longo prazo, mas também a garantia da devolução das aeronaves,
caso houvesse algum problema com os equipamentos.

Para o BNDES, era uma aposta de risco considerável. A Embraer era novata nesse
mercado e, caso ocorresse algum problema com as suas aeronaves, o banco ficaria
em maus lençóis. Nenhum banco privado, nacional ou internacional, queria assumir
esse risco.

O BNDES, entretanto, resolveu confiar na Embraer e ofereceu o financiamento com
todas as garantias exigidas pela American Airlines.

Resultado: a Embraer ganhou a concorrência e, com isso, iniciou uma carreira vito-
riosa no mercado internacional de aviação regional e executiva.

Hoje, a Embraer oscila entre a terceira e a quarta maior empresa mundial do setor.
Apenas em 2013, entregou 90 aeronaves comerciais e 119 de aviação executiva, ob-
tendo uma receita líquida de R$ 13, 64 bilhões. É, de longe, a empresa brasileira que
mais exporta produtos de alto valor agregado, gerando altos rendimentos e empregos
muito qualificados no Brasil.

Assim, a Embraer e o Brasil aprenderam a lição. Não se faz exportações volumosas de
bens e serviços, no concorridíssimo mercado internacional, sem apoio financeiro go-
vernamental e bancos públicos de investimento.

A Embraer da qual tanto nos orgulhamos simplesmente não existiria, caso não tives-
se contado com o apoio do BNDES.

Ironicamente, o orgulho justificado que dedicamos à Embraer não se estende ao ban-
co público que financiou o seu sucesso e o de tantas outras empresas brasileiras.

Ao contrário, há, atualmente, uma grande campanha contra esse estratégico banco
blico de investimentos.

Uma campanha bem sórdida, por sinal. A desonestidade intelectual que cerca o deba-
te sobre a atuação desse grande banco público de investimentos é assustadora. A bem
da verdade, ou é desonestidade intelectual assustadora ou é ignorância abissal.

Com efeito, divulgou-se uma série de mentiras deslavadas sobre esse banco.

Disseram, por exemplo, que o BNDES investe muito em obras na Venezuela, Cuba, An-
gola, etc., em detrimento dos investimentos imprescindíveis para o Brasil.

Ora, como bem assinalou o presidente Luciano Coutinho, entre 2007 e 2014, as ope-
rações de apoio à exportação de serviços do BNDES corresponderam a apenas cerca
de 2% do total dos financiamentos que foram oferecidos pelo banco.

Portanto, o BNDES investe ao redor de 98% de seus recursos no Brasil.

Mesmo assim, há gente que, iludida pelas mentiras divulgadas, quer simplesmente
proibir o BNDES de dar apoio financeiro à exportação de serviços. A natureza obvia-
mente beócia da proposta deveria saltar aos olhos até do reino mineral, caso lá hou-
vesse olhos, mas há gente que a leva a sério, mesmo no Congresso Nacional.

Da mesma forma, alegou-se que as taxas usadas pelo BNDES para a exportação de ser-
viços constituíam “subsídios indevidos” às empreiteiras. Argumento muito parecido
ao usado pelo governo canadense, quando nos acionou na OMC quanto às exporta-
ções da Embraer. Ora, o uso das taxas Libor nessas operações foi estabelecido em
1996, pois, para ser competitivo no mercado mundial, é necessário praticar financia-
mentos com base em taxas internacionais.

Insinuaram também que o sigilo envolvido nas operações financeiras de exportação
de serviços destinava-se a ocultar ilícitos e favorecimentos ideológicos a governos
“comunistas” e “bolivarianos”, lançando uma suspeita indigna sobre o BNDES, ban-
co que opera com critérios técnicos rigorosos e no qual a análise da concessão de um
grande empréstimo demora, em média, 450 dias.

Ora, o BNDES não pode divulgar os detalhes dessas operações financeiras não porque
não queira, mas simplesmente porque não pode. Ele é proibido por lei de fazê-lo.

A Lei Complementar nº 105, de 2001, ratificada no segundo governo tucano, protege
o sigilo do tomador de empréstimo, independentemente do banco ser público ou pri-
vado. Não interessa se o empréstimo foi obtido junto ao Itaú, ao Bradesco, ao Banco
do Brasil ou ao BNDES: a proteção jurídica é a mesma.

Há quem argumente, entretanto, que, no caso de banco público, não deveria haver ne-
nhum sigilo. Bom, nesse caso, a lei tucana teria de ser modificada.

O problema maior, porém, não é esse. Leis podem ser modificadas. A dura realidade
do concorrido mercado internacional de bens e serviços não pode.

Imaginemos o cenário idealizado pelos que propugnam pela total transparência des-
sas operações financeiras. Caso a Embraer precisasse do apoio do BNDES para fazer
uma grande exportação de aeronaves, esse banco estaria obrigado a divulgar ao pú-
blico informações sensíveis e estratégicas da empresa, como nível de endividamento,
capacidade de pagamento, nível de exposição ao risco, probabilidade de êxito na con-
corrência, competitividade do bem a ser exportado, estratégia de atuação da empre-
sa no mercado mundial, etc.

Bonito, não? Bonito, e por certo, muito inteligente também. A Bombardier e outras em-
presas concorrentes das empresas brasileiras lá fora concordam inteiramente.

É por isso que nenhum banco que financia exportações no mundo divulga detalhes sen-
síveis dessas operações. Os americanos não o fazem, os alemães e os chineses, tam-
pouco. Ninguém faz. É fácil imaginar a razão. Menos no Brasil.

Na realidade, conforme a Open Society Foundations, principal ONG mundial dedica-
da à transparência, o BNDES já é o banco de investimentos mais transparente do mun-
do. E essa transparência não adveio de pressões recentes. Ela já fazia parte da linha de
atuação do banco há bastante tempo. Conforme o testemunho da Open Society, que
participou de muitas reuniões com o BNDES, o programa de crescente transparência
do banco avançou por iniciativa da própria gestão do BNDES.

Há muito que o BNDES disponibilizava informações sobre essas linhas de crédito que
praticamente nenhum banco semelhante do mundo fornecia. Junto com o Eximbank dos
EUA, o BNDES era o único banco que, há anos, oferecia ao público informações como
relatórios detalhados anuais, portal de transparência com possibilidade requisição de
informações e estatísticas detalhadas online.

O novo portal apenas ampliou a transparência já existente.

Tudo isso deveria ser motivo de orgulho em qualquer país do mundo. Menos no Brasil.

Aqui continuam as acusações parvas contra o banco e as iniciativas para submeter o
BNDES a uma CPI. Sempre com argumentos desonestos e mal informados.

Quando a Embraer começou a incomodar a Bombardier com sua concorrência, o go-
verno canadense logo tratou de questionar o financiamento de suas exportações na
OMC. Não bastasse, acabou levantando suspeitas de que o gado “verde” brasileiro po-
deria estar contaminado com o mal da vaca louca. Um golpe desonesto, que, por ini-
ciativa do então deputado Aloizio Mercadante, provocou a pronta resposta do Con-
gresso Nacional, o qual sustou a tramitação dos atos internacionais firmados com o
Canadá. Assim, o Legislativo brasileiro defendeu o Brasil, a Embraer e, por tabela,
o banco que financiou seu sucesso mundial.

Agora, setores desse mesmo Congresso perseguem o BNDES, com argumentos tão
toscos e desonestos quanto o usado pelo governo canadense.

Não se sabe ao certo no que isso vai dar.

Uma coisa, porém, é certa: a Bombardier agradece.

Haja vaca louca!
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-quem-interessa-a-desmoralizacao-do-BNDES-/4/34244

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