sexta-feira, 28 de julho de 2017

A Nova Direita

"É o capítulo que faltava, uma chave para entender a política dos últimos cinquenta anos. Ler o novo livro de Nancy MacLean, Democracy in Chains: the deep history of the radical right’s stealth plan for America [“Democracia Aprisionada: a história profunda do plano oculto da direita para a América] é enxergar o que antes permanecia invisível.
O trabalho da professora de História começou por acidente. Em 2013, ela deparou-se com uma casa de madeira abandonada no campus da Universidade George Mason, em Virgínia (EUA). O lugar estava repleto com os arquivos desorganizados de um homem que havia morrido naquele ano, e cujo nome é provavelmente pouco familiar a você: James McGill Buchanan. Ela conta que a primeira coisa que despertou sua atenção foi uma pilha de cartas confidenciais relativas a milhões de dólares transferidos para a universidade pelo bilionário Charles Koch.
Suas descobertas naquela casa de horrores revelam como Buchanan desenvolveu, em colaboração com magnatas e os institutos fundados por eles, um programa oculto para suprimir a democracia em favor dos muito ricos. Tal programa está agora redefinindo a política, e não apenas nos Estados Unidos.
Buchanan foi fortemente influenciado pelo neoliberalismo de Friedrich Hayek e Ludwig von Mises e pelo supremacismo de proprietários de John C Carlhoun. Este último argumentava, na primeira metade do século XIX, que a liberdade consiste no direito absoluto de usar a propriedade – inclusive os escravos – segundo o desejo de cada um. Qualquer instituição que limitasse este direito era, para ele, um agente de opressão, que oprime homens proprietários em nome das massas desqualificadas.
James Buchanan reuniu estas influências para criar o que chamou de “teoria da escolha pública. Argumentou que uma sociedade não poderia ser considerada livre exceto se cada cidadão tivesse o direito de vetar suas decisões. Queria dizer que ninguém deveria ser tributado contra sua vontade. Mas os ricos, dizia ele, estavam sendo explorados por gente que usa o voto para reivindicar o dinheiro que outros ganharam, por meio de impostos involuntários usados para assegurar o gasto e o bem-estar social. Permitir que os trabalhadores formassem sindicatos e estabelecer tributos progressivos eram, sempre segundo sua teoria, formas de “legislação diferencial e discriminatória” sobre os proprietários do capital.
Qualquer conflito entre o que ele chamava de “liberdade” (permitir aos ricos fazer o que quiserem) e a democracia deveria ser resolvido em favor da “liberdade”. Em seu livro The Limits of Liberty [“Os limites da liberdade”], ele frisou que “o despotismo pode ser ser a única alternativa para a estrutura política que temos”. O despotismo em defesa da liberdade…
Ele prescrevia o que chamou de uma “revolução constitucional”: criar barreiras irrevogáveis para reduzir a escolha democrática. Patrocinado durante toda sua vida por fundações riquíssimas, bilionários e corporações, ele desenvolveu uma noção teórica sobre o que esta revolução constitucional seria e uma estratégia para implementá-la.
Ele descreveu como as tentativas de superar a segregação racial no sistema escolar do sul dos Estados Unidos poderiam ser frustradas com o estabelecimento de uma rede de escolas privadas, patrocinadas pelo Estado. Foi ele quem primeiro propôs a privatização das universidades e cobrança de mensalidades sem nenhum subsídio estatal: seu propósito original era esmagar o ativismo estudantil. Ele recomendou a privatização da Seguridade Social e de muitas outras ações do Estado. Queria romper os laços entre os cidadãos e o governo e demolir a confiança nas instituições públicas. Ele queria, em síntese, salvar o capitalismo da democracia.
Em 1980, pôde colocar este programa em prática. Foi chamado ao Chile, onde ajudou a ditadura Pinochet a escrever uma nova Constituição – a qual, em parte devido aos dispositivos que Buchanan propôs, tornou-se quase impossível de revogar. Em meio às torturas e assassinados, ele aconselhou o governo a ampliar seus programas de privatazação, austeridade, restrição monetária, desregulamentação e destruição dos sindicatos: um pacote que ajudou a produzir o colapso econômico de 1982.
Nada disso perturbou a Academia Sueca que, por meio de Assar Lindbeck, um devoto na Universidade de Estocolomo, conferiu a James Buchanan o Nobel de Economia de 1986. Foi uma das diversas decisões que tornaram duvidosa a honraria.
Mas seu poder realmente intensificou-se quando Charles Koch, hoje o sétimo homem mais rico nos EUA, dicidiu que Buchanan tinha a chave para a transformação que desejava. Para Koch, mesmo ideólogos neoliberais como Milton Friedman e Alan Greenspan eram vendidos, já que tentavam aperfeiçoar a eficiência dos governos, ao invés de destruí-los de uma vez. Buchanan era o realmente radical.
Nancy MacLean afirma que Charles Koch despejou milhões de dólares no trabalho de Buchanan na Universidade George Mason, cujos departamentos de Direito e Economia parecem muito mais thinktanks corporativos que instituições acadêmicas. Ele encarregou o economista de selecionar o “quadro” revolucionário que implementaria seu programa (Murray Rothbard, do Cato Institute, fundado por Koch, havia sugerido ao bilionário estudar as técnicas de Lenin e aplicá-las em favor da causa ultraliberal). Juntos, começaram a desenvolver um programa para mudar as regras.
Os documentos que Nancy Maclean descobriu mostram que Buchanan via o sigilo como crucial. Ele afirmava a seus colaboradores que “o sigilo conspirativo é essencial em todos os momentos”. Ao invés de revelar seu objetivo último, eles deveriam agir por meio de etapas sucessivas. Por exemplo, ao tentar destruir o sistema de Seguridade Social, sustentariam que estavam salvando-o e argumentariam que ele quebraria sem uma série de “reformas” radicais. Aos poucos, construiriam uma “contra-inteligência”, articulada como uma “vasta rede de poder político” para, ao final, constituir um novo establishment.
Por meio da rede de thinktanks financiada por Koch e outros bilionários; da transformação do Partido Republicano; de centenas de milhões de dólares que destinaram a disputas legislativas e judiciais; da colonização maciça do governo Trump por membros de sua rede e de campanhas muito efetivas contra tudo – da Saúde pública às ações para enfrentar a mudança climática, seria justo dizer que a visão de mundo de Buchanan está aflorando nos EUA."

domingo, 16 de julho de 2017

A Ficção do Cristão

Por Daniel Sottomaior.

Em artigo publicado neste site no dia 1 de julho, o seminarista Salathiel de Souza lançou uma de suas várias diatribes contra os ateus, intitulada “A má vontade do ateu”. A Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, que represento, agradece ao domínio por ter gentilmente concedido espaço para exercer o direito de resposta.

Entre os contos de Hans Christian Andersen, um dos meus favoritos é “A roupa nova do rei”, em que um rei é convencido de que poderia ter uma roupa muito bonita e cara, mas que só as pessoas mais inteligentes poderiam ver. O costureiro recebe baús cheios de riquezas, rolos de linhas de ouro e seda e todos os materiais mais caros e exóticos para realizar sua empreitada, e ao fim mostra ao rei um cabide vazio dizendo que essa era a sua obra. Mesmo sem ver obra nenhuma, ele exclama "Que lindas vestes! Fizeste um trabalho magnífico!" - afinal de contas, se ele dissesse a verdade, admitiria que não era inteligente o suficiente para enxergar a roupa.

Sem desejo de contrariar o rei ou movidos pelo mesmo medo de serem vistos como pouco inteligentes, os nobres à sua volta davam todos falsos suspiros de admiração pela beleza das vestes. Até um desfile foi marcado para que todos pudessem apreciar o esplendor da roupa nova do rei, quando uma criança apontou “O rei está nu!”

O ateu na sociedade é essa criança, que não tem medo de dizer que o não existente não existe. E se eu fosse o costureiro da roupa nova do rei, a impertinência daqueles que apontam que o rei está nu possivelmente também me deixaria raivoso. Talvez eu até dissesse que elas têm “má vontade” em não ver quão esplendoroso é o manto real. Afinal de contas, não é apenas uma questão intelectual.

Os costureiros das obras religiosas dependem da ilusão, própria e alheia, para exercer seu enorme poder sobre a sociedade, ditando quem pode fazer o quê, como, quando e onde, direcionando não só a vida íntima de milhões de pessoas como até a formulação de leis e políticas públicas. Além disso, quem paga as contas dos costureiros de roupas do rei são aqueles que juram que ela existe. Sem esses inocentes úteis, eles teriam que trabalhar de verdade. Follow the money.

Em seu texto, Salathiel alega que só se é ateu por ignorância, covardia ou má vontade e que “é raríssimo e digno de nota encontrar um ateu com boa vontade, realmente tolerante, respeitoso e em paz.” A regra do jogo na religião é afirmar e ser levado a sério sem ter qualquer evidência, e este caso não é exceção. Que pesquisas teria o seminarista consultado? Obviamente nenhuma.

Nosso país tem apenas 1 ou 2% de ateus, bem menos que a média mundial. Mas isso significa que apenas no estado em que vivemos, há 450 a 900 mil ateus. O seminarista teria que empreender enorme esforço para encontrar e então investigar as características de um milésimo desses ateus, mas nada disso é necessário se ele pode simplesmente inventar suas verdades, como tantos religiosos antes dele já fizeram. Fiat veritas! Faça-se a verdade, disse ele, e a verdade foi feita. Felizmente alguns poucos de nós têm pudor em mentir e sentem obrigação moral em expor as mentiras alheias. A afirmação é uma mera fabricação, de caráter não apenas difamatório, mas preconceituoso.

Diversas pesquisas apontam que os ateus são as pessoas mais detestadas do país, e em muito outros lugares também. Um levantamento da Fundação Perseu Abramo, por exemplo, mostrou que 17% dos brasileiros sentem repulsa ou ódio por ateus - empatados com usuários de drogas e bem à frente de ex-presidiários, com apenas 5%. O sentimento de antipatia também é dedicado mais a ateus que a qualquer outro grupo pesquisado: 25% dos brasileiros nutrem esse sentimento pelos descrentes, totalizando uma rejeição de 42%.Os meninos que insistem em dizer que o rei está nu não precisam fazer nada para serem odiados.

Mas isso é coisa que acontece mais tipicamente no terceiro mundo. A Inglaterra possui 25% de ateus; a França, 40%; Alemanha e Bélgica têm 27%. Segundo o nobre seminarista, parece que o primeiro mundo é coalhado de pessoas que não tem boa vontade, intolerantes e desrespeitosas. Deve ser um inferno a Europa! Bom mesmo é o Brasil e suas prisões, cheias até a borda de cristãos.

É para lutar contra esses estereótipos odiosos e em favor da laicidade do Estado que existe a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos. Nossos cerca de vinte mil membros espalhados em todo o país estão ansiosos por ver um futuro melhor para o país nessas frentes. Obviamente, ainda temos muito trabalho a ser feito.

Daniel Sottomaior é presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA).
http://www.itu.com.br/opiniao/noticia/a-ficcao-do-cristao-20170711

sexta-feira, 7 de julho de 2017

A teoria do cidadão de bem armado foi derrubada

Por Alex Yablon

Ao reunir dados de 37 anos de pesquisas, uma equipe norte-americana explica por que o porte de arma contribui para o aumento de crimes


Uma aula para obter o porte de arma em Utah em 9 de janeiro de 2016, Springville

Nas quatro décadas do movimento moderno de direito a armas, uma de suas vitórias mais significativas não aconteceu nas urnas, na mesa do presidente ou nos tribunais. Uma das maiores batalhas vencidas pelos ativistas pró-armas aconteceu na mente de milhões de norte-americanos — e outros povos influenciados por eles.
Desde o final dos anos 70, a Associação Nacional de Rifles (NRA em inglês) e outros defensores das armas de fogo conseguiram tornar a autodefesa armada cada vez mais aceitável no dia a dia. Uma riqueza de dados de pesquisa — que veio à tona graças a uma grande pesquisa do Pew no mês passado — mostra que os norte-americanos se tornaram cada vez mais confortáveis com o porte de armas em público. Defesa pessoal é a razão mais citada pelos donos de armas, que tronaram pistolas o tipo de arma de fogo mais popular do arsenal dos EUA. Essas atitudes e comportamentos marcam uma grande guinada: no meio dos anos 90, os norte-americanos tinham armas principalmente para recreação, e em 2005, grande parte do público achava que apenas policiais deviam carregar armas em público.
No centro dessa campanha pelos corações, mentes e coldres nos EUA está um artigo de fé que a NRA e seus aliados pregam desde os anos 90: que as pessoas podem aumentar a segurança pública carregando armas para se defender. O economista John Lott desenvolveu a teoria "Mais Armas, Menos Crime" em seu livro de 1998 de mesmo nome, e tem popularizado a ideia através de testemunhos legislativos e artigos de opinião. A NRA tem empregado o trabalho de Lott para contrariar pedidos de contenção do porte de armas. Depois do atentado na Escola Fundamental Sandy Hook, quando o líder do NRA Wayne LaPierre fez seu infame comentário de que "o único jeito de parar um bandido com uma arma é ter um cidadão de bem com uma arma", ele estava mencionando a noção já enraizada de que armas ao alcance da mão de seu proprietário aumentam a segurança pública.
É uma ideia poderosa e sedutora, particularmente nos EUA, que favorece a tal liberdade individual sobre ideais comunitários. E também está totalmente errada, segundo uma nova análise de quase 40 anos de dados de crime.
Num novo trabalho publicado em 21 de junho pela National Bureau of Economic Research, acadêmicos da Stanford Law School analisaram dados de quatro modelos estatísticos diferentes — incluindo um desenvolvido por Lott no livroMore Guns, Less Crime — e chegaram a uma conclusão sem ambiguidades: estados norte-americanos que facilitam o acesso de armas a seus cidadãos têm níveis mais altos de crimes violentos não fatais do que estados que restringem o porte de armas. A exceção, na pesquisa, aparecia na categoria de assassinato; ali, os pesquisadores determinaram que qualquer efeito nas taxas de homicídio por políticas expandidas de porte de armas são estatisticamente insignificantes.
Outros estudos conduzidos desde 1994 minavam a tese de Lott, mas essa nova pesquisa é mais abrangente e assertiva ao derrubar a fórmula do "mais armas, menos crime".
"Por anos, a pergunta foi: há algum benefício de segurança pública no direito de carregar armas? E isso agora está claro", disse o líder do estudo, John Donohue. "A resposta é não."
Donohue e os coautores do estudo observaram dados de crimes nos EUA entre os anos 1977 a 2014, nos 33 estados que implementaram a "Shall Issue" — dispositivo legal que permite o porte de armas durante o período citado. Os estatutos "Shall Issue" são trabalho da NRA, que fez lobbie com políticos em vários capitólios para relaxar seus requisitos em relação ao porte de armas. Os estados da "Shall Issue", a que Donohue se refere como right to carry (RTC), exigem que porte de armas seja garantido a qualquer pessoa que cumpra os critérios básicos. Sem surpresa, esses estados permitem inscrições em taxas maiores que estados "May Issue", onde as autoridades têm mais discrição em decidir quem pode sair pelo mundo portando uma arma.
Já que diminuir os critérios para porte de armas foi levando mais gente a pedir o porte (só a Flórida, há quase 1,8 milhão de pessoas com porte de armas, e na Pensilvânia e Texas há cerca de um milhão de pessoas em cada estado), e como mais armas em público deveriam reduzir a criminalidade, era esperado que esses estados vissem menos crimes desde que a "Shall Issue" entrou em vigor.
A equipe de Stanford, no entanto, descobriu exatamente o oposto: "Dez anos depois da adoção das leis de RTC", eles escreveram, "crimes violentos são de 13 a 15% mais altos do que seriam sem essas leis".
Avaliações anteriores dos estatutos de porte vieram logo que ondas de leis "Shall Issue" varreram os EUA nos anos 80 e começo dos 90. Uma delas foi um relatório bem conhecido de 2004 do National Research Council, que também mostrava furos na conclusão de Lott — mas que não podia dizer definitivamente que o porte de armas aumentava as taxas de crimes, porque não havia anos suficientes de dados para peneirar. Como a equipe de Stanford pôde observar, em estados com direito expandido de porte de armas por uma década ou mais, a pesquisa chegou a estimativas muito mais fortes sobre os efeitos das leis "Shall Issue" no crime.
Em sua pesquisa, a equipe de Stanford sugere que o aumento do porte de armas contribui para o aumento dos crimes de várias maneiras. Enquanto cidadãos de bem se armavam, criminosos nas mesmas comunidades também conseguiam mais armas. Pessoas armadas obedientes à lei, teorizaram os pesquisadores, podem contribuir com uma corrida armamentista nas ruas para trazer mais armas ao público, num ambiente em que essas armas têm mais chances de serem perdidas ou roubadas, alimentando assim o mercado informal. Quanto mais as pessoas se conscientizam de que seu ambiente está se enchendo de armas, mais sua percepção da sociedade se colore de medo e raiva, as levando a uma predisposição à violência.
"Não fiquei surpreso em ver crimes violentos aumentando", disse Donohue. "Já era de se esperar que armas contribuíssem com crimes violentos."
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As descobertas de Stanford vão direto na jugular não apenas da mensagem da NRA, mas do entendimento comum sobre tendências de crime disseminadas nas últimas duas décadas. Pelas medições nacionais, os crimes violentos caíram dramaticamente depois de um pico no começo dos anos 90, e a queda coincidiu amplamente com a expansão do direito de carregar armas de fogo. Lott e outros estava ansiosos para apontar o declínio no crime nacional como evidência de sua teoria, ou, pelo menos, distrair das preocupações de que mais armas em público poderiam levar a um banho de sangue generalizado.
O problema na conexão do aumento do porte de armas e a queda na taxa nacional de crimes, como Donohue e seus coautores apontam, é que o crime não caiu igualmente em todas as partes do país. Em vez disso, o declínio nos crimes violentos foi mais pronunciado em estados que mantiveram um controle rígido sobre o porte, como Nova York e Califórnia. Quando outros estados decidiram facilitar que seus residentes carregassem armas, eles parecem ter perdido uma redução no crime na mesma magnitude. Em termos crus, o crime também declinou naqueles estados RTC — mas nem perto de quanto poderia ter caído. Examinando estatísticas do Censo Norte-Americano e do FBI, os autores estimam que estados com leis mais severas para porte viram o crime cair em 42% entre 1977 a 2014. A queda é quatro vezes maior que os 9% vistos nos estados com RTC.
Ao reunir essas análises, os pesquisadores de Stanford queriam garantir que era a diferença entre leis de porte de arma, não outro fator — economias divergentes ou contingente policial, por exemplo — fez o crime despencar em alguns lugares mais que em outros. Para descobrir, a equipe projetou o que teria acontecido em estados RTC se eles não tivessem relaxado suas exigências para o porte, considerando diferenças em demografia, policiamento e crescimento econômico.
Aqui também a equipe pôde rodar cálculos que eram impossíveis em 90 e no meio dos anos 2000, quando os estudiosos que inicialmente contrariaram a teoria de Lott tinham muitos menos dados para processar.
As descobertas de Stanford se baseiam em dois métodos estatísticos com nomes técnico que parecem obscuros: análise de dados em painel e análise de controles sintéticos. Dados em painel tentam desmontar fenômenos sociais complexos — como o crime — estudando seus componentes menores e mais fáceis de medir, como taxas de encarceramento, níveis de contingente policial, pobreza, renda e densidade populacional.
A análise de controles sintéticos permite que os pesquisadores comparem dados registrados depois da introdução de uma mudança — como as leis de porte de armas — com projeções baseadas no que teria acontecido se a mudança nunca tivesse ocorrido. As projeções de controles sintéticos são baseadas em dados demográficos e resultados em locais com demografia similar.
Diferentes pesquisadores fizeram julgamentos distintos sobre quais fatores tinham mais poder de fazer o crime subir ou cair. Em vez de basear sua análise em um grupo de variáveis, a equipe de Stanford cobriu 37 anos de dados de crimes dispostos em quatro painéis: o favorito deles, chamado DAW; um desenvolvido pelo Brennan Center; o painel usado por John Lott em More Guns, Less Crime, e um quarto favorecido por dois pesquisadores pró-armas chamados Charlisle Moody e Thomas Marvel.
Projeções feitas com esses quatro painéis mostraram que estados RTC teriam quedas ainda maiores nos crimes violentos se não tivessem afrouxado suas leis de porte de armas. "Os dados do painel não deram nenhuma dica de que algo bom estava vindo do direito de porte", disse Donohue.
Como no Texas, por exemplo. As projeções de Donohue descobriram que dez anos depois que o Estado da Estrela Solitária colocou seu RTC em vigor, os crimes violentos aumentaram em 16% do que seriam sem a lei, como mostra o gráfico abaixo. A linha pontilhada, rotulada "unidade de controle sintético", é uma projeção do que poderia ter acontecido com as taxas de crimes violentos no Texas se o estado não tivesse afrouxado seu estatuto de porte, baseado numa composição de estados de demografia similar.
A única diferença entre as projeções usadas pelos estudiosos pró-armas e os outros dois painéis veio ao destacar as taxas de assassinatos. O principal propósito de cidadãos armados, na ideia da NRA e vendedores de armas, é incapacitar psicopatas antes que eles tirem vidas inocentes. Mas quando a equipe de Stanford rodou as fórmulas dos pesquisadores pró-armas, os gráficos mostraram que o RTC na verdade impulsionava as taxas de homicídio.
Os painéis DAW e do Brennan Center, por outro lado, mostraram que apenas violência não fatal seria mais baixa se os estados nunca tivessem optado pela rota do "Shall Issue". E mostraram isso em todos os 33 estados onde rodaram a simulação, sem exceções.
Mas uma pesquisa melhor realmente significa um resultado melhor no mundo real?
Para essa questão, Donohue se baseia não em matemática sofisticada, mas em anos de experiência estudando a questão das armas. "Muita gente tem ideias fixas sobre armas", ele disse. "É difícil influenciar seu pensamento."
Donohue pode estar entendendo o desafio que eles e outros estudiosos enfrentam agora. Pesquisas sociológicas e antropológicas sugerem que o sentimento dos EUA em relação a armas de fogo e porte para defesa pessoal se baseiam em noções elementares como identidade e masculinidade, não em medidas empíricas de segurança conquistada ou perdida.
A NRA foi longe para fomentar a ideia de que o direito de carregar armas é a base da cidadania norte-americana, e que a opção de autodefesa letal é "a primeira liberdade". Empresas de armas vendem seus produtos para tocar a necessidade de o consumidor de se sentir um protetor poderoso e, muitas vezes, hipermasculino. É difícil para um estudo acadêmico derrubar crenças assim.
Ainda assim, legisladores e juízes são um tipo diferente de público que compradores de armas ou eleitores. Donohue espera que suas descobertas cheguem a esses olhos influentes.
"A Suprema Corte vai ter que acabar decidindo se há mesmo um direito ao porte de arma", ele disse, falando um dia depois que juízes se recusaram a ouvir um desafio às leis de porte de armas restritivas na Califórnia. "O que eles vão fazer com essas evidências?"
https://www.vice.com/pt_br/article/padgn7/teoria-cidadao-bem-armado-derrubada?utm_source=vicefbbr

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Como o MPF criminalizou a compra do Gripen


O Brasil deu o primeiro passo para entrar no seletíssimo mercado dos aviões de guerra. Segundo o repórter especialista Roberto Godoy, do Estadão, há duas semanas está em testes o Gripen NG/E 39-8, o novo caça comprado pela Força Aérea Brasileira (FAB).
A licitação FX, que escolheu o Gripen, permitirá ao Brasil avanços extraordinários no setor aéreo. Antes disso, o Supertucano adquirido pelo FAB no início dos anos 90, permitiu à Embraer enormes avanços tecnológicos, que acabaram incorporados às linhas comerciais da empresa.
O que diz a reportagem de Godoy:
O programa, segundo analistas internacionais, também abre a possibilidade do Brasil disputar negócios de até US$ 370 bilhões, segundo o Centro de Estudos da Defesa, de Londres.
A partir da próxima década, esse mercado será dominado por cinco protagonistas – Estados Unidos, Rússia, China, Suécia e Índia – com a entrada de novos participantes (...)
O contrato atual, de US$ 4,7 bilhões, prevê amplo acesso a informações técnicas capazes de dar a agências do governo, como o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), e a complexos industriais, como a Embraer, a capacidade de conceber uma aeronave de combate de alto desempenho, em dez anos”.
Trata-se de um feito extraordinário. E o que aconteceu com seus criadores?
Inicialmente, Lula pretendia os franceses da Dassault, enfrentando forte concorrência dos americanos da Boeing. Dilma optou pela saída sueca, atendendo aos testes feitos pela Aeronáutica. Justamente porque haveria transferência maciça de tecnologia. Houve um longo processo de análise pela Aeronáutica. E a decisão de comprar o Gripen saiu dos seus escalões técnicos.
Todo esse feito extraordinário foi transformado em escândalo pelo Ministério Público Federal. Um jornal solta a manchete falsa, torna-se representação, que é distribuída para um procurador da República do Distrito Federal, que, precisando mostrar serviço, sai atrás de correlações fantasiosas.
Uma licitação capital para a tecnologia brasileira, fechada no governo de Dilma, na verdade tem a mão de Lula – que já não estava no governo -, porque um lobista contratado pela SAAB-Scania garantiu um patrocínio para o campeonato de rubgi organizado por um dos filhos de Lula. Pouco importa o ridículo da diferença entre o valor licitado e o valor do patrocínio e o fato de que Lula não tinha nenhuma influência sobre a Aeronáutica.
Nem se condene o analfabetismo econômico do procurador, o desperdício de recursos públicos em uma investigação irracional, estimulada por uma mera manchete de jornal, a ignorância em relação a todo o processo da licitação, a desinformação sobre o sistema de decisão. É apenas um procurador a quem foi distribuída uma representação. E que precisa mostrar serviço. Toca então a buscar pelo em ovo, chifre em cavalo,
O grande problema foi que esse grande porre de ignorância se espraiou sobre todo o MPF, sem que o comando se preocupasse minimamente em montar seminários, grupos temáticos que jogassem um mínimo de luz em temas complexos como este. A condução coercitiva de mais de 40 funcionários do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) foi a expressão máxima dessa truculência,  que se comporta como a ralé (no sentido sociológico) da opinião pública.
O clima persecutório que se instalou no país, a busca do estrelato – estimulado pelo pessoal da Lava Jato de Curitiba – transformou o MPF em uma rede de irrelevâncias penais, com total falta de critério, um bando de jacobinos bem remunerados desperdiçando recursos em falsos temas e, com isso, prejudicando a apuração dos verdadeiros escândalos.
É essa imaturidade que se espera seja coibida pela nova Procuradora Geral. Não pode um poder relevante, como o MPF, transformar-se nessa força cega buscando como único objetivo conquistar manchetes de jornais, e assimilando não apenas sua desinformação, mas sua parcialidade.
http://jornalggn.com.br/noticia/nassif-como-o-mpf-criminalizou-a-compra-do-gripen