Via Jornal do Brasil por Dalmo de Abreu Dallari*
Um dos graves efeitos da busca desenfreada de proveito econômico, sem respeitar as limitações éticas e jurídicas, efeito já amplamente comprovado no Brasil e em muitos outros países, é o envolvimento das crianças nas mensagens publicitárias e promocionais, para estimular a venda de produtos e serviços, acarretando muitas consequências negativas, entre as quais o sério prejuízo à saúde de crianças e adolescentes. Com efeito, já foi registrado o aumento muito significativo da obesidade, gravemente prejudicial ao desenvolvimento físico e à integração social da criança, em decorrência do grande consumo de produtos sabidamente danosos por sua natureza e composição. Visando, antes de tudo, a ampliação dos negócios, esses produtos são apresentados de modo a seduzir as crianças, sem qualquer advertência quanto aos possíveis efeitos negativos do consumo e, muitas vezes, ocultando ou disfarçando esses efeitos.
A publicidade e as promoções desempenham um papel de grande importância nesse processo de envolvimento e sedução das crianças, razão pela qual devem ser objeto de expressa e rigorosa regulamentação legal. Com efeito, muitas vezes as mensagens publicitárias e as promoções, revestidas de imagens bonitas e atraentes, estimulando a busca desenfreada de delícias para o paladar ou de atividades recreativas mas danosas, ou ainda provocando a competição entre crianças e adolescentes na obtenção dessas armadilhas, são o ponto de partida para a degradação física e a deterioração do processo educativo. E quando se denuncia o malefício dessas mensagens e se fala na necessidade da implantação de regras legais limitadoras vem logo uma reação vigorosa do mundo dos negócios, aí incluídas as empresas vendedoras de bens e serviços e as que cuidam da publicidade e divulgação, alegando que tais limitações iriam ofender a liberdade de expressão, que é direito fundamental garantido pela Constituição. Haveria realmente essa ofensa? Essas mensagens estão efetivamente enquadradas no direito à liberdade de expressão?
Precisamente a esse respeito, tem excepcional importância uma decisão recente da Corte Constitucional da Colômbia, que já está sendo objeto de atenta consideração em outros países e que vem sendo referida como importante marco da jurisprudência internacional. Tendo em conta os gravíssimos danos decorrentes do uso de produtos que têm por base o tabaco, o Legislativo colombiano aprovou legislação regulamentadora, estabelecendo severas limitações à publicidade e às promoções, diretas ou indiretas, ostensivas ou disfarçadas, de tais produtos. Em magistral e muito bem fundamentada decisão, considerando os aspectos teóricos, os tratados de Direitos Humanos assim como as disposições jurídicas relativas ao comércio internacional e também os princípios e as normas constitucionais, a Corte Constitucional da Colômbia concluiu pela legalidade das restrições regulamentadoras. Na fundamentação dessa importante decisão, a Corte Constitucional ressaltou que a publicidade e a promoção de produtos como o tabaco e outros que possam ser prejudiciais à pessoa humana e à sociedade está vinculada à liberdade de comércio e não à liberdade de expressão. Com efeito, essas mensagens não transmitem ou defendem ideias e convicções, mas apenas propõem o uso ou o consumo de produtos, bens ou serviços. Nada a ver com o direito à liberdade de expressão.
Por tudo isso, e em defesa das crianças e dos adolescentes, é juridicamente possível e socialmente recomendável uma legislação regulamentadora da publicidade e das promoções, o que, entre outros efeitos, contribuiria para evitar o aumento da obesidade infantil e de outros males que já estão evidentes na sociedade brasileira.
* Dalmo de Abreu Dallari é jurista. - dallari@noos.fr
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