quinta-feira, 24 de agosto de 2017




A Verdade entrevistou Grover Furr, professor da Universidade de Montclair, no Estado de Nova Jersey, EUA, e autor do livro Antistalinskaia Podlost (“A infâmia antistalinista”), lançado recentemente em Moscou, na Rússia. Grover Furr é ph.D. em literatura comparada (medieval) pela Universidade de Princeton, e, desde 1970, ensina na Universidade de Montclair, sendo responsável pelos cursos de Guerra do Vietnã e Literatura de Protesto Social, entre outros. Suas principais áreas de pesquisa são o marxismo, a história da URSS e do movimento comunista internacional e os movimentos políticos e sociais. Nesta entrevista, o professor Grover fala de sua pesquisa e afirma que “60 de 61 acusações que  o primeiro-ministro Nikita Kruschev fez contra Stálin são comprovadamente falsas”.

A Verdade – Recentemente, um grande número de livros tem sido publicado atacando a pessoa e a obra de Josef Stálin. Como o senhor explica a intensificação desse antistalinismo nos EUA e no mundo?
Grover Furr – Desde o fim da década de 1920, Stálin tem sido o maior alvo do anticomunismo ideológico e acadêmico. Leon Trótsky atacava Stálin para justificar sua própria incapacidade de ganhar as massas trabalhadoras da União Soviética [URSS]. A verdadeira causa da derrota de Trótsky é que sua interpretação do marxismo – um tipo de determinismo econômico extremado – predizia que a revolução estava fadada ao fracasso a não ser que fosse seguida por outras revoluções nos países industrialmente avançados. Mas a liderança do Partido preferiu o plano de Stálin para primeiro construir o socialismo em um só país. As ideias de Trótsky tiveram (e ainda têm) uma grande influência sobre todos aqueles declaradamente capitalistas e anticomunistas. Os historiadores trotskistas são muito bem acolhidos pelos historiadores capitalistas. Pierre Broué e Vadim Rogovin, os mais proeminentes historiadores trotskistas das últimas décadas, já foram louvados e ainda são frequentemente citados por historiadores abertamente reacionários. Muitos na liderança do Partido em 1930 combateram Stálin quando este lutava por democracia interna no Partido e, especialmente, por eleições democráticas para os sovietes. As grandes conspirações da década de 1930 revelaram a existência de uma ampla corrente de oposição às políticas associadas a Stálin. Essas conspirações de fato existiam: os oposicionistas realmente estavam tentando derrubar o partido soviético e assassinar a liderança do governo, ou tomar o poder liderando uma revolta na retaguarda, em colaboração com os alemães e os japoneses. Nikolai Ezhov, líder da NKVD (o Comissariado do Povo para Assuntos Internos), tinha sua própria conspiração direitista, incluindo colaboração com o Eixo. Visando aos seus próprios fins; ele executou centenas de milhares de cidadãos soviéticos completamente inocentes para minar a confiança e a lealdade ao governo soviético. Quando Stálin morreu, Kruschev e muitos líderes do Partido viram que poderiam jogar a culpa por essas grandes repressões em cima de Stálin. Eles também inventaram muitas outras mentiras escancaradas sobre Stálin, Lavrentii Béria e pessoas próximas aos dois. Quando, bem mais tarde (1985), [Mikhail] Gorbachev assumiu o poder, ele também percebeu que as suas “reformas” capitalistas – o distanciamento do socialismo em direção a relações capitalistas de mercado– poderiam ser justificadas se sua campanha anticomunista fosse descrita como uma tentativa de “corrigir os crimes de Stálin”. Essas mentiras e histórias de horror permanecem como a principal forma de propaganda anticomunista, hoje, no mundo. A tendência é que elas se intensifiquem, pois os capitalistas estão diminuindo os salários e retirando benefícios sociais dos trabalhadores, caminhando em direção a um exacerbado nacionalismo, ao racismo e à guerra.

A Verdade – O que o levou a se interessar pela história da URSS?
Grover Furr – Quando estava na faculdade, de 1965 a 1969, eu fazia protestos contra a guerra dos EUA no Vietnã. Um dia, alguém me disse que os comunistas vietnamitas não poderiam ser “caras legais” porque eram todos “stalinistas”, e “Stálin tinha matado milhões de pessoas inocentes”. Isso ficou na minha cabeça. Foi provavelmente por isso que, no início da década de 1970, li a primeira edição do livro O grande terror, de Robert Conquest. Fiquei impressionado quando o li! Mas eu já tinha um certo domínio do russo e podia ler neste idioma, pois já vinha estudando literatura russa desde o ensino médio. Então examinei o livro de Robert Conquest com muito cuidado. Aparentemente ninguém ainda havia feito isso! Descobri, então, que Conquest fora desonesto no uso de suas fontes. Suas notas de rodapé não davam suporte a nenhuma de suas conclusões “anti-Stálin”. Ele basicamente fez uso de qualquer fonte que fosse hostil a Stálin, independentemente de se era confiável ou não. Decidi, então, escrever alguma coisa sobre o “grande terror”. Demorou um longo tempo, mas finalmente foi publicado em 1988. Durante este tempo estudei as pesquisas que estavam sendo feitas por novos historiadores da URSS, entre os quais Arch Getty, Robert Thurston e vários outros.

A Verdade – Seu livro Antistalinskaia Podlost (“A infâmia anti-stalinista”) foi recentemente publicado em Moscou. Conte um pouco sobre ele.
Grover Furr – Há aproximadamente uma década fiquei sabendo da grande quantidade de documentos que estavam sendo revelados dos antigos arquivos secretos soviéticos, e comecei a estudá-los. Li em algum lugar que uma ou duas das declarações de Kruschev em sua famosa “fala secreta”, de 1956, foram identificadas como falsas do início ao fim. Daí, pensei que poderia fazer algumas pesquisas e escrever um artigo apontando alguns outros erros de seu pronunciamento da “sessão secreta”. Nunca esperei descobrir que tudo o que Kruschev disse – 60 de 61 acusações que ele fez contra Stálin e Béria – eram comprovadamente falsas (não pude encontrar nada que comprovasse a 61ª)! Percebi que este fato mudava tudo, uma vez que praticamente toda a “história” anticomunista desde 1956 se baseia ou em Kruschev ou em escritores de sua época. Verifiquei que a história soviética do período de Stálin que todos aprendemos era completamente falsa. Não apenas “um erro aqui e outro ali”, mas fundamentalmente uma fraude gigantesca, a maior fraude histórica do século! E meus agradecimentos ao colega de Moscou Vladimir L. Bobrov, que foi o primeiro a me mostrar esses documentos, me deu inestimáveis conselhos, várias vezes, e fez um excelente trabalho de tradução de todo o livro. Sem o dedicado trabalho de Vladimir, nada disso teria acontecido.

A Verdade – Em suas pesquisas o senhor teve acesso direto a arquivos soviéticos abertos recentemente.  O que esses documentos revelam sobre os “milhões de mortos” sob o socialismo, especificamente no período de Stálin?
Grover Furr – Considerando que pessoas morrem a todo instante, eu suponho que você esteja falando de mortes “excedentes”. A Rússia e a Ucrânia sempre experimentaram fomes a cada três, quatro anos. A fome de 1932-33 ocorreu durante a coletivização. Sem dúvida, que um número maior de pessoas morreu do que teria morrido naturalmente. No entanto, muito mais pessoas iriam morrer em sucessivas fomes – a cada três, quatro anos, indefinidamente, no futuro – se não fosse feita a coletivização. A coletivização significou que a fome de 1932-33 foi a última, com exceção da grave fome de 1946-1947, que foi muito pior, mas isso devido à guerra. E, como mencionei anteriormente, Nikolai Ezhov deliberadamente matou milhares de pessoas inocentes. É interessante considerar o que poderia ter sucedido se a URSS não houvesse coletivizado a agricultura e não tivesse acelerado seu programa de industrialização, e se as conspirações da oposição nos anos 1930 não tivessem sido esmagadas. Se a URSS não tivesse feito a coletivização, os nazistas e os japoneses a teriam conquistado. Se o governo de Stálin não houvesse contido as conspirações direitistas, trotskistas, nacionalistas e militares, os japoneses e os alemães teriam conquistado o país. Em qualquer um desses casos, as vítimas entre os cidadãos soviéticos teriam sido muito, muito mais numerosas do que os 28 milhões mortos na guerra. Os nazistas teriam matado muito mais  eslavos ou  judeus do que mataram. Com os recursos, e talvez até mesmo com os exércitos da URSS do seu lado, os nazistas teriam sido muito, muito mais fortes contra a Inglaterra, a França e os EUA. Com os recursos soviéticos e o petróleo de Sakhalin, os japoneses teriam matado muito, muito mais americanos do que fizeram. O fato é que a URSS sob Stálin salvou o mundo do fascismo não apenas uma vez, durante a guerra, mas três vezes: pela coletivização; pelo desbaratamento das oposições direitista-trotskista-militares e também na guerra. Quantos milhões isso dá?

A Verdade – Alguns autores vêm tentando encontrar semelhanças entre Stálin e Hitler, e alguns até chegam a afirmar que o suposto “stalinismo” foi “pior” que o nazismo. Existia realmente alguma ligação entre Stálin e Hitler? 
Grover Furr – Os anticomunistas e os pró-capitalistas não discutem a luta de classes e a exploração. De fato, eles ou fingem que essas coisas não existem ou que não são importantes. Mas a luta de classes causada pela exploração é o motor da história. Então omitir isso significa falsificar a história. Hitler era um capitalista, um anticomunista autoritário de um tipo que é comum em vários países capitalistas. Stálin liderou o Partido Bolchevique e a URSS quando os comunistas em todo o mundo estavam lutando contra todo tipo de exploração capitalista. Sempre que dizemos “pior”, devemos sempre nos perguntar: “Pior para quem?” A URSS e o movimento comunista durante o período de Stálin foram definitivamente “piores que o nazismo”, para os capitalistas. Essa é a razão de os capitalistas odiarem tanto Stálin e o comunismo. O movimento comunista durante o período de Lênin e Stálin, e ainda por um bom tempo depois, foi a maior força de libertação humana da história. E novamente devemos nos perguntar: “Libertação de quem? Libertação do quê?” A resposta é: libertação da classe trabalhadora de todo o mundo, da exploração capitalista, da miséria e das guerras.

A Verdade – Um dos ataques mais frequentes a Stálin é que ele seria responsável pela fome na Ucrânia, em 1932-1933, também chamada de Holodomor. Esta versão da história corresponde ao que realmente ocorreu?
Grover Furr – O “Holodomor” é um mito. Nunca aconteceu. Esse mito foi inventado por ucranianos nacionalistas pró-fascistas, junto com os nazistas. Douglas Tottle comprovou isso em seu livro Fraud, Famine and Fascism(1988). Arch Getty, um dos melhores historiadores burgueses (isso é, não marxistas, não comunistas), também tem um bom artigo sobre isso. Até o próprio Robert Conquest deixou de defender sua antiga versão de que os soviéticos deliberadamente causaram a fome na Ucrânia. Nenhuma sombra de prova que poderia confirmar essa visão jamais veio à luz. O mito do “Holodomor” persiste porque ele é o “mito fundacional” do nacionalismo direitista ucraniano. Os nacionalistas ucranianos que invadiram a URSS juntamente com os nazistas mataram milhões de pessoas, incluindo muitos ucranianos. Sua única “desculpa” é propagandear a mentira de que eles “lutaram pela liberdade” contra os comunistas soviéticos, que eram “piores”.

A Verdade – Deixe uma mensagem para os trabalhadores brasileiros.
Grover Furr – Lutem pelo comunismo! Todo o poder à classe trabalhadora de todo o mundo!

http://averdade.org.br/2011/09/acusacoes-de-kruschev-contra-stalin-sao-falsas/

domingo, 13 de agosto de 2017

Por que o nazismo era de direita

Neonazistas em Charlottesville, EUA

Por Bertone Sousa
A confusão que se faz em relação ao nazismo e aos conceitos de direita e esquerda ainda produz muita desinformação na internet. Recentemente, um importante site de notícias veiculou uma matéria questionando se o nazismo era de esquerda ou direita. Entre os vários especialistas entrevistados não houve consenso sobre o assunto, embora ninguém tenha apontado o regime como “de esquerda”. A falta de consenso se deveu ao fato de uma professora explicar o nazismo como “terceira via”, uma alternativa ao socialismo e ao liberalismo. Isso é verdade, mas é preciso dar nome aos bois: nos anos 1920 e 1930 o que se pode chamar de terceira via era a extrema-direita.
Embora eu já tenha publicado em blog e numa revista acadêmica um artigo de cerca de vinte páginas sobre o tema, vou sumariar neste texto as razões pelas quais o nazismo era uma ideologia de direita:
Não faz sentido definir esquerda e direita pela intervenção do Estado na economia, como costumam fazer aqueles que jogam o nazismo para a esquerda. Esquerda e direita não se definem pelo tamanho do Estado, mas por suas posições sobre as hierarquias sociais e a desigualdade.
A esquerda historicamente luta pela igualdade, a universalização de direitos, a inclusão social e contra hierarquias baseadas em privilégios de nascimento ou do dinheiro.
A direita se define por sua posição a favor das hierarquias; ela é conservadora e não quer mudanças radicais que alterem a ordem social. O nazismo se enquadra aqui porque o nazismo surgiu para manter hierarquias sociais, os privilégios da plutocracia econômica e contra as minorias.
Frente à derrocada do capitalismo liberal após a crise de 1929, o nazismo veio com o capitalismo de Estado para fazer frente ao socialismo soviético e preservar a propriedade privada. O termo “capitalismo de Estado” foi criado para definir essa experiência, ou seja, uma economia regida por um Estado totalitário associado a grupos de empresários e industriais e com imposição de forte disciplina militar sobre as massas.
O partido de Hitler se chamava “Partido nacional-socialista dos trabalhadores alemães”, mas é importante observar que o “nacional-“ vem antes de “socialista” porque é o termo que define a ideologia nazista, ou seja, seu princípio norteador vem do nacionalismo, da crença na superioridade da raça germânica e da necessidade da conquista do espaço vital.
Hitler planejava, após a Segunda Guerra, transformar os povos eslavos do leste europeu em colônias de escravos da Alemanha; eles forneceriam a mão de obra e o trabalho que perpetuariam a grandeza alemã. Por outro lado, o nacionalismo tem raízes conservadoras, apela à tradição, a Deus e ao passado para restaurar ou manter uma ordem social. Com isso, o nacionalismo rejeita os valores da esquerda de universalização de direitos e igualdade.
Paralelamente a isso, o nazismo está relacionado às teorias raciais do século 19, ou seja, foi uma ideologia que exacerbou o darwinismo social e a ênfase no imperialismo, de onde provinha a noção de “comunidade nacional” pensada para exterminar o elemento judeu e marxista (Hitler chamava de “marxista” praticamente toda a esquerda política). O desenvolvimento da Biologia forneceu a fundamentação para as teorias voltadas para a definição de raças melhores ou superiores e o antissemitismo também se tornou um sentimento cada vez mais cultivado até entre intelectuais entusiastas dessas teorias.
Hitler não inventou a noção de uma oposição cruenta entre arianos e judeus, ele aprendeu isso com Houston Stewart Chamberlain. Em Mein Kampf, Hitler sempre enfatiza o racismo como base de seu pensamento.
A propaganda era o carro-chefe do nazismo para obter apoio das massas. Hitler deixou claro em Mein Kampf que era necessário confundir os adversários, copiando suas estratégias de luta ideológica e de ação. O período entre-guerras é conhecido como a era das massas. A ascensão das ideologias coletivistas e do rádio como meio de comunicação deram o tom a uma época marcada pelo extremismo. Nesse sentido, usar a cor vermelha e até o nome socialismo como forma de atrair o apoio das massas fazia parte da estratégia adotada por Hitler em sua escalada ao poder.
Nazismo e socialismo não podem ser nivelados pela quantidade de vítimas que fizeram, mas por seus objetivos finais: enquanto o extermínio das “raças inferiores” era o objetivo último do nazismo, a sociedade sem classes e sem hierarquias de qualquer teor (racial, econômica, nacional, etc.) era o fim último do socialismo. Hitler e seus seguidores tinham aversão por todos os movimentos de esquerda. Ainda em 1930, mais de vinte militantes socialistas abandonaram o Partido Nazista quando perceberam que os ideais do socialismo não tinham lugar ali.
O nazismo era uma ideologia voltada para a exclusão, a perseguição e o extermínio; representou a negação mais radical dos valores do Iluminismo (do qual o marxismo e as esquerdas são herdeiros) e nada poderia estar mais à direita do que isso.
Para o leitor que quiser uma leitura mais aprofundada, com referências teóricas e discussão historiográfica, recomendo meu artigo Nazismo, socialismo e as políticas de esquerda e direita na primeira metade do século XX, publicado na Revista Brasileira de História & Ciências sociais.