domingo, 3 de dezembro de 2017

10 MODOS COMO O CAPITALISMO NEGA OU TIRA A SUA LIBERDADE


 10 MODOS COMO O CAPITALISMO NEGA OU TIRA A SUA LIBERDADE

Um dos mais fortes argumentos a favor do capitalismo utilizado por seus defensores é que ele seria um sistema que garante a liberdade. Será mesmo?

Por Robson Fernando de Souza

Dizem por aí que o capitalismo — em especial o liberal, com o mínimo de regulação estatal — vem “trazer liberdade” para as pessoas.
Seria tanto a liberdade de ganhar e acumular muito dinheiro e fazer o que quiser sem ser impedido por um “Estado-babá” quanto a de escolher que produtos e serviços e de que marcas e empresas consumir ou não consumir.
Mas, se formos ver o que há por trás dessa máscara e investigar mais a fundo a natureza da ordem social, econômica, política e moral capitalista, será que ainda veremos um sistema econômico que traz liberdade para o ser humano?
Ou descobriremos que ele nega ou tira a grande maioria das liberdades individuais das pessoas?

Convido você a conhecer, por meio deste artigo, dez maneiras com que o capitalismo mina as suas liberdades, mesmo aquelas mais básicas e desejadas, e submete-o a algo absurdamente próximo da escravidão.
1Nega a você a liberdade de optar por não se sujeitar ao próprio capitalismo

A História humana nos ensina que existem inúmeros modos de viver em sociedade, dos mais bucólicos e igualitários aos mais urbanos e hierarquizados. Da mesma maneira, reforça que existe ou existia toda uma diversidade de sistemas econômicos, entre eles o escambo, os mercados pré-capitalistas baseados em moedas, o comunismo primitivo e o próprio capitalismo.
Mas este último, à medida que se espalhou pelo mundo por meio da colonização política, econômica e cultural, acabou se configurando como sistema econômico e social hegemônico. Isso não foi pacífico: significou a aniquilação de incontáveis culturas e formas de vida socioeconômica, seja por meio da invasão cultural, seja pela subjugação econômica, seja pelo puro extermínio por forças militares.
Com isso, chegamos ao ponto em que o mesmo capitalismo que dizem “trazer liberdade para o ser humano” lhe nega a liberdade individual de conhecer e optar por modos de vida alternativos e, assim, rejeitar se submeter aos ditames (a)morais do mercado.
Isso porque a maioria das pessoas é obrigada a trabalhar em empregos e subempregos degradantes ou, no mínimo, que detestam, e dedicar a maior parte de seu dia a dia, senão todo ele, a esse trabalho. Ficam assim privadas de tempo livre, o qual poderia ser utilizado para leituras, viagens, diálogos com outras culturas etc., além de nunca terem dinheiro suficiente para esse contato cultural presencial.
Além disso, os detentores do capital e seus capangas têm atuado de maneira que estão literalmente exterminando povos nativos que ainda não se sujeitaram totalmente ao mercado dos brancos. São exemplos notórios disso os latifundiários na América Latina e as grandes indústrias que poluem e exterminam ecossistemas e ferem de morte os povos que dependem destes.
Ou seja, o capitalismo tanto tem negado aos cidadãos a possibilidade de conhecer maneiras de viver alternativas quanto as tem destruído implacavelmente, almejando tornar real o atributo de único modo existente no planeta em que os seres humanos podem vivem.

2Convence você de que “não existe” vida humana, nem alternativas de sociedade e economia, fora do capitalismo

Paralelamente a essa tradição de exterminar culturas nativas, ecossistemas, modos de vida alternativos e esperanças, muitos formadores de opinião pró-capitalistas argumentam falaciosamente que “não existe” vida humana possível fora do capitalismo.
Afinal, segundo dizem, a (a)moralidade capitalista é “da natureza humana”, e o “fracasso do comunismo” seria uma prova de que modos de vida não capitalistas “não funcionam”.
Só que essa suposta “naturalidade” do modo de vida capitalista é uma falsidade histórica, já que existem e existiram sistemas socioeconômicos e morais não capitalistas, como o dos Guaranis pré-colombianos, os de centenas de povos tradicionais brasileiros e o anarquismo moderno. Ou seja, ao contrário do que a direita contemporânea costuma dizer, o ser humano não é um ser “naturalmente” capitalista.
Além disso, a hegemonia atual do capitalismo chega ao ponto de fazê-lo aparentar ser a única ordem socioeconômica humana possível justamente porque ele se ocupa em destruir, reprimir e desencorajar violentamente modelos não capitalistas de sociedade, como os povos indígenas, os países adeptos do “socialismo real” —- como Cuba, país sufocado há décadas pelo embargo econômico estadunidense — e as comunidades e federações anarquistas.
Em outras palavras, alternativas ao capitalismo existem e são bastante viáveis, mas os interessados na manutenção do status quo capitalista e conservador não querem que você saiba disso.

3Força você a se submeter à hierarquia de uma empresa e a um trabalho de que não gosta em troca de dinheiro, como é o caso da maioria dos assalariados

Por trás da máscara da “liberdade de consumo”, existe uma ordem de coisas na qual a grande maioria das pessoas — ou seja, os trabalhadores — é obrigada a vender sua força de trabalho a empresas cuja estrutura organizacional é fortemente hierarquizada e repleta de relações autoritárias entre o empresário, os diretores, os gerentes e os funcionários mais básicos.
Em muitos casos, esse trabalho, além de submetido a uma pesada hierarquia e aos caprichos dos “superiores”, é um ofício profundamente detestado. Resgato aqui, para exemplificar isso, alguns dados que expus no artigo sobre 15 maneiras como o capitalismo impede as pessoas de serem felizes.:
● Pesquisa do Gallup de 2013 revelou que 87% dos trabalhadores de todo o mundo odeiam ou não gostam dos trabalhos que exercem;
● O mesmo Gallup, em 2014, afirmou que 68% dos trabalhadores dos Estados Unidos ou detestam ou não veem graça nenhuma no seu emprego;
● Diversos trabalhos são profundamente odiados em razão da precariedade que trazem a quem os exerce, como o de professor de ensino básico, o de policial, o de operador de call-center e telemarketing e dezenas de outros;
Em muitos casos, a “alternativa” dada a esses empregos é o puro desemprego e, subsequentemente, perda de serviços diversos (água, luz, telefone e internet, celular, gás etc.), fome e miséria. Não há empregos salubres, confortáveis, bem pagos, aprazíveis e com direitos suficientes para todos, mas sim para uma pequena minoria. No caso do Brasil, isso piorou ainda mais com a entrada em vigor da famigerada reforma trabalhista, em novembro de 2017.

Ou seja, o “sistema da liberdade” força bilhões de pessoas à mais absurda servidão, sob pena de muito sofrimento e privações diversas.

4Mantém você aprisionado numa rotina muito difícil de sair

Se você é assalariado, provavelmente está aprisionado numa rotina da qual é extremamente difícil sair por meios voluntários. Acorda, toma café da manhã, passa uma hora ou mais no trânsito, trabalha por oito horas ou mais, volta para casa depois de mais um bocado de tempo na lentidão do tráfego, janta, realiza tarefas domésticas muito cansativas, descansa um pinguinho e vai dormir, para no dia seguinte tudo isso se reiniciar.
Isso pode até ter um fim temporário se você pedir demissão. Mas aí virá o desemprego, a dificuldade imensa de encontrar um trabalho novo que corresponda às suas habilidades e especialidades. Se não tiver um bom colchão financeiro nem robustos conhecimentos sobre empreendedorismo, não conseguirá abrir um negócio próprio como alternativa. E então o risco de seus serviços de água, luz, telefone, internet etc. serem cortados e você ser jogado na miséria dispara. Pior ainda é quando você tem filhos pequenos ou adolescentes para sustentar.
É assim que você fica verdadeiramente aprisionado num dia a dia vicioso, maçante, infeliz, cansativo e que não lhe rende uma qualidade de vida decente.

5Submete você às regras, muitas vezes autoritárias e arbitrárias, da empresa onde trabalha, sob pena de demissão

Nesse contexto de submissão do trabalhador à empresa e à ordem hierárquica dela, é muito comum ele ter que baixar a cabeça, mediante coerção, para regras absurdas, puramente autoritárias e arbitrárias, impostas pelo patrão ou por outros “superiores” com a anuência dele. Isso sem falar naquelas situações de assédio moral contra subordinados.
Ai de quem questionar e rejeitar esses caprichos e abusos: será demitido. E agora com a reforma trabalhista do Governo Temer, está bem difícil entrar com processo contra as empresas abusivas.

6Submete você a aprisionamentos físicos temporários

A “economia da liberdade” é a mesma que força os trabalhadores a aprisionamentos físicos. São diversos os ambientes onde a ordem moral, social e econômica capitalista confina você ao longo da vida: a escola, o prédio da empresa, o escritório, o quarto da casa (em casos de trabalho home-office), as avenidas com trânsito lento e, nos casos mais extremos, o presídio.
Nesses lugares, passamos horas e horas de cada um de nossos dias, com a esperança de que esses confinamentos acabarão na aposentadoria. As prisões, aliás, são o local onde aqueles mais insubordinados à ordem vigente — que nem sempre são criminosos no sentido do senso comum, podendo ser, por exemplo, ativistas políticos anticapitalistas —, ou mesmo inocentes, como Rafael Braga Vieira, são forçados a passar vários meses ou anos de suas vidas.

7Nega a você horas realmente livres no seu dia a dia

A maçante rotina do trabalho capitalista acaba privando a grande maioria dos seres humanos de horas realmente livres no seu dia a dia.
O ocupadíssimo dia a dia da grande maioria das pessoas tem um horário extremamente reduzido — quando este sequer existe — para atividades como lazer, leituras de livros, meditação, atividades religiosas individuais etc. Isso tem sido piorado por ocupações fora do trabalho, como o uso compulsivo das redes sociais, o exercício do consumismo em shoppings e centros urbanos, o transporte lento e o trabalho extra trazido pelos famigerados empregos que exigem atenção 24/7 dos trabalhadores.
Temos tido cada vez menos horas realmente ociosas que nos deem a liberdade de agir de acordo com nossas vontades. Temos ficado muito submetidos tanto às empresas em que trabalhamos quanto aos ditames e influências psicológicas do mercado, como mostrado no tópico a seguir.

8Sujeita você às vontades do mercado e das grandes corporações

Até as horas extralaborais dos nossos dias estão cada vez mais voltadas a obedecer as vontades do mercado e das grandes corporações. Nossas horas de distração têm sido destinadas a comprar e consumir, desde em restaurantes e lanchonetes de grandes redes de fast-food até em shoppings aonde vamos adquirir roupas, produtos eletrônicos, mídias físicas, brinquedos, entre muitos outros objetos. Isso sem falar no tradicional ato de ocupar aquele único dia “livre” indo a super e hipermercados “fazer feira” ou ao banco ou casa lotérica pagar contas e mais contas.
Mesmo aquelas horas que passamos diante da TV, do computador ou do smartphone têm sido momentos de exposição constante às forças psicológicas da publicidade das grandes empresas. Elas nos bombardeiam o tempo todo com mensagens, das mais sutis àquelas de marketing mais esperto, dizendo para comprarmos produtos e serviços que nos farão “mais felizes”.
A situação hoje, aliás, chegou ao ponto em que as grandes corporações de comunicação estão violando nossa privacidade, capturando nossos dados pessoais e até mesmo vigiando o que conversamos na nossa casa..
Diante do leviatã chamado Mercado, liberdade é uma palavra que soa completamente utópica e até mesmo absurda, numa realidade em que nossos desejos, gostos, interesses e até movimentos são controlados pela publicidade e pelo marketing das grandes empresas.

9Obrigando você a depender de dinheiro para ter qualidade de vida

No capitalismo, uma coisa é mais clara que o Sol: você precisa de dinheiro para viver e ter “liberdade”. E para ter dinheiro, deve trabalhar duro, muito duro — mesmo que a remuneração paga por essa dureza seja absurdamente mais baixa do que você merece.
Se você não tem dinheiro, então não pode se divertir, nem usar redes sociais, nem assistir a televisão, nem adquirir livros em livrarias, nem comer em lanchonetes e restaurantes, nem comprar o produto “sensação do momento”… E pior: não poderá comer, nem usufruir de luz elétrica, nem de água encanada, nem acessar a internet, nem mesmo ter uma casa (a não ser que você seja uma criança ou adolescente filho de pais que pagam ou pagaram pela casa onde você mora). Não poderá sequer viver.
E para ter o dinheiro necessário para pagar tudo isso, terá muito provavelmente que se submeter a condições detestáveis de trabalho, a normas corporativas arbitrárias, à constante suscetibilidade de sofrer abusos e humilhações, ao recebimento de um salário medíocre.
Isso é um pouco da “vida livre” que o capitalismo proporciona a você.

10Inviabilizando que a vida religiosa seja uma opção não capitalista de vida
Por muitos milênios, a vida religiosa foi, pelo menos teoricamente, uma opção de vida que poderia ser adotada ao invés de depender do trabalho na roça, no comércio, em expedições ou no exército. Mesmo o cristianismo, por meios como o ascetismo, trouxe a muitas pessoas no passado a possibilidade de viver uma vida não capitalista, dependente não do lucro ou do salário de um emprego árduo, mas sim de doações dos fiéis.
Hoje isso parece ser algo do passado. O próprio sacerdócio, no caso de vertentes cristãs como o pentecostalismo, se tornou um trabalho orientado pela lógica capitalista do lucro e da acumulação de dinheiro e bens materiais. Os fiéis não doam o dízimo mais tanto por amor a Deus, mas sim como um pagamento obrigatório e uma forma de barganhar com o Divino a aquisição de casa, carro, um novo emprego, mais sorte na vida, a saída para situações difíceis etc.
E mesmo a vida ascética católica desapegada do ganho de dinheiro parece estar perdendo a atratividade e a razão de existir num mundo em que a vida orientada por valores religiosos tem sido substituída, mesmo no coração dos próprios fiéis, pelo culto ao dinheiro, pelo apego fanático ao ter em detrimento do ser.
Ou seja, está cada vez mais inviável ter uma vida não capitalista por meio do ascetismo religioso nas sociedades ocidentais. O capitalismo se torna ainda mais poderoso e onipresente do que as próprias religiões.
Bônus: Manipulando o conceito de liberdade para torná-lo tolerante a diversas formas de servidão
Está muito claro, diante dessas dez formas pelas quais o capitalismo tolhe a liberdade dos seres humanos, que os seus defensores manipulam o conceito de “liberdade” para torná-lo tolerante a diversas formas de submissão.
Afirma-se, como neste ensaio de Milton Friedman sobre a relação entre capitalismo e liberdade, que a liberdade econômica seria “indispensável” para a liberdade política, que é definida por ele como “a ausência de coerção de um homem (sic) sobre seu semelhante”. Só que temos visto as consequências do exercício dessa liberdade econômica por parte dos empresários, e elas não favorecem em nada as liberdades individuais enquanto possibilidades de vivermos longe da coerção imposta por outrem.
No mercado “livre” que tem sido defendido por indivíduos como muitos grandes empresários e o Governo Temer, o que acontece é que os trabalhadores são privados de quase todas as suas liberdades, como a de viver de maneira não capitalista, a de aproveitar o tempo “livre” de acordo com vontades verdadeiramente próprias, a de trabalhar sem ser submisso às autoritárias normas de sua empresa… E são submetidos à coerção dos patrões, da hierarquia organizacional das empresas, da publicidade, dos marqueteiros, dos políticos de direita, do organismo macrossocial capitalista como um todo…
Está bem evidente que, nesse sistema socioeconômico e moral que dizem ser “o mais livre existente”, a servidão é tão ou mais pesada do que na Idade Média.
Complemento: Por que os ricos também não são livres no capitalismo
Ao longo deste texto, falei muito dos trabalhadores, que são submetidos a uma sufocante situação de submissão e ausência de liberdade pela ordem socioeconômica em que vivem. Mas e os ricos — ou seja, os empresários, os políticos aliados das grandes empresas, os latifundiários e os líderes religiosos que faturam alto com o dízimo dos fiéis? Eles podem ser considerados livres?
A resposta é um sonoro não. Afinal, há diversas formas de coerção, de imposição de medo, muitas delas bem sutis, que influenciam o comportamento dos ricos e poderosos — pelo menos aqueles que persistem em posturas anti-humanistas:
● O medo de perder sua riqueza material e financeira e os privilégios sociais e políticos, uma possibilidade que é considerada pela moral capitalista como uma espécie de quase morte;
● O medo de ser derrubado por políticos “aliados” caso contrarie os interesses do mercado;
● O medo de perder grande parte do acúmulo de riqueza, por causa de uma eventual redistribuição do lucro da empresa para toda a estrutura organizacional de subordinados, num contexto de reforma trabalhista socialista ou socialdemocrata, e uma possível reforma tributária que cobre impostos sobre grandes fortunas e grandes lucros;
● O medo de perder o poder de influenciar opiniões e ter o “comando” de uma ampla base de consumidores;
● O medo de se tornar “moralmente comparável” a um trabalhador qualquer, caso perca suas riquezas numa situação de falência;
● O medo de ser esmagado pela concorrência caso adote algum comportamento de livre-arbítrio empresarial;
● O medo de perder as eleições ou mesmo ter o mandato cassado caso desagrade os financiadores de sua campanha;
● No caso de muitos pastores e bispos, o medo de perder a riqueza trazida pelos dízimos, caso desmonte a estrutura “corporativa” de sua igreja e a torne uma “casa de Deus” que preze por valores cristãos como a humildade, a partilha e a caridade;
● O medo de ser preso caso a ordem capitalista dê lugar a um sistema político socialista ou socialdemocrata que seja implacável contra empresários corruptos e corruptores;
● Entre outros.
Considerações finais
O que você leu neste artigo provavelmente fará você chegar a uma incômoda conclusão: o capitalismo não é compatível com as liberdades do ser humano. Submete desde os mais ricos até, com muito mais força e crueldade, os trabalhadores dos estratos organizacionais mais baixos, a uma ordem de servidão, submissão, coerção, controle, vigilância, medo e autoritarismo.
Ser livre é algo muito distante da realidade do status quo capitalista. Só irá se tornar algo mais próximo da concretude quando a sociedade em sua maioria se perceber como dominada, explorada e submetida a um estado de coisas que não deveria existir.
Assim sendo, isso pode começar a partir de você. Adquira a consciência de que o capitalismo tolhe de você, e não lhe proporciona, liberdade, felicidade e riqueza e submete você a uma servidão mais estrita e cruel do que o próprio feudalismo medieval. E ajude os movimentos sociais e políticos a construir um mundo realmente livre.

sábado, 7 de outubro de 2017

Você sabe quem é o Dalai-Lama?



Após a vitória da Revolução Chinesa, os comunistas tomavam o poder no Tibet, região que no curso dos dois séculos anteriores, nem um só país no mundo havia reconhecido como um país independente. A comunidade internacional considerava o território parte integrante de China. Como por exemplo a Índia e a Inglaterra, a mesma que há 40 anos dominava a região. Só os EUA se mostraram vacilantes. Até a Segunda Guerra Mundial, consideravam o Tibet como uma parte da China e procuravam frear os avanços da Inglaterra sobre o território. Porém, após a guerra, Washington decidiu fazer do Tibet um enclave religioso contra o comunismo.

Em 1951, a elite tibetana concordou em negociar com a China uma “liberação pacífica”. Cinco anos depois, no entanto, pressionadas pelo movimento camponês, as autoridades decidiram por uma reforma agrária em alguns territórios tibetanos. Era a senha para o conflito. A elite local repeliu a iniciativa e provocou o levante armado de 1959. A revolta foi preparada durante vários anos, sob a direção do serviço secreto dos EUA, a CIA. É o que registra o livro de 300 páginas “The CIA's Secret War in Tibet” de Kenneth Conboy. Uma obra que o especialista da CIA, William Leary, definiu como “um impressionante estudo sobre uma das operações secretas da CIA mais importantes durante a guerra fria”.

Outro livro, “Buddha's Warriors – The story of the CIA-backed Tibetan Freedom Fighters”, de Mikel Dunham, de 434 páginas, explica como a CIA levou centenas de tibetanos aos EUA para treinamento bélico e como lhes supriu de armas modernas. O prefácio desta obra foi redigido por “sua Santidade o Dalai-Lama”, que considerou uma honra o fato de que a rebelião separatista armada tenha sido dirigida pela CIA. Porque “Os EUA são os campeões da Democracia e da Liberdade”.

Em outubro passado, o parlamento estadunidense entregava ao Dalai-Lama a Medalha de Ouro, a condecoração mais importante que pode entregar. Sua (sempre sorridente) “Santidade” pronunciou um discurso onde louvava Bush por seus “esforços a nível mundial em favor da Liberdade, da Democracia e dos Direitos Humanos”. Fica evidente quem financia o Dalai-Lama e seus monges, não só por seu anticomunismo hidrófobo como também por seu racismo fascista que condena os casamentos entre tibetanos e os “demais”. Fica fácil entender a mobilização da mídia ocidental contra a China, sobretudo em vésperas de uma importante eleição em Taiwan e a aproximação das olimpíadas de Pequim.

O pretexto para balbúrdia de agora foi lembrar ação golpista derrotada em 1959, quando o Dalai-Lama tentava separar o Tibet para restaurar o regime ditatorial dos Lamas naquele território da China Popular. Derrotado, fugiu, acobertado pelos EUA. Ao longo dos anos 60, a comunidade de exilados tibetana embolsou 1,7 milhões de dólares por ano da CIA, como consta nos documentos liberados pelo próprio Departamento de Estado em 1998. Depois que este fato ficou público, a organização do Dalai-Lama emitiu uma declaração admitindo haver recebido milhões de dólares da CIA naquele período, com o objetivo de enviar pelotões armados de exilados para o Tibet para minar a revolução socialista.

O pagamento anual pessoal do Dalai-Lama reconhecido pela CIA era de US$186.000, assinalou Tom Grunfeld, em seu livro The Making of Modern Tibet. Atualmente, através do Fundo Nacional para a Democracia e outros canais que servem de fachada “respeitável” para os financiamentos da CIA, o governo dos EUA continua a destinar US$ 2 milhões anuais para os separatistas tibetanos que atuam na Índia, com milhões adicionais para a comunidade de exilados tibetanos em outros lugares. O Dalai-Lama também obtém dinheiro do especulador George Soros, que dirige a Radio Free Europe e Radio Liberty, ambas também vinculadas à CIA, ressaltou Michael Parenti, escritor e historiador estadunidense.”

Descubra quem é o ''pacifista'' dalai-lama

Incensado pelo ocidente como uma figura impoluta, lutadora da paz e da não-violência, o dalai-lama, ou Tenzin Gyatso, está longe de merecer o epíteto de pacifista que a mídia ocidental lhe aplicou nos últimos 50 anos. Aliado há longa data do regime americano, e recentemente de Bush, o dalai-lama não é parte integrante das lutas dos povos pela democracia e a paz mundial.

Exilado em Dharamsala, na Índia, onde está à testa de uma comunidade de 120 mil tibetanos, o 14.º dalai-lama é apresentado, desde 1959, pelos meios de comunicação, como ''um dos maiores defensores da paz no mundo'' e ''líder espiritual''. Seus gestos desmentem esses epítetos.

Em 2003, o ''líder espiritual'' budista passou 18 dias nos Estados Unidos, onde se encontrou com o presidente do país, George W. Bush e o então secretário de Estado, Colin Powell. Os EUA tinham recentemente estabelecido o Tibetan Policy Act, uma lei que regularizava a ajuda aos separatistas, em 2002.

O que disse e fez por lá revela que o homem que ostenta o título de Prêmio Nobel da Paz, obtido em 1989, age de forma diametralmente oposta ao discurso que mantém.

A Casa Branca não divulgou o teor das conversas, mas, a julgar pelas declarações posteriores do dalai-lama, um dos resultados da visita foi sua incorporação à política de guerras preventivas, aspecto central da estratégia agressiva do imperialismo norte-americano na atualidade.

''É muito cedo para dizer se a guerra no Iraque foi um erro'', afirmou, para acrescentar em seguida sua convicção de que é necessário ''reprimir o terrorismo'', sem explicar o que queria dizer com ''reprimir''.

Participação no poder chinês

Em 1954, o décimo quarto Dalai-Lama participou da primeira Assembléia Nacional Popular da China, que elaborou a Constituição da República Popular, tendo sido eleito como um dos vice-presidentes do Comitê Permanente dessa Assembléia.
Na ocasião, pronunciou um discurso afirmando: ''Os rumores de que o Partido Comunista da China e o governo popular central arruinariam a religião do Tibete, foram refutados. O povo tibetano tem gozado de liberdade em suas crenças religiosas''.

Em 1956, o dalai-lama assumiu a presidência do comitê provisório encarregado de organizar a região autônoma do Tibete. As relações entre os governos central e local estavam, portanto, normalizadas.

O conflito ressurgiu quando se cogitou em promover a reforma democrática do Tibete, separando a religião do Estado, abolindo a servidão rural e a escravidão doméstica, e redistribuindo a propriedade das terras e dos rebanhos, monopolizada pela aristocracia civil e pelos mosteiros.

Após o exílio, o dalai-lama, cercado pelas forças anti-chinesas e por separatistas tibetanos, traiu completamente sua posição patriótica original. A facção pró-ocidental, aproveitando-se da insatisfação entre lamas e nobres, retomou a ofensiva.

Agitando as bandeiras separatista e religiosa, e apoiada pela CIA cada vez mais desinibidamente, como hoje se reconhece, essa facção fundou uma organização política, a ''Quatro Rios e Seis Montanhas'' e uma organização militar, o ''Exército de Defesa da Religião” e iniciou, em 1956, ataques armados a funcionários e prédios públicos, a obras de infra-estrutura e, até mesmo, a tibetanos que apoiassem o movimento democratizador.

Como reencarnar estando ainda vivo?

Traindo seus princípios religiosos, em novembro passado, o dalai-lama propôs que, em vez de esperar que os sábios religiosos encontrassem a próxima encarnação após sua morte, ele mesmo escolhesse sua própria encarnação. Geralmente, depois da morte do dalai-lama, autoridades budistas tibetanas, orientadas por sonhos e sinais, identificam uma criança que vai substituir o líder morto.

Para impor seu método e estabelecer uma linha sucessória segura para os separatistas, o dalai-lama propôs então um ''referendo'' entre os budistas tibetanos, sobre mudar ou não o atual processo de reencarnação, de modo que ele pudesse ter influência na escolha de seu sucessor. A idéia não foi bem recebida pelos budistas, porque contraria a lógica religiosa : como encontrar sua alma em outro corpo, se você ainda não desencarnou ?

Antidesenvolvimento

O governo central da China inaugurou em 2006 a maior ferrovia do mundo, ligando o Tibete ao resto do país. A ferrovia custou 4,1 milhões (sic) de dólares e atravessa o platô tibetano, para ligar Lhasa aos centros econômicos da China.

A ferrovia é uma ferramenta vital para a economia tibetana, a mais pobre da China, mas o dalai-lama e os separatistas consideram a estrada-de-ferro uma ''ameaça''. Alegam que a ferrovia trouxe ''novos ocupantes'' e é um meio de ''roubar'' as riquezas naturais do Tibete.
Desde 1985, o Tibete é uma ''zona de turismo livre'', substituindo o ''turismo acompanhado'' que vigorava até então. A ferrovia veio apenas aumentar o desenvolvimento econômico local.

Esta semana, Tenzin Gyatso lançou pela mídia um apelo vazio, para que a ''comunidade internacional'' investigue o que chamou de ''genocídio cultural'' no Tibete, após a violência perpetrada, nas ruas de Lhasa, por monges e seus seguidores.

O ouro de Washington

De acordo com o historiador americano Jim Mann, citado pelo site Global Research, ''durante os anos 1950 e 1960, a CIA apoiou ativamente a causa tibetana com armas, treinamento militar, dinheiro, apoio aéreo e todo o tipo de auxílio''. Além de Mann, outro estudioso das ações da CIA na Ásia, Michael Parenti, fez recentemente a seguinte observação :

''...nos Estados Unidos, a Sociedade Americana Por uma Ásia Livre, uma fachada da CIA, propagandeou ferozmente a causa da resistência tibetana -- com o irmão mais novo do dalai-lama, Thubtan Norbu, tendo um papel ativo nessa organização. Outro irmão, também mais novo, do dalai-lama, Gyalo Thondup, estabeleceu uma célula de operação de ''inteligência'' com a CIA em 1951 (embora o apoio oficial da agência tenha sido estabelecido somente em 1956). Mais tarde, essa célula foi treinada e transformada em uma unidade de guerrilha da CIA, tendo seus recrutas sido lançados no Tibete de pára-quedas."

De acordo com documentos abertos pela inteligência americana no fim da década de 1990, revelou-se que o movimento tibetano no exílio recebeu, na década de 1960, cerca de 1,7 milhões de dólares por ano, para operações contra a China, enquanto 180 mil dólares anuais eram pagos regiamente ao dalai-lama.

Em 1969, entretanto, o apoio secreto pela causa tibetana foi interpretado pela CIA como infrutífero e a agência de espionagem decidiu retirar a ajuda aos ''revolucionários'' tibetanos.

No entanto, a ajuda monetária anual ao ''pacifista'' dalai-lama perdurou até 1974, quando Nixon normalizou as relações com a China. O presidente que lhe sucedeu, Gerald Ford, encerrou o envolvimento da administração americana com os exilados tibetanos, num novo contexto da estratégia americana para a Guerra Fria.

A fase seguinte do relacionamento entre os Estados Unidos, o dalai-lama e seus apoiadores foi direcionar a opinião pública mundial a considerar o Tibete como uma questão de direitos humanos, num engajamento político contra a China.

Em 1979, a relação entre o regime americano e o dalai-lama sofre uma nova modificação, com o ''pacifista'' obtendo um visto de entrada nos EUA sob a administração Carter. A ''causa tibetana'' encontra então novos patrocinadores, com representantes do congresso americano trabalhando em conjunto com os separatistas tibetanos para enfocarem a atenção dos governos seguintes e do resto do mundo na ''questão tibetana''.

Nos dias de hoje, a ajuda financeira e política aos exilados tibetanos parte de um poderoso braço da CIA, a National Endowment for Democracy, organismo criado a partir de 1984, sob a administração Reagan, que patrocina e subsidia movimentos pró-americanos ao redor do planeta, como os que recentemente derrubaram os governos da ex-Iugoslávia em 2002, Geórgia em 2004 e Ucrânia em 2005.

Um dos trabalhos da NED, desde a década de 1990, é propalar os discursos e ações ''pacifistas'' do dalai-lama ao redor do planeta.


(fonte: Pravda)

QUAL O SENTIDO DA VIDA?


Roberto F. Costa

Voltaire afirmava que os homens nascem e morrem, no infindável suceder das gerações, deixando como marco de sua passagem pelo planeta, apenas uma possível contribuição para a evolução da humanidade.

Dizia também, que a vasta maioria dos homens somente servia para reproduzir exatamente o sistema que receberam da geração imediatamente antecedente, em nada contribuindo para a evolução do homem enquanto espécie, o que era sintetizado no adágio "nos numerus summus et consumere fruges nati" (=nós nascemos apenas para fazer número e consumir os frutos da terra), que equivale a dizer que a imensa maioria da população mundial não serve para nada, e que a humanidade só avança pela diligência de uns poucos.

Por outro lado, Mikhail Bakunin alegava que atrás de nós, no nosso passado, temos a animalidade, quando andávamos de quatro e temíamos a lua, o sol e os raios como deuses, depois passando a humanidade pelo estágio intermediário de predomínio dos deuses e mitos, quando estava apenas genuflexa a divindades, somente com o advento da ciência do século XX se permitindo levantar e caminhar, altivo e altaneiro, com o olhar fixo em sua humanidade, um ideal a alcançar.

Veja que o super-homem de Friedrich Nietzsche não tem nenhum dos super-poderes de seu homônimo ianque, mero plágio mal-disfarçado, mas é aquele que finalmente assumiu a consciência e as conseqüências de sua humanidade, a responsabilidade sobre seu futuro, antes deixada a cargo dos projetos divinos. Morto deus, está o homem órfão e sozinho, somente tendo a si próprio como medida das coisas...

Não sabemos sobre o senso que anima a moira Láquesis, de nada adiantando apelar à sua mãe Themis, que é indiferente a tais reclamações; e como não sabemos o dia da nossa morte, temos que fazer com que cada dia tenha valido algo, e não apenas o passar do tempo, comendo, transando e entorpecendo os sentidos para esquecer o objetivo maior, que é a humanização.

Mas veja que o homem tem seu expoente máximo no reino das idéias e significados e, assim, se algum sentido teleológico pode haver para nossa existência, esse só pode ser encontrado no terreno da cultura.

Rhett Butler, o personagem de Clark Gable, em "Gone With the Wind..." era um sulista cínico, certo da supremacia militar do Norte na Guerra de Secessão, e portanto convencido da inevitável derrocada das forças sulistas. Apesar disso, mesmo se mantendo neutro durante toda a guerra civil, alistou-se com o General Lee quando não havia mais a possibilidade de vitória, preferindo cerrar fileiras com os derrotados do momento por uma questão de honra, em que pese com isso mais uma vez comprando o ódio de seu amor Scarlet O'Hara, interpretado pela linda Vivien Leigh.

É o eterno conflito na alma humana entre o feijão e o sonho, imortalizado por Orígenes Lessa, onde tentamos a todo momento ponderar entre a satisfação hedonista da nossa existência imediata e a compulsão pela transcendência, de sermos mais importantes do que uma simples máquina comedora de alimentos e fazedora de cocô.

Morreremos todos, é certo. Mas se diferença existe entre uma vida e outra, a honradez é o fiel da balança na qual as pesamos. Se podemos classificar de poética a atitude de Rhett Butler, é porque a poesia, comum a toda arte, é uma recriação idealizada da realidade e portanto a estrela que perseguimos almejando nossa humanidade.


Em suma, se existe sentido para a vida, só pode ser encontrado na dedicação a uma causa na qual acreditamos, mesmo sabendo que jamais colheremos o resultado de uma possível longínqua vitória, mas sim que ajudamos a asfaltar a estrada das futuras gerações em seu caminho para a humanização; mesmo sabendo que nosso trabalho e vida serão por elas ignorados a nível individual, ou que nosso sacrifício pode ser vão ou inócuo, que nossa utopia seja irrealizável, mas com a certeza de que vivemos e morremos como homens, e não como animais irracionais...

quinta-feira, 24 de agosto de 2017




A Verdade entrevistou Grover Furr, professor da Universidade de Montclair, no Estado de Nova Jersey, EUA, e autor do livro Antistalinskaia Podlost (“A infâmia antistalinista”), lançado recentemente em Moscou, na Rússia. Grover Furr é ph.D. em literatura comparada (medieval) pela Universidade de Princeton, e, desde 1970, ensina na Universidade de Montclair, sendo responsável pelos cursos de Guerra do Vietnã e Literatura de Protesto Social, entre outros. Suas principais áreas de pesquisa são o marxismo, a história da URSS e do movimento comunista internacional e os movimentos políticos e sociais. Nesta entrevista, o professor Grover fala de sua pesquisa e afirma que “60 de 61 acusações que  o primeiro-ministro Nikita Kruschev fez contra Stálin são comprovadamente falsas”.

A Verdade – Recentemente, um grande número de livros tem sido publicado atacando a pessoa e a obra de Josef Stálin. Como o senhor explica a intensificação desse antistalinismo nos EUA e no mundo?
Grover Furr – Desde o fim da década de 1920, Stálin tem sido o maior alvo do anticomunismo ideológico e acadêmico. Leon Trótsky atacava Stálin para justificar sua própria incapacidade de ganhar as massas trabalhadoras da União Soviética [URSS]. A verdadeira causa da derrota de Trótsky é que sua interpretação do marxismo – um tipo de determinismo econômico extremado – predizia que a revolução estava fadada ao fracasso a não ser que fosse seguida por outras revoluções nos países industrialmente avançados. Mas a liderança do Partido preferiu o plano de Stálin para primeiro construir o socialismo em um só país. As ideias de Trótsky tiveram (e ainda têm) uma grande influência sobre todos aqueles declaradamente capitalistas e anticomunistas. Os historiadores trotskistas são muito bem acolhidos pelos historiadores capitalistas. Pierre Broué e Vadim Rogovin, os mais proeminentes historiadores trotskistas das últimas décadas, já foram louvados e ainda são frequentemente citados por historiadores abertamente reacionários. Muitos na liderança do Partido em 1930 combateram Stálin quando este lutava por democracia interna no Partido e, especialmente, por eleições democráticas para os sovietes. As grandes conspirações da década de 1930 revelaram a existência de uma ampla corrente de oposição às políticas associadas a Stálin. Essas conspirações de fato existiam: os oposicionistas realmente estavam tentando derrubar o partido soviético e assassinar a liderança do governo, ou tomar o poder liderando uma revolta na retaguarda, em colaboração com os alemães e os japoneses. Nikolai Ezhov, líder da NKVD (o Comissariado do Povo para Assuntos Internos), tinha sua própria conspiração direitista, incluindo colaboração com o Eixo. Visando aos seus próprios fins; ele executou centenas de milhares de cidadãos soviéticos completamente inocentes para minar a confiança e a lealdade ao governo soviético. Quando Stálin morreu, Kruschev e muitos líderes do Partido viram que poderiam jogar a culpa por essas grandes repressões em cima de Stálin. Eles também inventaram muitas outras mentiras escancaradas sobre Stálin, Lavrentii Béria e pessoas próximas aos dois. Quando, bem mais tarde (1985), [Mikhail] Gorbachev assumiu o poder, ele também percebeu que as suas “reformas” capitalistas – o distanciamento do socialismo em direção a relações capitalistas de mercado– poderiam ser justificadas se sua campanha anticomunista fosse descrita como uma tentativa de “corrigir os crimes de Stálin”. Essas mentiras e histórias de horror permanecem como a principal forma de propaganda anticomunista, hoje, no mundo. A tendência é que elas se intensifiquem, pois os capitalistas estão diminuindo os salários e retirando benefícios sociais dos trabalhadores, caminhando em direção a um exacerbado nacionalismo, ao racismo e à guerra.

A Verdade – O que o levou a se interessar pela história da URSS?
Grover Furr – Quando estava na faculdade, de 1965 a 1969, eu fazia protestos contra a guerra dos EUA no Vietnã. Um dia, alguém me disse que os comunistas vietnamitas não poderiam ser “caras legais” porque eram todos “stalinistas”, e “Stálin tinha matado milhões de pessoas inocentes”. Isso ficou na minha cabeça. Foi provavelmente por isso que, no início da década de 1970, li a primeira edição do livro O grande terror, de Robert Conquest. Fiquei impressionado quando o li! Mas eu já tinha um certo domínio do russo e podia ler neste idioma, pois já vinha estudando literatura russa desde o ensino médio. Então examinei o livro de Robert Conquest com muito cuidado. Aparentemente ninguém ainda havia feito isso! Descobri, então, que Conquest fora desonesto no uso de suas fontes. Suas notas de rodapé não davam suporte a nenhuma de suas conclusões “anti-Stálin”. Ele basicamente fez uso de qualquer fonte que fosse hostil a Stálin, independentemente de se era confiável ou não. Decidi, então, escrever alguma coisa sobre o “grande terror”. Demorou um longo tempo, mas finalmente foi publicado em 1988. Durante este tempo estudei as pesquisas que estavam sendo feitas por novos historiadores da URSS, entre os quais Arch Getty, Robert Thurston e vários outros.

A Verdade – Seu livro Antistalinskaia Podlost (“A infâmia anti-stalinista”) foi recentemente publicado em Moscou. Conte um pouco sobre ele.
Grover Furr – Há aproximadamente uma década fiquei sabendo da grande quantidade de documentos que estavam sendo revelados dos antigos arquivos secretos soviéticos, e comecei a estudá-los. Li em algum lugar que uma ou duas das declarações de Kruschev em sua famosa “fala secreta”, de 1956, foram identificadas como falsas do início ao fim. Daí, pensei que poderia fazer algumas pesquisas e escrever um artigo apontando alguns outros erros de seu pronunciamento da “sessão secreta”. Nunca esperei descobrir que tudo o que Kruschev disse – 60 de 61 acusações que ele fez contra Stálin e Béria – eram comprovadamente falsas (não pude encontrar nada que comprovasse a 61ª)! Percebi que este fato mudava tudo, uma vez que praticamente toda a “história” anticomunista desde 1956 se baseia ou em Kruschev ou em escritores de sua época. Verifiquei que a história soviética do período de Stálin que todos aprendemos era completamente falsa. Não apenas “um erro aqui e outro ali”, mas fundamentalmente uma fraude gigantesca, a maior fraude histórica do século! E meus agradecimentos ao colega de Moscou Vladimir L. Bobrov, que foi o primeiro a me mostrar esses documentos, me deu inestimáveis conselhos, várias vezes, e fez um excelente trabalho de tradução de todo o livro. Sem o dedicado trabalho de Vladimir, nada disso teria acontecido.

A Verdade – Em suas pesquisas o senhor teve acesso direto a arquivos soviéticos abertos recentemente.  O que esses documentos revelam sobre os “milhões de mortos” sob o socialismo, especificamente no período de Stálin?
Grover Furr – Considerando que pessoas morrem a todo instante, eu suponho que você esteja falando de mortes “excedentes”. A Rússia e a Ucrânia sempre experimentaram fomes a cada três, quatro anos. A fome de 1932-33 ocorreu durante a coletivização. Sem dúvida, que um número maior de pessoas morreu do que teria morrido naturalmente. No entanto, muito mais pessoas iriam morrer em sucessivas fomes – a cada três, quatro anos, indefinidamente, no futuro – se não fosse feita a coletivização. A coletivização significou que a fome de 1932-33 foi a última, com exceção da grave fome de 1946-1947, que foi muito pior, mas isso devido à guerra. E, como mencionei anteriormente, Nikolai Ezhov deliberadamente matou milhares de pessoas inocentes. É interessante considerar o que poderia ter sucedido se a URSS não houvesse coletivizado a agricultura e não tivesse acelerado seu programa de industrialização, e se as conspirações da oposição nos anos 1930 não tivessem sido esmagadas. Se a URSS não tivesse feito a coletivização, os nazistas e os japoneses a teriam conquistado. Se o governo de Stálin não houvesse contido as conspirações direitistas, trotskistas, nacionalistas e militares, os japoneses e os alemães teriam conquistado o país. Em qualquer um desses casos, as vítimas entre os cidadãos soviéticos teriam sido muito, muito mais numerosas do que os 28 milhões mortos na guerra. Os nazistas teriam matado muito mais  eslavos ou  judeus do que mataram. Com os recursos, e talvez até mesmo com os exércitos da URSS do seu lado, os nazistas teriam sido muito, muito mais fortes contra a Inglaterra, a França e os EUA. Com os recursos soviéticos e o petróleo de Sakhalin, os japoneses teriam matado muito, muito mais americanos do que fizeram. O fato é que a URSS sob Stálin salvou o mundo do fascismo não apenas uma vez, durante a guerra, mas três vezes: pela coletivização; pelo desbaratamento das oposições direitista-trotskista-militares e também na guerra. Quantos milhões isso dá?

A Verdade – Alguns autores vêm tentando encontrar semelhanças entre Stálin e Hitler, e alguns até chegam a afirmar que o suposto “stalinismo” foi “pior” que o nazismo. Existia realmente alguma ligação entre Stálin e Hitler? 
Grover Furr – Os anticomunistas e os pró-capitalistas não discutem a luta de classes e a exploração. De fato, eles ou fingem que essas coisas não existem ou que não são importantes. Mas a luta de classes causada pela exploração é o motor da história. Então omitir isso significa falsificar a história. Hitler era um capitalista, um anticomunista autoritário de um tipo que é comum em vários países capitalistas. Stálin liderou o Partido Bolchevique e a URSS quando os comunistas em todo o mundo estavam lutando contra todo tipo de exploração capitalista. Sempre que dizemos “pior”, devemos sempre nos perguntar: “Pior para quem?” A URSS e o movimento comunista durante o período de Stálin foram definitivamente “piores que o nazismo”, para os capitalistas. Essa é a razão de os capitalistas odiarem tanto Stálin e o comunismo. O movimento comunista durante o período de Lênin e Stálin, e ainda por um bom tempo depois, foi a maior força de libertação humana da história. E novamente devemos nos perguntar: “Libertação de quem? Libertação do quê?” A resposta é: libertação da classe trabalhadora de todo o mundo, da exploração capitalista, da miséria e das guerras.

A Verdade – Um dos ataques mais frequentes a Stálin é que ele seria responsável pela fome na Ucrânia, em 1932-1933, também chamada de Holodomor. Esta versão da história corresponde ao que realmente ocorreu?
Grover Furr – O “Holodomor” é um mito. Nunca aconteceu. Esse mito foi inventado por ucranianos nacionalistas pró-fascistas, junto com os nazistas. Douglas Tottle comprovou isso em seu livro Fraud, Famine and Fascism(1988). Arch Getty, um dos melhores historiadores burgueses (isso é, não marxistas, não comunistas), também tem um bom artigo sobre isso. Até o próprio Robert Conquest deixou de defender sua antiga versão de que os soviéticos deliberadamente causaram a fome na Ucrânia. Nenhuma sombra de prova que poderia confirmar essa visão jamais veio à luz. O mito do “Holodomor” persiste porque ele é o “mito fundacional” do nacionalismo direitista ucraniano. Os nacionalistas ucranianos que invadiram a URSS juntamente com os nazistas mataram milhões de pessoas, incluindo muitos ucranianos. Sua única “desculpa” é propagandear a mentira de que eles “lutaram pela liberdade” contra os comunistas soviéticos, que eram “piores”.

A Verdade – Deixe uma mensagem para os trabalhadores brasileiros.
Grover Furr – Lutem pelo comunismo! Todo o poder à classe trabalhadora de todo o mundo!

http://averdade.org.br/2011/09/acusacoes-de-kruschev-contra-stalin-sao-falsas/