quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

As águas roubadas

Pequenos agricultores acusam grandes proprietários de terra de desviarem água que serviria para todos

por Danielle Pereira de Sousa (PB) 
Via Brasil de Fato



Plantio de alface orgânico sendo irrigado na propriedade de Edinaldo Nascimento. Fotos: Danielle Pereira
O ano de 2012 que, logo no início, já brindou a Paraíba com a pior seca das últimas 4 décadas, viu, em seu desfecho, o anúncio oficial de um outro fim: o das obras do Perímetro Irrigado das Várzeas de Sousa (Pivas). Distante cerca de 400 quilômetros da praiana capital João Pessoa, o projeto de irrigação capta, conduz e distribui as águas dos açudes Coremas-Mãe d’Água para 4.390 hectares de propriedades agrícolas encravadas em pleno Sertão, entre os municípios de Sousa e Aparecida. No entanto, o anunciado do término das obras no fim do ano passado não resolveu o problema apontado. A falta de água tem sido uma constante na vida dos agricultores. E não pela seca.

Edinaldo José do Nascimento nasceu e se criou na agricultura familiar. Desde 2006 está no assentamento do Pivas, adquirido em 2005. Com ele, estão 178 pequenos produtores organizados em 14 associações. Uma delas é a Apivas, Associação dos Produtores Irrigantes das Várzeas de Sousa, que tem Nascimento como vice-presidente.

Em 2011, o agricultor familiar perdeu 2 mil pés de mamão porque a água não chegava em sua propriedade. Ele não consegue nem estimar o valor do prejuízo: “A água não chegava em quantidade e a gente teve que reduzir as áreas. Eu tava com meu plantio de goiaba sendo implantado, eu tive que cuidar dele. E eliminei meu plantio de mamão. Rapaz, 2 mil pés de mamão, nem dá pra fazer a conta assim de repente... a muda em si custa 4 mil reais, só de mudas. Fora a mão de obra”. Nascimento disse que em setembro do mesmo ano teve problemas com a produção de maracujá e se viu obrigado a racionar água.

Com 37 quilômetros de extensão, o canal da Redenção, que conduz a água vinda dos açudes Coremas-Mãe d’Água, é à céu aberto em alguns trechos. E várias propriedades têm colocado canos e desviado a água direto do canal, o que impede que produtores como Edinaldo recebam a quantidade prevista.

“É uma coisa absurda, né?! A gente tem um canal que hoje é pra estar chegando 1,5 metro cúbico por segundo de água dentro do perímetro e tá chegando a 0,5 metro cúbico por segundo Um metro por segundo está sendo desviado do canal. Quer dizer, dois terços dessa água estão sendo roubados no caminho. A verdade é essa: roubo. É coisa preocupante. E não sei se os governos vão ter pulso para resolver esse problema”, reclama Nascimento.

A ineficiência do Estado para resolver a questão também preocupa Valber Matos, da comissão executiva estadual da Articulação do Semiárido na Paraíba, (ASA-PB). Segundo ele, o desvio de água é feito por propriedades particulares, dentre elas, a do prefeito do município de Sousa, Fábio Tyrone Braga de Oliveira. “Mas não é só o prefeito, não. São muitas propriedades particulares que estão usando indevidamente o recurso. Isso por quê? Porque não há uma fiscalização do Estado. Ao governo não interessa a fiscalização. O povo que vive disso também não se interessa em denunciar. É omissão, falta de cuidado com o patrimônio do ser humano, que é o recurso hídrico”.

As denúncias contra o prefeito de Sousa vieram a público no meio do ano passado. Naquela época havia “122 irrigantes de forma irregular” no Perímetro, segundo contou Orlando Soares de Oliveira Filho, o então diretor-presidente da Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (Aesa).

“Já fizemos essas vistorias e já foram detectados 122 irregulares. Isso vai de pequeno ao grande. Foram detectados e notificados. E agora a gente está procurando a solução para o problema. Mas, pra isso, a gente precisa justamente ver: as vazões necessárias do que está regulamentado, o que foi feito no Marco Regulatório; se precisa aumentar a abertura da comporta para atender a todos, se realmente os projetos iniciais que foram feitos quando da aprovação estão sendo feitos como é pra ser”, disse à época.

Orlando Soares destacou ainda que esse tipo de ação é feita durante a noite e declarou que a fiscalização ainda precisa ser mais ostensiva e vir junto com uma regulação.

“Já temos ações concretas para poder chegar junto e corrigir todas essas distrações. Só vai ter direito ao uso correto se realmente tiver outorga, seria dar licença para o uso racional, o uso correto. Isso é o que precisa ser feito”, afirma Soares.

Hoje, a direção da Aesa está à cargo de Ana Maria de Araújo Torres Pontes. A reportagem tentou entrar em contato com a diretora-presidente, através da assessoria de imprensa do órgão, mas, até o fechamento desta edição, não obteve retorno. A Aesa é responsável por gerenciar e controlar a capacidade hídrica do açude e do canal. Com o fim das obras do Pivas decretado pelos governos estadual e federal, houve a transferência de gestão do Projeto por meio de Termo de Ajustamento de Compromisso entre o Estado da Paraíba e o Ministério da Integração Nacional.

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