sábado, 29 de setembro de 2012

O cordeiro, a cordeirinha, o Lobo Bão e outros bichos





Roubartilhado do blog do Gilson Sampaio


Fernando Soares Campos


Quase todos nós conhecemos a fábula do cordeiro que estava bebendo água num riacho, na parte de baixo, e foi interpelado por um lobo que o acusava de estar sujando as águas do lado de cima do córrego. Depois de bate e rebate em que o lobo desdobrava suas acusações, o cordeiro foi finalmente abocanhado pelo cruel predador. Isso aconteceu há muitos anos, quando os bichos ainda falavam um onomatopaico dialeto que criaram ouvindo contrabandistas franceses de pau-brasil.

Entretanto, quelques années plus tard, os bichos inventaram outro idioma, o portinglês, e nova história se desenrolou com um enredo às avessas em determinados pontos.

Era outra vez outro cordeiro... Certo dia ele decidiu escalar um aclive muito íngreme na mata. Com muito suor, vencendo toda sorte de obstáculo, pedras e cascalhos foram ficando pra trás; ele tomava cuidados e desvios, até que alcançou o topo do morro. Em lá chegando, ficou deslumbrado com a paisagem, um cenário pitoresco, terrivelmente fascinante, capaz de deixar qualquer animal alheado. E foi assim que, por uns momentos, o bicho ficou: absorto nos próprios pensamentos.

O canto e o voo dos pássaros, o estridular de grilos e cigarras, o farfalhejar das copas das árvores, o coaxar dos sapos... e até o arrulhar da rolinha, tudo isso o encantou, de tal forma que quase não ouvia outros animais, não notou que, nem tão longe, porcos-espinhos grunhiam, raposas regougavam, araras taramelavam, veados bramiam, cobras sibilavam, ratos chiavam e até um insaciável lobo ululava. Ora, é ululante! Lobos ululam.

Distraído, o cordeiro passou a mordiscar a verdoenga relva, em seguida resolveu bebericar no riacho. Só então, ouviu uma voz tarameleira que vinha de cima e uma árvore:

– Você está sujando as águas cristalinas do riacho! – taramelou uma arara – Não vê que o nosso líder, o Lobo Bão, está bebendo logo abaixo? Faz algum tempo que ele anda indisposto, por isso não tem subido o morro pra beber onde sempre bebeu, aí na cabeceira.

No primeiro instante, o cordeiro assustou-se, estremeceu, fora pego de surpresa. Mas se recompôs e retrucou:

– Impossível eu estar sujando as águas do riacho, pois minha língua sempre foi limpinha, limpinha! Duvido até que nesta mata exista animal com a língua mais limpa que a minha.

Lá de baixo o Lobo ululou:

– Você está dizendo que minha língua é mais suja que a sua?!

– Não tive essa intenção. Quero apenas dizer que pode até ter língua igualmente limpa, mas mais limpa que a minha, não

– Mas o fato é que você está sujando sim as águas cristalinas do riacho.

– Tá bem, vamos admitir que, de certa forma, poluí as corredeiras com minha saliva. Mas isso vai acontecer sempre que qualquer animal vier beber aqui em cima, na nascente; principalmente os de língua ferina, ágeis, que revolvem e turvam as águas. Eu até que estou me comportando educadamente, lambendo devagar – deu uma olhada em sua volta, ergueu os olhos e apontou a arara –. Ela disse que o senhor costumava beber aqui, então...

– Então?! Então o quê?! Você quer dizer que eu também sou porco como você?! Pois fique sabendo que, quando eu bebia aí em cima, usava canudinho de bambu!

– Acontece que não tem mais bambu por essas bandas. Os nativos cortaram tudo pra fazer cadeiras, mesas e artesanatos decorativos.

– Sonso! Agora está culpando os artesãos. Isso é calúnia! Como estou me sentindo um pouco cansado, não vou subir até aí pra lhe dar o corretivo que merece, mas vou levar o caso ao Senhor Corvo. Com certeza ele haverá de julgar sua insolência e injúria. E vai cassar seu suposto direito de beber água na cabeceira, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

“Os lobos ululam e a caravana passa, cabreira, mas passa” – pensou o cordeiro.

Irritado, o lobo afastou-se banzeiro, rangendo os dentes, rosnando qualquer coisa ininteligível, e foi fornicar na sua furna.

O caso provocou certa dor de cabeça no cordeiro, mas tudo parecia ter-se resolvido, e ele foi ficando lá no alto, mordiscando a relva e bebericando no riacho...

O tempo foi passando, o cordeiro estreitou relações com alguns animais, como a coruja, o sapo, que, por descuido, ele quase engoliu enquanto pastava, com micos e macacos, grilos e cigarras, formigas e cupins, também com alguns tamanduás. Até já havia esquecido a querela com o Lobo.

Certo dia, o cordeiro estava brincando de cabra-cega com uma cordeirinha sua amiga, aí, sem o quê nem pra quê, ele sugeriu:

– Amiguinha, vem comigo tomar água na nascente do riacho.

– Na nascente?! Olha, amigo, nos últimos tempos tenho tomado água da nascente, como todos os animais da mata, mas aqui um pouco abaixo da cabeceira. Não é a mesma água?

– É, mas você precisa ir lá em cima, vai ver que bela paisagem, ventos uivantes e brisas suaves se alternam. Às vezes a paz é tanta que a gente chega a cochilar na relva...

– E as formigas não picam a gente?

– As formigas? Que nada, amiga! As formigas são mansinhas e estão mais preocupadas em abastecer os formigueiros com picadinhos de folha e outras migalhas. O perigo mesmo é ser ferroado por um escorpião, ou mesmo picado por uma cobra. Mas vale a pena ficar lá por uns tempos.

Então, os dois decidiram subir o morro naquela primavera com cara de verão. O cordeiro, já bastante experiente, ensinou a cordeirinha a escalar o aclive vencendo pedras e cascalhos...

Chegaram lá em cima um tanto gastos, mas felizes. A bicharada, que assistia a tudo por todo canto, até desconfiou que daquele mato sairia coelho, pois os dois trocavam olhares insinuantes, lânguidos até – dir-se-ia.

Incerto dia de lua cheia, o lobo, que contava com os préstimos de arapongas por todos os recantos da mata, foi informado de que o cordeiro saíra mata adentro em busca de ervas fresquinhas e até flores para presentear a cordeirinha.

O velho lobo maquiavélico reuniu a matilha numa caverna cavernosa cuja entrada é camuflada pela lâmina d’água de uma cachoeira. Ali, pela madrugada, bolaram um plano: enviar um convite à cordeirinha.

Ao lusco-fusco do anoitecer, um urubu-correio pousou no galho seco de uma árvore e soltou a encomenda na relva. A cordeirinha apanhou o bilhete e o leu:

“Dear, querida, eu sou seu brother irmão e estou muito preocupado com você. Aquele cabra-cordeiro, depois de comer toda a relva comível, escafedeu-se, qual vagamundo que é, deixando you aí sozinha nesse posto avançado. A estiagem prolongada está ressequindo a mata. Essa foi a herança que ele lhe deixou. Mas nem tudo está perdido, querida darling, venha abrigar-se em minha furna. Aqui você será tratada como uma rainha queen.

Kisses

Lobo Bão”

A cordeirinha se abalou. “Tem fel nesse mel”. Correu até a beira do platô do morro e gritou a pulmões soltos, fazendo sua voz ecoar por toda a mata:

– Socorro, cordeirinho! Volte logo! O Lobo Bão quer me comer!

Moral: Lobo amoral pensa que toda cordeirinha veste casaco de vison e roda bolsinha em Pigalle.

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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons

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PressAA

Vale tudo contra o Irã

Roubartilhado de  Olhar o Mundo
Luiz Eça
Os EUA acabam de deslegitimar a sua Guerra contra o Terror.

Tirou da lista de terroristas o notório MEK (Mujahedin-e-Khalk), que ali havia sido inscrito pelo Departamento de Estado há 15 anos.

O MEK nasceu no Irã onde praticou uma série de atentados a bomba, raptos e assassinatos nos anos 70, inclusive contra cidadãos americanos.

Inicialmente, aderiu à revolução islâmica de 1979. Tendo sido afastado do poder, caiu na clandestinidade, onde voltou a praticar atos terroristas.

Perseguido pelo governo iraniano, o movimento deslocou-se para o Iraque.

Foi bem recebido pelo ditador Sadam Hussein, que utilizou seus serviços na guerra contra o Irã.

Posteriormente, o MEK participou de massacres promovidos pelo governo contra curdos e xiitas.

Quando George Bush quis justificar a invasão do Iraque, alegando o apoio de Saddam Hussein a movimentos terroristas, o MEK foi citado expressamente como um dos beneficiários.

Com a invasão e ocupação do Iraque, os membros do movimento foram confinados no Campo Aasraf, de onde não deveriam poder sair livremente.

No entanto, segundo o FBI, o MEK continuou a realizar ações terroristas até 2004.

O US News noticiou que o Departamento de Estado, em 2007, havia prevenido o governo de que o MEK continuava mantendo a capacidade e as intenções de promover atentados a bomba, seqüestros e assassinatos na Europa, EUA, Oriente Médio, Canadá e outras regiões.

Apesar dessas denúncias, o MEK, há alguns anos, alegou que havia abandonado o terrorismo desde janeiro de 2001.

E lançou uma campanha milionária de Relações Públicas cujo objetivo era convencer o Departamento de Estado a retirar seu nome da lista de movimentos terroristas.

Em 2011, já haviam conseguido a adesão de um grande número de antigos membros do governo americano e dos serviços de inteligência, jornalistas e congressistas dos dois partidos.

Vários receberam substanciais cachês para dar palestras sobre o MEK, defendendo sua retirada da lista dos movimentos terroristas.

O Christian Science Monitor referiu-se a eles como “Essas ex-autoridades de alto nível – que representam todo o espectro político- às quais foram pagos dezenas de milhares de dólares para falar em favor do MEK’.

Entre elas, estavam os democratas Howard Dean (ex pré-candidato democrata à presidência), Ed Rendell, Bill Richardson e Lee Hamilton; os republicanos Ruddy Giuliani (ex prefeito de Nova Iorque), Fran Townsend, Tom Ridge e Andrew Card; o neocom John Bolton (ex embaixador dos EUA na ONU) e o líder judaico-americano Elie Wiesel.

Enquanto todas estas respeitáveis pessoas juravam que o MEK tinha entrado no time dosgood guys, renunciando a suas atividades terroristas, os fatos provavam o contrário.

Em fevereiro deste ano, o programa de TV, NBC News, informava, citando autoridades americanas, que os ataques mortais contra cientistas nucleares iranianos foram cometidos pelo MEK, “financiado, treinado e armado pelo serviço secreto de Israel”.

O governo iraniano confirmou essa acusação.

A NBC também referiu “informações não confirmadas da imprensa israelense de que o MEK esteve envolvido na explosão que destruiu o centro de pesquisas e desenvolvimentos de mísseis do Irã, em Bin Kaneh.

Em abril, o jornalista Seymour Hersh (premio Pulitzer) informou que os EUA forneceram durante anos treinamento a militantes do MEK em solo americano. Fato considerado crime de felonia pelas próprias leis dos EUA , pois se tratava de apoio a movimento terrorista, o que é terminantemente proibido.

Nada disso foi levado em conta por 99 congressistas – democratas e republicanos- que assinaram uma resolução pedindo que os chamados “guerreiros sagrados” fossem retirados da lista dos bad guys.

Para ajudar a convencer esse pessoal, o MEK contratou algumas das maiores firmas de lobby dos EUA.

À Victoria Toensing of DiGenova & Toensing, foram pagos 110 mil dólares e Akin, Gump, Strauss, Hauer & Field escalaram 5 lobistas para trabalhar os congressistas, recebendo 390 mil dólares. Paul Marcone & Association também deram uma forcinha, por 10 mil dólares.

O principal argumento usado em todas as frentes da batalha de comunicação empreendida pelo MEK foi os bons serviços que ele prestou e prestará, praticando atentados contra o Irã. Isso seria justificado, pois “o inimigo do meu inimigo, meu amigo é.”

A campanha do MEK foi vitoriosa.

Seu nome vai sair da lista negra. De agora em diante, poderão receber financiamentos particulares e verbas do Congresso para suas ações terroristas no Irã.

Para a oposição iraniana democrática, foi uma decisão desastrosa.

Antes dela ser conhecida, um manifesto do Movimento Verde, que contesta o governo Ahmadinejad, dizia : ‘’Remover o MEK da relação dos movimentos terroristas fortaleceria os linha dura do Irã para intensificar sua repressão e desacreditar o Movimento Verde, acusando-o de estar ligado ao grupo MEK, detestado em todo o país, e facilitando a supressão da oposição política iraniana.”

Comentando a aprovação, assim falou Jamil Abdi, Presidente do NIAC (união iraniano-americana), que une nos EUA os iranianos anti-regime dos aiatolás : “Hoje o maior vencedor é o regime do Irã, que há muito tempo acusa os EUA de querer destruir o país e ser inimigo do povo iraniano. Esta decisão será apresentada como uma prova de que os EUA estão acumpliciados com um grupo terrorista ultrajante e conseguirá grande receptividade para esse falso argumento.”

Acho que a “cristianização” do MEK passa a idéia de que, para a Casa Branca, terrorismo condenável é só quando atinge Tio Sam ou seus aliados.

Ou como disse funcionário do alto escalão do Departamento de Estado: “Poderemos estar tirando eles da lista do terror para que possam fazer mais terror.”

Sem provas contra Assange


por Rui Martins



Uma pergunta que não quer calar: como se explica o fato de a ação na Suécia contra Julien Assange, o fundador do site Wikleaks, praticamente ter saído do noticiário? O que terá acontecido?

Notícias procedentes da capital sueca, quase não divulgadas, dão conta de que os advogados de defesa de Assange descobriram que o material de prova sobre o qual se baseou toda a acusação até agora não contém DNA do acusado.

O fundador do WikiLeaks vem sendo acusado de ter abusado sexualmente de uma mulher e por isso foi aberta uma ação penal contra ele. Como se sabe, por temor de ser extraditado da Suécia para os Estados Unidos, onde pode até ser condenado à morte ou pegar prisão perpétua, Assange pediu asilo ao Equador e se encontra na Embaixada daquele país em Londres à espera do governo britânico permitir a viagem para Quito.

Os advogados de Assange, com base em relatório de cem páginas da investigação policial que contém os depoimentos das vítimas e laudos periciais, demonstraram que o material recolhido do preservativo apresentado como prova pela mulher que se diz vítima de estupro não contém DNA do acusado.

Os advogados encaminharam pedido para que se investigue a possibilidade de a acusadora ter encaminhado material falso à polícia, o que, se comprovado, acarretará a anulação de todo o processo. Aguarda-se agora manifestação do Procurador Geral da Justiça sueca sobre o relatório da investigação policial.

Assange não pode correr o risco de sair de Londres rumo a Suécia, porque se isso acontecer, a Justiça de lá poderá conceder o que os Estados Unidos tanto querem, ou seja, a extradição para julgá-lo e condená-lo à pena rigorosa.

Inicialmente, o governo britânico, acenou com a possibilidade de prender Assange, até mesmo invadindo a sede da embaixada equatoriana. Mas diante das pressões limitou-se a dizer que não permitiria a saída do local rumo ao aeroporto.

Houve protestos em várias partes do mundo, porque o governo britânico está subvertendo a legislação internacional de concessão de asilo político. Se acontecer algo com Assange estará sendo aberto precedente que na prática fará cair este instituto consagrado em lei.

Já no mundo islâmico, que continua conflagrado, o episódio que culminou com a morte do embaixador estadunidense, Cristopher Stevens, em Benghasi, continua sendo objeto de muita controvérsia.

O jornal britânico The Independent, por exemplo, divulgou informação segundo a qual as mortes do diplomata e três guarda-costas ocorreram por séria falha da segurança em Benghasi, que por sinal não era propriamente a sede do consulado, mas apenas um local onde funcionários estadunidenses se reuniam.

Já se tornou pública a informação de que o Departamento de Estado norte-americano 48 horas antes da eclosão do protesto, supostamente contra um filme satirizando Maomé, havia prevenido sobre a possibilidade de ataques no Egito, na Líbia e demais países de religião islâmica. Mas apesar disso, os diplomatas não foram alertados para que se colocassem em estado de alerta elevado. O serviço de segurança da embaixada dos EUA na Líbia chegou até a garantir que Stevens poderia ir a Benghazi tranquilamente.

Outra hipótese que está sendo aventada é a de que o que aconteceu em Benghazi poderia ter sido uma resposta também a ação de drones (voos não tripulados que atingem alvos em terra), especialmente o que resultou no assassinato no Paquistão de Mohammed Hassan Qaed, cujo nome de guerra como agente da AL Qaeda era Abu Yahya al-Libi. O material bélico utilizado, inclusive foguetes, leva a crer que o protesto não foi tão espontâneo, mas devidamente organizado.

Na verdade, extremistas estadunidenses, inclusive apoiadores de Israel, estão a todo momento instigando ódio contra os islâmicos em cartazes com dizeres ofensivos e que terminam exortando a população a apoiar incondicionalmente Israel.

O clima de tensão aumenta visivelmente. Se não teve início ainda uma guerra declarada, em termos verbais a temperatura sobe a cada dia. O governo extremista de Benyamin Netanyahu ameaça diariamente bombardear instalações nucleares iranianas e em resposta às autoridades de Teerã advertiram que se forem atacados vão destruir Israel.

O mundo observa com cautela o aumento da tensão. Se o desejo de Netanyhau não for contido e ocorrer algum bombardeio as consequências não serão restritas a Israel, mas atingirão todo o planeta.

Outra pergunta que não quer calar: até que ponto os cartazes anti-islâmicos afixados nos coletivos em Washington não teriam o objetivo de criar um clima para demonstrar a inevitabilidade de uma guerra, como desejam e demonstram claramente os defensores incondicionais do governo de Benyamin Netanyahu e seus seguidores nos EUA?

É possível, mas não se pode garantir, que apesar do desejo de Netanyahu, um bombardeio às instalações nucleares do Irã não ocorrerá antes de se conhecer o resultado final da eleição presidencial estadunidense. Netanyahu apoia o candidato republicano, porque a linha de ação de Mitt Romney está mais próxima do dirigente israelense e do ministro do Exterior Avigdor Lieberman.

Ah, sim: enquanto tanta coisa acontece em vários países de predomínio da religião islâmica, na Arábia Saudita, aliadíssima dos Estados Unidos, as constantes violações dos direitos humanos cometidas no país da família Saud são absolutamente silenciadas pelas agências de notícias.

Por lá vale a prédica segundo a qual para os aliados (dos EUA) tudo, mas para os inimigos, ameaças e financiamentos de mercenários.

Impunidade de crimes sionistas é condenada na ONU


Roubartilhado de Gilson Sampaio

A vice-Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU considerou inadmissível que os crimes israelenses cometidos na Palestina prossigam sem punição. A declaração foi feita dias depois de se assinalarem os 30 anos do massacre de Sabra e Chatila.

Durante uma sessão do Conselho dos Direitos Humanos, realizada segunda-feira, na qual Israel não esteve presente em sinal de protesto, Kang Kyung-wha advertiu que as autoridades israelenses têm de adotar medidas que conduzam ao fim das violações dos direitos humanos dos palestinos e, simultaneamente, combatam a impunidade que as tem dominado.

A responsável referia-se aos crimes sionistas praticados em 2008 e 2009 durante o ataque militar contra a Faixa de Gaza. “Há quase três anos que este Conselho tomou conhecimento das recomendações da missão de investigação [relatório Goldstein]. No entanto, ainda ninguém foi indiciado”,disse, de acordo com a Lusa.

Para Kyung-wha, as sentenças, quando existem, devem também ser proporcionais aos crimes cometidos, o que não acontece, acusou, exemplificando com o caso de um soldado israelense condenado recentemente a 45 dias de cárcere pela morte de duas palestinas que erguiam uma bandeira branca durante a operação “Chumbo Fundido”, na qual, de acordo com as Nações Unidas, pelo menos 1400 palestinos foram mortos, mais da metade dos quais civis.























O documento apresentado em Genebra criticou ainda a ação impune dos colonos israelenses contra a população palestina e as suas respectivas propriedades e meios de subsistência.

O caso paradigmático apresentado ao Conselho dos Direitos Humanos pela vice-Alta Comissária foi o de um ataque com um coquetel molotov contra uma família palestina da Cisjordânia. Entre as vítimas, que continuam hospitalizadas dada a gravidade dos ferimentos, está uma criança de seis anos.

“Inicialmente, Israel deteve três filhos de colonos, mas ao fim de cinco dias os suspeitos foram libertados mantendo-se em prisão domiciliar”, relatou a responsável, citada pela EFE.

Kang detalhou igualmente o caso da família Daraghmeh, residente no Norte da Cisjordânia, que apesar de ter apresentado dezenas de queixas à polícia em resultado do roubo e destruição de 850 oliveiras, e ter sido obrigada a requerer 35 intervenções médicas devido a ataques de colonos, continua a aguardar que as autoridades procurem e castiguem os responsáveis.

Dados da ONU indicam que só entre 1 de Agosto e 11 de Setembro, 426 oliveiras foram destruídas em 25 episódios de violência atribuídos a colonos. A isto acrescenta-se a destruição de 465 estruturas de palestinos na Cisjordânia ou em Jerusalém desde o início deste ano, 136 das quais habitações, provocando a expulsão de quase 700 pessoas.

No dia seguinte à apresentação do relatório, Israel decidiu encerrar durante dois dias todas as entradas e saídas da Faixa de Gaza e Cisjordânia. A justificativa é a celebração do… Dia do Perdão (Yom Kippur), a mais importante festividade do calendário judaico.

30 anos de Sabra e Chatila

A denúncia feita perante o Conselho dos Direitos Humanos ocorreu dias depois de se ter assinalado 30 anos sobre o massacre de Sabra e Chatila. Na Palestina, mas também entre as comunidades da diáspora palestina, o genocídio ocorrido em Setembro de 1982 durante a invasão israelita do Líbano foi recordado, bem como a impunidade que, deste então, vigora.

No campo de refugiados de Sabra e Chatila foram assassinadas entre 800 e 3500 pessoas. O então ministro da Defesa de Israel, Ariel Sharon – que posteriormente ocupou o cargo de primeiro-ministro –, foi considerado “responsável indireto” pelo massacre. Nunca ninguém foi levado perante a justiça, lamentaram os familiares das vítimas.



Ariel Sharon - Ronald Reagan
Por ocasião dos 30 anos do genocídio, foram também divulgados documentos desclassificados por Israel que indicam que entre Tel Aviv e Washington houve uma comunicação estreita durante os três dias do massacre.

As informações, publicadas pelo New York Times, atestam que o responsável diplomático norte-americano no Líbano, Morris Draper, não estaria totalmente ao corrente da ação dos milicianos protegidos pelo exército israelita, mas, não obstante, terá sido conivente com o prolongamento da ocupação de Beirute por parte das forças armadas sionistas, precisamente por mais 48 horas, isto é, tempo suficiente para a “limpeza” em Sabra e Chatila, como a denominava Sharon.



George Shultz e Ronald Reagan
Na época, foi o próprio secretário de Estado dos EUA, George Shultz, quem admitiu que a administração Regan não havia feito tudo para evitar o massacre, uma vez que, justificou-se, “confiou na palavra de israelitas e libaneses”.

Fonte: Avante, Vermelho
Imagem: Google (colocadas pelo blog do Gilson Sampaio)

A Al-Qaeda ainda tem importância?


Tudo sobre a história desta organização e as suas relações com governos e movimentos tem sido controverso. Habitualmente, a ênfase nos Estados Unidos é posta em como o seu poder está sendo efetivamente contido pelas diferentes modalidades de ação militar, tornando-a uma ameaça em declínio. A principal ênfase no Oriente Médio parece ser a oposta, que a organização sobreviveu a tudo o que foi feito para decapitá-la e que continua a representar uma importante ameaça a todas as forças políticas na região. O artigo é de Immanuel Wallerstein.

Immanuel Wallerstein - Esquerda.net
No 11º aniversário do que ficou conhecido como o 11 de Setembro, a Al-Qaeda continua a ser um assunto repetidamente discutido, tanto nos Estados Unidos (e no mundo pan-Europeu em geral) quanto no Oriente Médio. Habitualmente, a ênfase nos Estados Unidos é posta em como o seu poder está sendo efetivamente contido pelas diferentes modalidades de ação militar, tornando-a uma ameaça em declínio. A principal ênfase no Oriente Médio parece ser a oposta, que a organização sobreviveu a tudo o que foi feito para decapitá-la e que continua a representar uma importante ameaça a todas as forças políticas na região.

Tudo sobre a história da Al-Qaeda e as suas relações com governos e movimentos tem sido controverso. Há pouco acordo mesmo em relação a fatos que dizem respeito aos acontecimentos mais importantes.

Comecemos com o próprio 11 de setembro. Em primeiro lugar, temos de distinguir três momentos no tempo: os cerca de seis meses antes do 11 de Setembro; o próprio dia; e o ano que se seguiu.

A última narrativa plausível relacionada aos cerca de seis meses anteriores ao 11 de Setembro parece indicar que a CIA e outras agências de espionagem nos Estados Unidos avisaram o presidente e os seus conselheiros de segurança que a Al-Qaeda estava preparando um ataque letal.

Foram ignoradas. Porquê? Parece que os neoconservadores na administração dos EUA – que eram uma camarilha considerável, incluindo o vice-presidente Dick Cheney e o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld – negaram a sua plausibilidade argumentando que a Al-Qaeda não era competente para representar uma grande ameaça. Os neocons disseram que as agências de espionagem estavam incorretamente dando crédito ao que era uma mera fanfarronice, cujo objetivo era desviar a atenção da ameaça real aos Estados Unidos, que era Saddam Hussein e as suas alegadas armas de destruição maciça.

Há um certo número de críticos de esquerda que sugerem que um debate como este dentro da administração americana nunca ocorreu. A sua explicação é que o 11 de Setembro na verdade foi planejado pelo próprio governo como forma de mobilizar a opinião pública para uma guerra no Iraque. Trata-se, evidentemente, de teorias da conspiração. Não tenho nada de per se contra as teorias de conspiração. Há constantemente conspirações reais.

Mas nunca achei que esta fosse no mínimo plausível. O argumento baseia-se na inerente improbabilidade de que uma organização como a Al-Qaeda pudesse reunir as capacidades técnicas e o planeamento tático necessário para desferir os ataques e as explosões. É o mesmo argumento acerca da Al-Qaeda que os neocons deram noutra narrativa.

Francamente, eu penso, e sempre pensei, que este argumento é profundamente racista. Implica que aqueles “fulanos fanáticos do Terceiro Mundo não podem ser tão espertos.” Mas podem, e acredito que foram. Em qualquer caso, a Al-Qaeda tem-se vangloriado da proeza desde então. E hoje não há governo, seja no mundo pan-Europeu ou no Médio Oriente, que esteja disposto a apostar na suposta incompetência técnica da Al-Qaeda.

O ponto seguinte é o do próprio dia. Aqui, estou muito mais inclinado a dar crédito à teoria conspirativa. Há muita coisa dúbia acerca da resposta do governo dos EUA aos ataques. Os aviões enviados para combater os ataques foram-no demasiado tarde. O presidente George W. Bush parece ter sido mantido alheio à informação demasiado tempo, tornando Cheney o tomador de decisões de fato. Rumsfeld parece ter preparado quase instantaneamente uma forma de ligar Saddam Hussein, da maneira mais implausível, aos ataques.

Em resumo, os neocons tiraram vantagem dos ataques para a sua há muito tempo desejada e planeada guerra do Iraque. No ano que se seguiu ao 11 de Setembro, eles assumiram o controle da administração dos EUA e sufocaram todas as vozes dissidentes. Tiveram as suas guerras, primeiro no Afeganistão e depois no Iraque. O mundo inteiro, incluindo os Estados Unidos, ainda sofre hoje as consequências destas injustificadas e injustificáveis guerras.

Que aconteceu à Al-Qaeda? Parece que, no início, a Al-Qaeda era uma pequena estrutura, estritamente controlada por Osama bin Laden. Primeiro, os ataques de 11 de Setembro e depois as guerras desencadeadas pelos EUA aumentaram grandemente o seu prestígio no mundo muçulmano e atraíram pessoas que aderiram à estrutura. Também atraiu outras organizações a um compromisso de lealdade à Al-Qaeda, levando-as a remodelarem-se, sem contudo se submeterem realmente a uma disciplina central.

Os Estados Unidos e os seus aliados começaram efetivamente a matar muitos quadros líderes da Al-Qaeda, incluindo, finalmente, o próprio Osama. Mas a Al-Qaeda mostrou a capacidade de ser um monstro de cabeça de hidra, renovando constantemente os quadros caídos. E parece também que as forças centrais da Al-Qaeda nunca foram capazes de constituir uma rede mundial, apesar de serem um símbolo do ressentimento profundo e uma aspiração de um califato reconstituído.

A chamada Primavera Árabe criou uma nova abertura para a Al-Qaeda. Enfraqueceu a legitimidade de todos os governantes dos estados árabes sem exceção. A questão passa a ser que forças políticas irão então chegar ao poder. Isto levou a lutas prolongadas dentro de cada um destes estados, algumas das quais mais sangrentas que outras.

A mais forte oposição à Al-Qaeda hoje não é a dos Estados Unidos, mas de outras forças políticas dentro destes estados. Estamos ainda na fase inicial destas lutas políticas. O ataque das forças salafistas à embaixada dos EUA em Bengazi, que levou à morte do embaixador, pode ser apenas o início deste ressurgimento. Ainda é muito cedo para dizer que a Al-Qaeda deixou de ser relevante.

(*) Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net

Entrevista com Leandro Konder











Via  blog do Gilson Sampaio
“O século 20 foi um período terrível porque nos ensinou que as pessoas se apegam facilmente em certezas”.
Leandro Konder
O professor e intelectual afirma que a academia não deu a importância devida ao filósofo Karl Marx e analisa os rumos da ideologia política nos tempos atuais

Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Leandro Konder trabalha na fronteira entre a história, a arte e a própria filosofia, a qual define como “busca ilimitada por ponderação”. Se o exercício do pensamento tem de vir acompanhado da síntese, assim adverte Konder, a atividade intelectual tem de ser realizada por meio da ação transformadora.

A vida do pensador brasileiro nascido em 1936, em Petrópolis, Rio de Janeiro, sempre foi coerente com tal afirmação. Filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro nos anos de 1950 e permaneceu militante até 1982. Herdou a convicção política do pai, o comunista Valério Konder. Durante a ditadura militar foi preso e torturado, o que o obrigou a sair do país.

Na Alemanha, ingressou na Universidade de Bonn Rhein, onde deu início aos estudos de Filosofia. Voltou ao Brasil em 1978 para concluir seu doutorado. Por aqui, foi o responsável por disseminar a doutrina marxista no meio acadêmico, com a tradução de obras de Georg Lukács e Antonio Gramsci. A oportunidade veio de sua colaboração na Editora Civilização Brasileira, ao lado do editor Ênio Silveira. Leandro Konder prefaciou Concepção Dialética da História, primeiro volume de Gramsci lançado no Brasil.

A partir da publicação de seus mais de vinte livros, entre eles, Marxismo e Alienação (1965); Os Marxistas e a Arte (1967); A Derrota da Dialética (1987); Lukács (1980); e Walter Benjamim, o Marxismo da Melancolia (1988), torna-se importante articulador dos conceitos da estética no campo da cultura. Principalmente pelo aprofundamento na obra de Georg Lukács e Walter Benjamin.

Leandro Konder dialoga, também, com Franz Kafka em Kafka, Vida e Obra (1966); com Bertold Brecht em A Poesia de Brecht e A História (1996); e flerta com a escrita ficcional em A Morte de Rimbaud (2000). Em entrevista à Revista E, realizada em dois momentos diferentes, por questões de saúde do filósofo, afirma: “Ao lutar pela arte, luta-se por uma sociedade mais justa, mais humana”.

Mas vê com ressalvas o aparelhamento da arte por meio da indústria cultural. “A arte não vai nos livrar dessa carga pesada que o capitalismo coloca em nossos ombros.” Aos 75 anos, finaliza a entrevista com um balanço positivo de suas ações políticas e convicções. “A gente aprende a brigar. Por fim, melhor participar da vida do que ficar ausente.”

“Se você encontrar hoje um intelectual que diz ter em mãos um livro que irá mudar todo o rumo da nossa vida, vai ficar desconfiado. Esse otimismo não é sinal de muita lucidez”

Caso Lênin não tivesse lido Karl Marx, não tivesse posto suas teorias em circulação por meio da Revolução Russa, o alemão seria apenas um obscuro filósofo do século 19?
Marx era um filósofo competente. Há uma tese de que ele foi prejudicado na medida em que não foi reconhecido como filósofo. Marx ficou sendo um crítico da política, um crítico da economia e não foi aproveitado como crítico da filosofia. A crítica do mercado não pode ser calcada em sua obra. A obra de Marx reflete uma experiência histórica importante, mas limitada. Ele não enxergou todos os problemas da economia de mercado.

E nós não nos aprofundamos em sua obra o suficiente para lê-lo como filósofo. Marx tem observações fundamentais sobre a relação do homem com os problemas que o isolam. Vai além sobre a teoria do mercado, denunciando com muita lucidez esses sistemas. Agora, foi mal aproveitado, por várias razões. Uma delas é que os Manuscritos de 1844 – que são brilhantes – só foram publicados em 1932. Mas, sem dúvida, depois de Hegel, é o filósofo mais importante da era moderna.

Certa vez o senhor reiterou o que Karl Marx dizia: não se pode negar o lado criativo do capital. Observa-se que toda a crítica feita ao capitalismo, em especial no âmbito das artes, é transformada em produto. Como analisar esse processo?
O mercado mostrou uma vitalidade, uma força monstruosa, e nós não discutimos suficientemente de onde vem essa força. As pessoas se orientam em função das razões de mercado e fico preocupado com isso; não é possível que a humanidade tenha chegado a esse conformismo. Preocupa o fato de nós não termos conhecimento, domínio teórico para combatê-lo.

O comunismo não deu certo, o movimento comunista falhou. Agora isso não quer dizer que precisamos nos conformar com o funcionamento do capitalismo que nos envolve. Acho que temos que procurar um outro caminho, outras soluções para velhos problemas.

“A filosofia está condenada a uma busca ilimitada por ponderação, por equilíbrio. Uma síntese eficaz exige certa contenção. Essa síntese, para a filosofia, é imprescindível”

A ideologia morreu também dentro desse contexto do novo capitalismo?
Anos atrás, escrevi um livro chamado A Questão da Ideologia (Cia. das Letras, 2002). E aí encontrei um amigo, marxista, que me perguntou: “Você escreveu um livro chamado A Ideologia? Eu disse: não, escrevi um livro chamado A Questão da Ideologia. Ele disse: “Que alívio!”.

Quer dizer, dentro do universo acadêmico há toda uma pretensão em discutir sobre ideologia. Porém, abandoná-la seria um prejuízo fatal. A ideologia nos incita a pensar, a refletir criticamente sobre as construções do espírito humano, inclusive sobre as construções do espírito da direita. A direita é poderosa, nós chegamos a essa situação de privilégio da direita porque trabalhamos mal.

O conceito de esquerda e direita está fora de moda?
Acho essa cisão estimulante. A esquerda quer fazer as maiores mudanças possíveis e a direita quer preservar o poder o quanto pode. No Brasil, as coisas são meio confusas, porque a direita se aliou a setores hegemônicos da esquerda.

E a esquerda está intimidada, confusa diante desse monumental poderio criado pela direita. Há uma crise de parte da esquerda. Essa crise precisava ser estudada à luz de muitos esclarecimentos. Se você encontrar hoje um intelectual que diz ter em mãos um livro que irá mudar todo o rumo da nossa vida, vai ficar desconfiado. Esse otimismo não é sinal de muita lucidez.

Não se fala mais em utopias, revoluções. Mas ouvimos constantemente as palavras “meta” e “produtividade”. Qual sua visão sobre essa mudança de paradigmas?
A palavra utopia carrega sempre ambiguidades. Utópico é uma maneira de lidar com o futuro, percebendo de maneira confusa que o futuro a nós pertence. Então é preciso elaborar um projeto que ajude a lidar com essa confusão. A utopia foi desprezada, entre os marxistas, um pouco cedo demais. Isso nos remete a um projeto da revolução que foi um projeto ousado, mas mal elaborado.

Os utopistas nos ajudam a pensar coisas que normalmente deixamos de lado. Têm ideia de que há uma superioridade racional da ideologia sobre as representações do mercado capitalista. Então, você me pergunta: o que tem de errado na utopia? A utopia não consegue lidar com a questão crucial da ação transformadora. O utopista sonha, mas age pouco.

Como fica a arte dentro da indústria cultural?
A arte resiste à pressão da indústria cultural, mas fica enfraquecida. A indústria cultural é prepotente. Só que, com toda a sua prepotência, não conseguiu eliminar o espaço da arte. Nós vivemos em uma época na qual a indústria cultural está recorrendo a expedientes cada vez mais hábeis. A arte cumpre uma função importante, nos coloca diante de aspectos da experiência humana que não têm sido ainda registrados de maneira eficiente.

A arte nos ajudou, nos séculos 19 e 20, a superar o transbordamento de seriedade entre os intelectuais – que era superficial. Ao lutar pela arte, luta-?-se por uma sociedade mais justa, mais humana. Agora, a arte não vai nos livrar dessa carga pesada que o capitalismo coloca em nossos ombros. Havia um pouco a ilusão de que a luta seria das ideias generosas contra conceitos mesquinhos.

Temos que fazer um esforço de releitura da nossa literatura, das nossas teorias que foram publicadas. Temos que revalorizar a poesia. E revalorizar a filosofia. Filosofar é uma aventura do espírito. O Georg Lukács, Theodor W. Adorno, Horkheimer, Walter Benjamin são autores que refletiram sobre as condições sofridas por que passaram artistas e filósofos.

Como era possível dentro do movimento marxista haver dois pensadores tão díspares: Lukács e Benjamin?
Acho que eles viveram experiências divergentes. Walter Benjamin quis ficar em Paris e frequentava a biblioteca nacional parisiense. O Lukács não tinha facilidade em Paris, então foi para Moscou. E lá surgiu a relação do Lukács com os burocratas soviéticos.

Às vezes, tenho dificuldade em articular um com o outro. O Lukács foi um pensador muito valente na maioria das batalhas que ele travou no campo político e cultural e das propostas dos comunistas para a política da arte. Mas ele não foi santo, teve seus pecadinhos. Já o Benjamin escapou de vir para o Brasil. É um marxista que consegue se dedicar às contradições sociais criadas no âmbito da cultura.

Em 1930, numa época em que os marxistas estavam sendo postos na cadeia, o Benjamin teve a coragem de não ser triunfalista. Examinava os problemas históricos e dizia: “Tem coisa errada. Nós adotamos posições polêmicas que são limitadas”.

Ele era um cara de esquerda, mas da esquerda atenta ao que se passava do outro lado, porque a filosofia está condenada a uma busca ilimitada por ponderação, por equilíbrio. Uma síntese eficaz exige certa contenção. Essa síntese, para a filosofia, é imprescindível. Tem que trabalhar na fronteira, na linha divisória entre a ciência e a filosofia, a arte e a filosofia.

O senhor também escreveu sobre Bertold Brecht. No caso de Brecht, cada vez mais se começa a perceber que, como político, tinha uma força que era forjada no campo estético...
O Brecht talvez seja o maior autor do século 20. Ele era amigo do Walter Benjamin; no exílio fez três viagens à Dinamarca para encontrá-lo. Tem um pioneirismo muito significativo, alguns poemas dele abrem caminho para outros escritores lidarem com o material poético. Tem poemas com estruturas incomuns. Há poema de oito versos, eles vão se retraindo, sem perder o ritmo.

Há um livro seu sobre o Barão de Itararé, um notório anarquista. Usava do humor para desmontar discursos. Um dos casos únicos no Brasil em que o humor foi usado para a política. O que levou o senhor a escrever um livro sobre ele?
Barão de Itararé foi militante do Partido Comunista, tive contato com ele. Era muito brincalhão. Todo humorista tem um pouco de anarquista. O interesse pelo barão ocorreu porque eu estava procurando antepassados. Questionava os meus amigos: qual é o nosso antepassado? Escolhemos o barão, já que os outros fazem concessões demais. Eu li os parnasianos. Os parnasianos são conservadores – não podem ser nossos antepassados.

O senhor foi ligado ao Partido Comunista Brasileiro. Qual era a posição do PCB com relação ao uso da cultura brasileira como instrumento político?
O Partidão tinha um discurso mais interessante do que sua ação política. A ideia era a seguinte: Se não resolvíamos os problemas políticos que nos desafiavam, queríamos resolver os problemas culturais. Trabalhávamos com um material expressivo; sem dúvida. Ele não se constituiu por acaso.

Naquele momento, discutia-se a questão do desenvolvimento nacional e a busca por uma identidade própria como nação. A direita manteve uma posição muito reacionária sobre nossa identidade, que estava sendo construída. No final, havia muita retórica no pronunciamento dos comunistas. E a retórica não funciona adequadamente. Penso que o crítico tem que ter humildade. Toda formulação apresenta limites.

Hoje em dia, como o senhor lida com o tema da fé e da religião?
Alguns companheiros reagiram mal à simpatia de alguns pensadores pela fé. Acho que a sociedade fica muito atrelada a certos personagens religiosos pelo carisma de suas ideias. Mas muitos apresentam um pensamento dogmático, petrificado, aí não dá! Eu entendo que religião não se limita a isso.

“Dentro do universo acadêmico há toda uma pretensão em discutir sobre ideologia. Porém, abandoná-la seria um prejuízo fatal. A ideologia nos incita a pensar, a refletir criticamente sobre as construções do espírito humano”

O senhor é de uma geração na qual era comum morrer pelas ideias...
Fez parte de um projeto que era cultivar e reconhecer a inquietação da polêmica. O século 20 foi um período terrível porque nos ensinou que as pessoas se apegam facilmente em certezas.

O problema de mudanças revolucionárias era que você não conseguia impor coisa alguma. Veja o caso da União Soviética. Eles saíram da guerra bastante machucados.

No passado, o senhor sofreu represálias em nome de uma utopia...
Lembro-me do poema: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Esse problema [tortura, prisão e exílio] ocorreu, mas teve um encaminhamento efetivo. A situação hoje está bem melhor do que na minha época. Agora, o exercício da liberdade ainda é muito precário.

Viu o Egito? A Tunísia? Historicamente, a gente não pode fechar os olhos porque o risco exige uma transformação. A gente se envolve em movimentos sobre os quais não tem domínio, então arrisca a fazer papel de bobo. Eu acho que fiz papel de bobo algumas vezes, aceitei explicações que não eram muito convincentes.

Aceitei mentiras também. A gente aprende a brigar. Por fim, melhor participar da vida do que ficar ausente. Já viu um revolucionário cínico? É uma figura deletéria. ::

“A indústria cultural é prepotente. Só que com toda a sua prepotência, não conseguiu eliminar o espaço da arte”

Fonte: Agência O Globo

DILMA ROUSSF: UM BELO E COERENTE DISCURSO NA ONU





por  Mauro Santayana
O discurso da Presidente Dilma Rousseff na abertura da Assembléia Geral das Nações Unidas foi sóbrio, não obstante o apelo poético – e feminino – das primeiras palavras.

Sóbrio, mas firme, na defesa da posição tradicional do Brasil, exposta por Ruy Barbosa, na Conferência de Haia, há 105 anos. O Brasil vê, em todas as nações do mundo, o mesmo direito de autodeterminação, mas isso não nos exime de manifestar a preocupação com comportamentos nacionais que coloquem em risco a paz e os direitos universais do homem.

Grande parte de seu pronunciamento foi dedicado à situação econômica, com a guerra cambial decretada pelos Estados Unidos e seus aliados, contra os países conhecidos como emergentes. Na realidade, não se trata de países que emergem, mas que resistem historicamente contra o colonialismo imperial, que mudou de tática, mas não mudou de natureza. Foi clara a sua posição, assegurada pela Organização Mundial de Comércio: alterar as tarifas de entrada de mercadorias no Brasil não significa protecionismo, mas, sim, legítima
defesa contra protecionismos embuçados, como os da desvalorização monetária, que tornam inviáveis as exportações dos países em desenvolvimento.

Foi também importante o que disse sobre a Síria. Como acentuou, milhões de descendentes de sírios e libaneses são brasileiros. Sempre participaram da vida nacional e não são diferentes das outras etnias que fazem a nossa constelação humana. É inimaginável a história brasileira sem essa presença cultural que marca a nossa vida.

Mas para os que conhecem a sutileza diplomática, foi um recado indireto para Washington, que continua insistindo na tese de que a Tríplice Fronteira é uma região que serve de base ao “terrorismo muçulmano”. E o recado se completou, com a menção ao Islã. São duas coisas que devem ser separadas: o islamismo como religião e cultura, e a ação política das nações. Sendo assim, e a partir da idéia de que o humanismo é uma atitude comum a todas as grandes religiões do mundo, a conciliação entre os cristãos e os muçulmanos – o chamado “Encontro de Civilizações”, proposta pela Turquia – recebeu o pleno apoio do Brasil.

Foi, da mesma forma, importante tratar do Conselho de Segurança. Uma imposição dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, o Conselho já não representa a realidade histórica. O mundo mudou, e muito, desde então, e a ONU, se quer continuar sendo a assembléia de todos os povos, deverá ajustar-se ao tempo. É chegada a hora de que os membros natos do mais alto órgão da ONU, que deveria ser o guardião mundial da paz, entendam a necessidade de renunciar ao seu arbítrio societário e abrir espaço a outras nações.

AGRONEGOCIO X FOME NO MUNDO

Agroecologia X Agronegócio: a resistência contra o poder


Em 2001, a FAO previu que demoraria 60 anos, seguindo o ritmo atual, para acabar com a fome no mundo. O poder dominante do agronegócio vende a ideia de que está matando a fome do mundo, como se a distribuição de alimentos fosse gratuita e generalizada. O que é uma mentira histórica. As culturas de exportações, como soja, cana, café sempre acabaram com as comunidades tradicionais de agricultores familiares, parceiros, ou trabalhadores rurais. O artigo é de Najar Tubino.

Najar Tubino (*) via Carta Maior
Esta é a história da luta dos novos guerreiros e guerreiras da humanidade. Não, tradicionais guerreiros armados. No caso, as armas são alimentos produzidos sem veneno, respeitando os princípios fundamentais dos sistemas naturais, não degradando o solo, aniquilando matas na beira dos rios ou no interior das terras, conservando as diversas formas de vida e, principalmente, conseguindo sobreviver. Mesmo sendo considerados os pobres do mundo. As estatísticas da ONU sempre apontam o um bilhão de pessoas que passam fome, concentradas basicamente em sete países – Bangladesch, Indonésia, Etiópia, Índia e China, os principais. Também registra as populações que não tem saneamento básico, atinge um número superior a 2,5 bilhões. Em 1974, uma comissão de pesquisadores e autoridades mundiais previa que era possível acabar com a miséria em uma década.

Em 1996, a ONU decidiu estabelecer uma meta menos ambiciosa: reduzir o número pela metade até 2015. Faltam três anos, e a percentagem dos famintos não caiu dos quase 15% da população mundial. Em 2001, a FAO, organismos da ONU para agricultura e alimentação, previu que demoraria 60 anos, seguindo o ritmo atual, para acabar com a fome no mundo. É também conhecida a política expansionista do modelo agroindustrial mundial, que prevê necessidade de aumentar a produção em até 60%, em face do aumento populacional – para nove bilhões em 2050.

Significaria, seguindo o mesmo raciocínio, um aumento de mais 120 milhões de hectares, uma área equivalente ao dobro do que os Estados Unidos plantam hoje – 64 milhões de hectares. A pergunta é óbvia: como será a expansão? No modelo industrial, seguindo o coquetel de químicos (fertilizantes), conforme a previsão dos cartéis do agronegócio a venda de fertilizantes aumentará de 120 milhões de toneladas para 180, em 2020.

Mais os agrotóxicos, conforme previsão da Syngenta, maior fabricante mundial, o mercado deverá crescer de US$70 para US$200 bilhões até 2025. O faturamento do próprio grupo deverá saltar de US$11,6 bilhões para US$17 bilhões, crescimento de 46%. Inclui semente e agrotóxico, na verdade é quase a mesma coisa. A planta já contém o veneno, não sobrevive, nem cresce, sem o outro.

Portanto, no manual das sete irmãs agroquímicas – Basf, Bayer, Dupont, Syngenta, Monsanto, entre elas-, não há nenhuma previsão de mudança em suas posturas. Muito pelo contrário, a Monsanto, líder mundial em venda de sementes transgênicas, tem comprado empresas na área de hortaliças, desde 2005. Muito menos o cartel dos processadores e compradores de grãos, reduzidos a quatro grandes grupos – ADM, Cargill, Bunge e Dreyfus, duas delas, Cargill e Dreyfus ainda sob controle dos herdeiros dos fundadores.

Claro, o mundo precisa de 2,3 bilhões de toneladas de grãos, contando milho, trigo e arroz, as três mais produzidas, e depois soja, em menor escala, usada, no modelo industrial, como ração para o gado europeu, galinhas e porcos na China. Também no Brasil, que é o segundo maior produtor mundial, e deve chegar a 80 milhões de toneladas, no próximo ano. Mas não são para a boca do bilhão de famintos, 75% vivendo na zona rural. O índice de “insegurança alimentar”, usando o termo do momento, é 9,3% no nordeste, enquanto a média no Brasil rural é 7%e a urbana 4,3%.

Na América Latina e Caribe atinge 35%, conforme o estudo recente da FAO. Não é uma coincidência: a América Latina produz metade da soja mundial, Brasil e Argentina são especialistas na produção de alimentos, mas o povo que não come, mora ao lado. Acontece que o poder dominante do agronegócio vende a ideia de que está matando a fome do mundo, como se a distribuição de alimentos fosse gratuita e generalizada. O que é uma mentira histórica. As culturas de exportações, como soja, cana, café sempre acabaram com as comunidades tradicionais de agricultores familiares, parceiros, ou trabalhadores rurais que pelo menos mantinham um quintal para plantar o feijão, milho, mandioca e algumas verduras, além da criação de pequenos animais, para o sustento da família.

O planeta tem uma área de 8,7 bilhões de hectares. Dois bilhões já foram detonados desde a segunda guerra mundial. Estão degradados por erosão, perda de solo, perda de nutrientes, perda da vegetação e, por último, perda de espécies naturais dos ecossistemas. Um hectare de terra do cerrado, por exemplo, tem 150 toneladas de micro-organismos, que se proliferam na mesma quantidade em que morrem. Não existe solo sem vida microbiana. As leguminosas, inclusive a soja, que fixam nitrogênio no solo, fazem por intermédio de microrrizas, que são associações de fungos e bactérias. O nitrogênio faz parte da atmosfera, mas a agricultura usa o nitrogênio processado do petróleo, ou do gás metano (CH4).

Por isso, o setor agrícola é citado como grande emissor de gases de efeito estufa: pela mudança no uso do solo, pelo nitrogênio liberado dos fertilizantes, pelo metano liberado pelos animais – bovinos, segundo inventário do Ministério de Ciência e Tecnologia, liberam 170 milhões de toneladas por ano. Um boi precisa comer 10% do seu peso vivo de pasto.

O Programa do Meio Ambiente da ONU (PNUMA) calcula que o solo, no planeta, armazena 2,2 trilhões de toneladas de CO2, três vezes mais do que a quantidade na atmosfera. Também já anunciou recentemente que 25% da área agrícola do mundo está degradada pelo uso intensivo da agricultura industrial.

O Brasil tem uma referência dessa degradação. A desertificação, conforme dados do Ministério do Meio Ambiente, já atinge 16% do território, atingindo 1,3 milhão de quilômetros quadrados em 1.488 municípios. E mais de 30 milhões de brasileiros. As perdas de solo alcançam mais de três bilhões de toneladas por ano. Além disso, 1.500 bacias hidrográficas precisam de intervenção. Somente nos estados de SP, PR, MG e MS foram detectadas 2.250 voçorocas (crateras no meio do campo, na beira de estradas). Uma voçoroca carrega uma tonelada de terra por ano. Em Rondonópolis (MT), a terra levada pela água para os córregos e afluentes do rio Taquari, empanturraram o rio de areia, e ele perdeu o sentido, literalmente. Espraiou e invadiu outras áreas. Rondonópolis é a sede história do Grupo Amaggi. As lavouras engoliram as matas ciliares.

Muito interessante também é o estudo que a UNESCO junto com o WorldWatch Institute apresentou na Rio + 10, num dos capítulos do livro “Estado do Mundo”, sobre agricultura: mundialmente os agricultores gastam 10 vezes mais fertilizantes hoje (2002) do que em 1950, com um aumento de três vezes na produção. Também gastam 17 vezes mais em valores com pesticidas (valores deflacionados), entretanto, as perdas na colheita em consequência de pragas continuam as mesmas. Daí a conclusão:

-“Talvez a maior comprovação da disfunção do nosso sistema alimentar seja o fato dos agricultores como grupo serem as pessoas mais pobres do planeta. Dos cerca de 1,2 bilhão ganham um dólar por dia, 75% trabalham e vivem nas áreas rurais da África, América Latina e Ásia”.

Só para acrescentar mais uma dado do estudo: das sete mil espécies de culturas foram domesticadas pela humanidade, apenas 30 espécies proporcionam 90% do consumo global de calorias, sendo que o milho, trigo e arroz são responsáveis por mais de 50%.

A História dos guerreiros
-“ A medida que avança o modelo exportador avançam também o empobrecimento das áreas rurais afetadas. As populações perdem o controle sobre os cultivos e os alimentos tradicionais. E perdem poder aquisitivo para poder comprar alimentos importados, que inundam os mercados a preços subsidiados da agricultura dos países ricos. Esse processo de neocolonização dos sistemas alimentares locais não é uma mera erosão da autossuficiência alimentar. Supõe também o desaparecimento de um modo de vida e uma cultura”. É um trecho do trabalho “Sistema Agroalimentar Globalizado”, de Manuel Delgado Cabeza, do departamento de economia aplicada da Universidade de Sevilha (Espanha).

A partir de 2003-05 terminou a época dos preços baixos dos alimentos. Chegaram a aumentar 57,1% em 2008, quando aconteceram as revoltas no Haiti, Paquistão, México, Senegal e Bangladesch. O Haiti até a década de 1970 produzia todo o arroz que consumia. Depois, em função dos empréstimos dos organismos internacionais, e a pressão pela abertura dos mercados, passou a importar arroz dos Estados Unidos, a preços subsidiados. Em 2008, o Haiti era o terceiro importador de arroz norte-americano. Acabaram com a produção interna do cereal.

No México aconteceu a mesma coisa com o Nafta e a abertura do milho transgênico americano. O país plantava 10 mil variedades de milho. Hoje em dia duas ou três empresas, sócias da Cargill e ADM, casos da Gruma e da Minsa compram todo o milho dos produtores e processam o milho importado. Como o preço subiu 50%, o povo mexicano tem que comprar pão de farinha de trigo, e não a tradicional “tortilla”. No mesmo período 1,3 milhão de camponeses deixaram suas terras. Foram para a periferia das cidades, ou trabalhar ilegalmente na Califórnia.

Manuel Cabeza também relaciona a esquizofrenia do modelo agroindustrial com os números da obesidade no mundo: 396 milhões de obesos e 937 milhões com sobrepeso, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Os americanos consomem em média 3.830 calorias por dia – o recomendável é 2.500 para um adulto. Além disso, nos últimos anos o país mais poderoso do mundo enfrentou 13 casos nacionais de contaminação ou de doenças de origem animal – contaminação em alfaces, tomates, couves, pimentão enlatados, pepinos e carne. Mais produtos com resíduos tóxicos importados da China (alimentos frescos), sem contar os casos de peste suína, vaca louca, frango com dioxina, hormônios na cadeia de engorda, ocorridos na Europa.

Na América Latina aproximadamente 17 milhões de camponeses com suas unidades produtivas ocupam cerca de 60 milhões de hectares, corresponde a 34,5% da terra cultivada. São propriedades em média com 1,8 hectare. A África tem cerca de 33 milhões de pequenos produtores, representam 80% de todas as propriedades da região. Com média de dois hectares. Na Ásia são mais de 200 milhões de pequenos produtores de arroz. No Brasil, são mais de quatro milhões de unidades da agricultura familiar.

Eles produzem a maior parte do milho, do feijão, da mandioca, enfim dos alimentos básicos. É a história dos pequenos agricultores e agora agricultoras. Na Índia, cerca de 40% das famílias no interior são chefiadas por mulheres. Esses dados são do professor Miguel Altieri, da Universidade da Califórnia.

“- Pequenos incrementos nos rendimentos destes agricultores que produzem grande parte dos cultivos básicos a nível mundial têm um maior impacto sobre a disponibilidade de alimentos, em escala local e regional, do que os duvidosos incrementos previstos por corporações em grandes monoculturas manejadas com agrotóxicos e com sementes geneticamente modificadas.”

No mundo também existem 37 milhões de hectares cultivados com alimentos orgânicos, sem uso de químicos de qualquer tipo, usando apenas os ensinamentos da agroecologia, onde trabalham 6,5 milhões de pessoas. No Brasil são 7,7 milhões de hectares com mais de 90 mil estabelecimentos registrados. Esse mundo orgânico envolve negócios de US$60 bilhões.

Até a década de 1980, a opção de produzir alimentos sem químicos, mas que envolve outros cuidados, era vista como uma alternativa, ou melhor, uma pequena alternativa. Nas últimas três décadas os projetos se multiplicaram, as experiências se reforçaram, o número de produtos aumentou consideravelmente, e a opção alternativa é uma realidade. Não se trata de produzir alimento sem veneno para quem tem dinheiro para comprar, como já é uma moda entre os países ricos e mesmo entre a classe média alta emergente.

Trata-se da realidade de pequenos agricultores e suas famílias, ou famílias chefiadas por agricultoras que traçaram uma nova etapa nos seus projetos. Principalmente: é uma realidade mundial. Pode ser no semi-árido brasileiro, como nos casos descritos num trabalho da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), citando a organização de produtores na Paraíba, em Pernambuco, na Bahia, ou em Minas Gerais. Ou o caso do MST, que em 2014 completa 30 anos, citando casos do Rio Grande do Sul em 327 assentamentos e mais de 13 mil famílias trabalhando com arroz orgânico – marca Terra Livre e fornecendo para a rede Pão de Açúcar -, sementes de hortaliças, leite, suco de uva e feijão. Produtos comercializados para o Programa de Aquisição de Alimentos ou para o Programa de Merenda Escolar.

Certamente este é um movimento que a mídia brasileira desconhece. O problema, para as elites deste país, é que este povo foi se organizando lentamente, com suas próprias forças. Nos últimos anos os canais com o governo federal foram abertos, e os dois programas citados são exemplos disso. Mas tem muito mais coisa acontecendo e que precisa evoluir. A sistematização de experiências da ANA envolve soberania e segurança alimentar. Mesmo conceito utilizado no vale do Deccan, na Índia, onde cinco mil mulheres trabalham com projetos agroecológicos e de autossuficiência.
Uma coisa é ter um, dois ou três dólares (ou reais) e comprar comida no armazém ou na bodega mais próxima. A outra é ter o alimento em casa e poder inclusive, ganhar uns trocados a mais, vendendo o excedente. Ou trocando por outros produtos. Como diz o relato do grupo de Lagoa do Pau Ferro (Ouricuri-PE):

-“As famílias têm acesso à água e aos alimentos em quantidade e qualidade em todas as épocas do ano, tendo soberania para escolher o que vão plantar e comer. O alimento, inclusive a água, é entendido como um direito básico de todas as pessoas, sendo isto maior e mais importante que o lucro advindo de sua renda como produto”.

O trabalho deles começou com 200 famílias em 2004 e hoje vendem seus produtos na Cooperativa de Produtores Agroecológicos de Araripe. Trabalham com plantas medicinais, produzem xaropes, sabonetes, e a multimistura usando ingredientes locais, ajudou a combater problemas de verminose e de visão das crianças. No Rio Grande do Sul, na região de Erechim, norte do estado, os produtores se reuniram na ECOTERRA.

“- Com esta cultura produtivista, com o passar dos anos, cada vez mais agricultores estão deixando o meio rural e indo para as cidades em busca de uma ‘vida melhor’. Ainda existe uma onda forte que só a tecnificação total das propriedades poderá levar a viabilização dos agricultores, como por exemplo, as integrações (aves e suínos), chamam de parceria. O sistema exclui a biodiversidade da propriedade levando os agricultores a não produzirem mais para sua autossustentação alimentar e passam a comprar fora sua alimentação”.

É o registro da ECOTERRA que, atualmente, comercializa os produtos em feiras diárias na cidade de Erechim e uma regional em Passo Fundo.

A pamonhada na casa da dona Nenê
É um evento no interior do nordeste, realizada em ocasiões especiais, principalmente nas festas juninas. No Polo Sindical da Borborema, envolve mais de 15 municípios no semi-árido da Paraíba, eles usam esse exemplo como encenação teatral. A pamonhada começa com o seu Chico indo buscar o milho pontinha, sementes herdadas do avô, no roçado, foi irrigado com água de cisterna, construída com o dinheiro do sistema de microcrédito comunitário. Colheram verduras na horta, irrigada com água da barragem subterrânea, cultivada usando adubos naturais, enquanto isso, cozinham a galinha de capoeira criada no terreiro, regam as plantas com água da cozinha. O vizinho elogia a diversidade de plantas no quintal e a quantidade de árvores no sítio. Podiam escolher para cozinhar no almoço feijão ou fava. Comeram doce de caju de sobremesa.

Enquanto isso, na casa do seu José Cosme, no agreste da Borborema é dia de plantio, mas não há semente. Vai comprar fora. A mulher compra água no carro pipa, a filha vai à bodega comprar cuscuz para o café da manhã. A terra da família é muito pequena, são obrigados a arrendar um pedaço de um fazendeiro. Cada ano fica mais fraca. Para pagar a bodega e a semente a família foi obrigada a vender o boi, mas antes espera pelo dinheiro da aposentadoria para comprar um novo bezerro.

A experiência da dona Nenê representa as inovações que mais de quatro mil famílias estão realizando desde o ano 2000 na região da Borborema.
Um resumo do que o povo do semi-árido reivindica: “reorientação das políticas públicas para fortalecimento da agricultura familiar, garantindo uma política agrícola que privilegie ações de convivência com o semi-árido em bases agroecológicas, apoio técnico contínuo e de qualidade, linha de crédito adequada e condições de saneamento básico, eletrificação, educação, saúde, moradia e previdência social”. Atualmente o Polo Sindical da Borborema conta com uma rede de 230 fundos já viabilizou a construção de 1.835 cisternas domésticas. Conta com 76 bancos de sementes comunitárias que beneficiam diretamente três mil famílias. Desde 2004 em parceria com a CONAB foram armazenadas 161 toneladas de variedades locais.

O MST, comemorará os 30 anos na Copa do Mundo em 2014, fez um balanço dos 327 assentamentos, em 41 municípios, onde vivem 13.535 famílias. Na região de Bagé, municípios de Candiota, Hulha Negra, além de Livramento, Viamão e as Missões, 200 famílias trabalham com a produção de sementes em 42 grupos. Na safra de inverno (2011) produziram 10 toneladas de hortaliças de 74 variedades, além de 35 toneladas de forrageiras. Na cadeia produtiva do arroz ecológico: 407 famílias, 28 grupos e quatro cooperativas em 12 municípios. Na safra 2011/12 a previsão de colheita era de 285 mil sacas.

Na produção de leite, média de 35 litros por família, 4.400 famílias envolvidas, volume recolhido em Tupã foi de 5,9 milhões de litros, em Hulha Negra e Candiota mais 5,4 milhões e em Livramento outros 5,2 milhões. A comercialização dos produtos é feita para os programas PAA e PNAE. Na merenda escolar atendem 255 escolas na região metropolitana de Porto Alegre, em Livramento em 11 escolas, em Tupã, o Laticínio Santa Maria atende 200 escolas em 11 municípios. A comercialização direta é realizada em quatro feiras em Canoas, região metropolitana, cinco feiras em Porto Alegre, duas em Eldorado, duas em Nova Santa Rita e uma em Viamão. Uma cooperativa de técnicos com 127 profissionais trabalha no assessoramento, ainda mantêm quatro escolas de nível médio e 65 de ensino fundamental.

SIONISTAS NAO QUEREM A DEMOCRACIA EM ISRAEL


“A democracia é uma ameaça ao Estado israelense”, diz deputada palestina

Haneen Zoabi, deputada palestina do parlamento de Israel, denunciou a discriminação sofrida pelos árabes no país judaico e explicou a proposta de seu partido de um Estado israelense democrático, que, segundo ela, “choca-se diretamente com o projeto sionista”. Suas declarações marcaram o lançamento em São Paulo do Fórum Social Mundial Palestina Livre, que será realizado entre 28 de novembro e 1° de dezembro em Porto Alegre.

Igor Ojeda via Carta Maior
São Paulo - Em qualquer país do mundo, os imigrantes reivindicam direitos iguais aos nativos. Em Israel, acontece o contrário: os nativos é que pedem igualdade aos imigrantes. Um quinto (18%) da população israelense é palestino. São árabes com cidadania de Israel vivendo dentro dos limites do Estado judaico. E que são discriminados sistematicamente pelo governo.

O Estado israelense não esconde um dos seus maiores medos: o crescimento mais acentuado da população árabe em relação à judia. Por isso, vem aprovando nos últimos anos inúmeras leis que garantem a natureza hebraica de Israel. “O sistema legal não está relacionado com a ocupação, e sim com a natureza do Estado hebraico. Em Israel não existe Constituição. E existem 30 leis que legitimam o racismo contra os cidadãos palestinos”, denunciou Hannen Zoabi, 43 anos, a primeira mulher palestina eleita para o Knesset (o parlamento israelense) por um partido árabe.

Suas declarações marcaram o lançamento em São Paulo do Fórum Social Mundial Palestina Livre, que será realizado entre 28 de novembro e 1° de dezembro em Porto Alegre. O evento tem como objetivo “unir forças e criar estratégias conjuntas visando exercer pressão internacional para assegurar a mais estrita observância dos direitos do povo palestino – hoje submetido a uma violenta ocupação militar e ao regime de apartheid – e para apressar o fim dessa ocupação”.

Diante da realidade vivida pelos palestinos, o partido de Haneen, a Aliança Nacional Democrática (uma agremiação árabe-israelense), propõe o que chama de “Estado de cidadania”, ou seja, que o Estado de Israel seja de todos os cidadãos, inclusive os de origem árabe. “Para nós isso é uma revolução. Essa proposta desafia o Estado israelense, pois o projeto sionista reivindica um Estado judaico. Então, o Estado de cidadania choca-se diretamente com o projeto sionista”, disse a integrante do Knesset.

Ela lembrou que recentemente o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu declarou existir três ameaças a Israel: o Irã, o Hezbollah e as propostas internas de democratização do Estado judaico. “O projeto democrático que os árabes estão apresentando representa o mesmo perigo que os reatores nucleares do Irã. Ou seja, a democracia é uma ameaça ao Estado israelense. Para Israel, tornar visível esse contraste entre a democratização do Estado e a ‘judaicização’ do Estado é uma ameaça”, analisou Haneen, que, assim como outros integrantes de seu partido, corre o risco de ser impedida de se candidatar nas próximas eleições para o parlamento israelense. O pretexto oficial é a participação na chamada Flotilha da Liberdade, frota de barcos que pretendia furar o bloqueio à Faixa de Gaza com ajuda humanitária e que foi atacada pela Marinha de Israel em 31 de maio de 2010, deixando nove mortos. Mas a deputada revela que o problema principal é justamente a proposta do Estado de cidadania.

Para reforçar o caráter judeu de seu Estado, o governo israelense vem reforçando medidas de “desaparecimento” da identidade palestina, explicou Haneen. “Por exemplo, eu não existo para a Lei de Educação”, disse. Segundo ela, não se permite o ensino dos acontecimentos de 1948 (quando foi criado o Estado de Israel) e da literatura de resistência palestina nas escolas árabes. Além disso, lembra, no ano passado foi aprovada uma lei que proíbe a celebração do Nakba (catástrofe), como os palestinos denominam o êxodo originado da criação de Israel.

De acordo com Haneen, a política “racista” do Estado israelense faz que 50% dos palestinos que vivem no país estejam abaixo da linha de pobreza – e que uma família judia tenha uma renda três vezes superior a de uma família árabe. Pior ainda para as mulheres palestinas, que apesar de terem um nível de educação maior que dos homens, sofrem bem mais com o desemprego.

“Estudamos mais, mas temos de ficar em casa por não termos trabalho. Por que há mais oportunidades para os homens palestinos? Porque podem sair de suas casas e ir a outra cidade trabalhar. O trabalho da mulher palestina está relacionado ao desenvolvimento do ambiente de sua cidade ou vilarejo. Se ela não tem acesso ao desenvolvimento industrial de sua região, tem de ficar em casa. O problema não é a mulher, é o Estado que não está desenvolvendo seu ambiente.”

França: orçamento socialista taxa mais ricos e empresas


O presidente François Hollande apresentou um projeto de orçamento para 2013 marcado por um nível de arrocho jamais visto nos últimos 30 anos e por um aumento dos impostos que, globalmente, recairá sobre os bolsos das famílias de maior renda e das empresas com maiores lucros. O primeiro orçamento socialista modifica o que foi realizado até agora pela direita: dois terços das arrecadações virão do aumento dos impostos para os ricos e as empresas, o que implica o fim de numerosas isenções fiscais. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris.

Eduardo Febbro - Paris via Carta Maior

Paris - O socialismo francês acaba de formatar uma versão inédita da disciplina orçamentária: o rigor à esquerda. O presidente François Hollande apresentou ao Conselho de Ministros um projeto de orçamento para 2013 marcado por um nível de arrocho jamais visto nos últimos 30 anos e por um aumento dos impostos que, globalmente, recairá sobre os bolsos das famílias de maior renda e das empresas com maiores lucros.

No total, esse plano qualificado como “orçamento de combate” se articula em torno da arrecadação de 20 bilhões de euros de novos impostos e de 10 bilhões cortados em gastos administrativos. Os 20 bilhões serão pagos, em partes iguais, 10 bilhões os mais ricos e 10 bilhões as empresas mais lucrativas. A essa soma deve-se agregar ainda outros 2,5 bilhões de euros que serão cortados do seguro social.

No total, se se adicionarem os objetivos deste orçamento mais as medidas votadas em julho passado, o Executivo aposta em obter uma arrecadação suplementar de 40 bilhões de euros. O objetivo não é social, mas orçamentário: trata-se de levar o déficit atual, 4,5% em 2012, para 3% em 2013. A meta, no entanto, se apoia em um cálculo de crescimento de 0,8%, uma variável que os economistas julgam demasiado otimista e tão incerta quanto um número de loteria.

O certo é que, após dez anos de governos de direita e de orçamentos conservadores que decapitaram as classes médias e populares, François Hollande elaborou o primeiro orçamento da esquerda. Não há, cabe dizer, nenhuma reorientação substancial. Trata-se sempre de reduzir a dívida e os déficits, mas sem sancionar aqueles que antes pagavam a conta nem desmantelar o pouco que resta do Estado de Bem-Estar.

O Executivo assegurou que os mais de 24 bilhões que serão arrecadados com os novos impostos virão “unicamente de um em cada dez cidadãos e das maiores empresas”. O cálculo está longe de ser verossímil. O primeiro ministro francês, Jean-Marc Ayrault, assegurou quinta-feira que “90% dos franceses, as classes médias e populares, não pagarão mais impostos. O esforço recairá sobre os 10% que têm mais renda e, entre estes, sobre o 1% mais ricos”.

No entanto, a França sabe hoje que todo mundo terminará pagando algo, ainda que desta vez a redistribuição do esforço será mais equitativa porque rompe com a política da vítima única tão comum quando a direita está no poder. A demonstração em cifras mostra que o Executivo socialista apontou suas calculadoras para as pessoas que tem maiores recursos: as pessoas que têm ganhos equivalentes a 150 mil euros (1%, o que equivale a 50 mil contribuintes) pagarão muito mais impostos do que antes. A partir de 250 mil euros os impostos aumentam exponencialmente. A isso se soma uma taxa de 3% que sobe para 4% para quem ganha na casa do meio milhão de euros. As 1.500 pessoas que ganham esta soma pagarão uma taxa excepcional de 75%.

Antes que fosse divulgado o projeto de orçamento para 2013, os empresários franceses lançaram uma ofensiva e questionaram a filosofia da reforma fiscal. O organismo que agrupa o patronato, o MEDEF, vem dizendo que a chave está tanto na redução do gasto público quanto nos custos necessários para manter um posto de trabalho.

A situação da França é complexa. Há hoje mais de 3 milhões de desempregados e um crescimento que está estagnado. François Hollande deve, ao mesmo tempo, cumprir suas promessas de justiça social sem perder de vista a dívida e o déficit. O contexto, porém, é adverso. O Instituto Nacional de Estatística (INSEE) revelou esta semana que durante o segundo trimestre de 2012 a economia teve um crescimento nulo. O ex-presidente liberal Nicolas Sarkozy saiu em maio passado, mas deixou uma dívida colossal. Nos cinco anos de seu mandato, a dívida passou de 64% do PIB para 91%. François Hollande disse nesta sexta-feira que o país teve “600 bilhões de dívida suplementar durante o último quinquênio. Eu me comprometo a que, no final de meu mandato, não haja nenhum euro a mais”.

A dívida da França tem repercussões enormes. Segundo explicou o governo, o que se cortará e o que se arrecadará no ano que vem servirá apenas para pagar os juros dos empréstimos contraídos, a saber, cerca de 46 bilhões de euros. A missão de François Hollande se parece com a de um desses filmes norteamericanos onde o herói tem que fazer um monte de proezas impossíveis para sobreviver e seguir sendo herói: o chefe de Estado tem que acalmar os mercados, a Alemanha e a Comissão Europeia, zelosa guardiã dos interesses liberais; ao mesmo tempo, Hollande deve corrigir o caminho traçado pela direita que governou durante a última década e manter vivo o moribundo Estado de Bem-Estar. E como se isso não fosse o bastante, também precisa ser fiel aos compromissos de igualdade, justiça e solidariedade.

O primeiro orçamento socialista modifica o que foi realizado até agora pela direita: dois terços das arrecadações virão do aumento dos impostos para os ricos e as empresas, o que implica o fim de numerosas isenções fiscais aprovadas pela direita para essa categoria. O terço final sai dos cortes nos gastos administrativos. Com exceção dos ministérios da Educação, Justiça e Segurança, todos os demais entraram no regime de cortes. Os socialistas estão produzindo um novo filme: “Os caçadores das arcas vazias”. Por enquanto a conta será paga pelos ricos. No entanto, só se conheceu o primeiro capítulo de uma produção que pode trazer muitas surpresas. Os fundos não saem do nada e é muito possível que, de alguma forma, todo mundo termine pagando algo.

Tradução: Katarina Peixoto

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Músicas de Chico Buarque ajudam a estudar o período da ditadura


Via Blog do Limpinho e Cheiroso


As canções de Chico Buarque podem ajudar os estudantes a compreender o período da ditadura militar no Brasil.
Via Portal Terra
Neste ano, faz quatro décadas do lançamento do discoConstrução, de Chico Buarque. Em meio a um dos períodos mais duros do regime militar, o álbum ficou famoso por consolidar a posição crítica do compositor, seja com músicas claramente referentes à repressão daqueles anos, como Cordão, ou outras com associações mais implícitas, como Cotidiano.
Segundo o professor de Literatura da unidade Tamandaré do Anglo, Fernando Marcílio, antes deste quinto disco, o autor já vinha manifestando suas preferências políticas e incomodando a censura. “O mais importante é destacar que as canções de Chico vão além da questão da ditadura. Mesmo aquelas letras que se referem explicitamente ao regime militar”, diz o mestre em Teoria Literária, cuja dissertação analisou a obra do artista.
Nessa linha, as letras daquela época podem ser facilmente transpostas para a atualidade. “Elas captam o essencial da ditadura, a repressão, e devem ser usadas para compreender não só aquele episódio, mas as relações humanas. Eu posso ser opressor com minha esposa, seu chefe pode ser com você, assim como muitas pessoas o são com os homossexuais”, cita. Para o professor, Chico Buarque não deve ser reduzido à imagem de “cantor da ditadura”. “Já ouvi dizer que, se não fosse a ditadura, Chico não teria inspiração, que teria sido bom para ele. Longe disso, a censura o impediu de trabalhar muitas vezes”, comenta.
Mesmo ainda atuais, as músicas e peças de teatro do autor carioca podem ajudar estudantes a entender melhor o que significou o período que sucedeu o golpe de 64. A seguir, conheça mais sobre o contexto de dez obras de Chico Buarque.
Apesar de você
Para o professor, a mais evidentemente canção de Chico Buarque referente à ditadura é Apesar de você. Lançada inicialmente em 1970, em um compacto, foi censurada logo depois. Entendida inicialmente como uma canção de amor, como se um dos amantes tivesse abandonado o outro (“Apesar de você / Amanhã a de ser outro dia”), na realidade, a letra falava da ideia de um novo amanhã, que superasse os dias escuros da ditadura (“A minha gente hoje anda / Falando de lado / E olhando pro chão, viu / Você que inventou esse estado / E inventou de inventar / Toda a escuridão”).
A música marca o momento em que a censura começa a ficar mais atenta à obra de Chico. “Esta letra tem uma dimensão utópica, sentimento que aparece em outras canções do autor”, explica o professor. Em 1978, no álbum Chico Buarque, a música, já liberada, foi lançada outra vez. “Chico a relançou meio a contragosto. Estava preocupado que fosse passada a imagem de que estava tudo bem, o que não era verdade. Além de não fazer mais sentido lançar uma música fora do contexto em que foi escrita”, observa.
Cálice
Mais uma música censurada. Mas, diferentemente de Apesar de vocêCálice foi proibida antes de ser lançada. Composta em 1973, ao ser submetida à censura federal, pela qual deviam passar todas as letras, livros e textos e montagens de teatro, foi barrada e só pode ser divulgada em 1978, também no álbum Chico Buarque. “Gilberto Gil teve a ideia de usar a passagem bíblica, mas foi Chico quem percebeu que a sonoridade que se igualava à expressão ‘cale-se’, uma referência clara à censura da época”, conta Marcílio.
O fato de submeter toda produção artística à censura representava, no caso das obras barradas, um investimento jogado fora, especialmente para peças de teatro, que tinham que apresentar suas montagens completas a um homem do governo.
Construção e Cotidiano
Essas duas canções fazem parte do álbum Construção, de 1971, e suas letras tem referências menos diretas à ditadura militar. A primeira conta a história de um trabalhador da construção civil que morre no local onde trabalhava. “A situação desse trabalhador é de angústia, ele é oprimido pela ditadura econômica, que também assolava o país na época”, explica o professor.
Na segunda, diz Marcílio, “a letra descreve o dia a dia de um casal, em uma referência implícita à repressão do governo, à medida que mostra um cotidiano opressivo”.
Cordão e Quando o Carnaval chegar
Cordão é uma canção do disco Construção com referência clara à ditadura, especialmente em versos como “Ninguém vai me segurar / Ninguém há de me fechar”. Assim como Apesar de você, tem o caráter otimista de um futuro melhor. “Nesta música, Chico prega a resistência, por intermédio da união, do ‘imenso cordão’ que ele cita na letra”, observa o professor. O mesmo anseio por dias melhores aparece em Quando o Carnaval chegar, música trilha do filme homônimo em que Chico atua. “Aqui também há referência a esse dia de amanhã, um dia em que a liberdade seria restaurada e triunfaria”, diz o professor.
Deus lhe pague
Em Deus lhe Pague, também do álbum Construção, Chico se vale da ironia para criticar a situação repressiva em que os brasileiros viviam durante o regime militar. É como se ele agradecesse ao governo por permitir ao cidadão realizar atos básicos, como respirar. “Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir / A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir / Por me deixar respirar, por me deixar existir / Deus lhe pague” são alguns dos versos.
O heteronômio Julinho de Adelaide
Já conhecido da censura, Chico Buarque tinha suas músicas proibidas só por levarem sua assinatura. Para driblar isso, ele criou um personagem, Julinho Adelaide, que assinou três músicas suas. Em Acorda amor, um sujeito acorda no meio da noite e pede para sua mulher chamar o ladrão porque a polícia tinha chegado. “Ele inverte a situação, porque o perigo naquela época era a polícia entrar em sua casa e lhe prender”, explica o professor de Literatura, também historiador. Trata-se de mais uma manifestação da ditadura, a perseguição policial.
Em Jorge Maravilha, há referência a situações que, segundo o professor, não se sabe se são verdadeiras ou não. Os versos “você não gosta de mim, mas sua filha gosta” teriam origem em uma das vezes em que Chico foi preso e o policial teria pedido autógrafo, dizendo que era para a sua filha. “Tem também a história de que a filha do então presidente Ernesto Geisel teria declarado ser apreciadora de Chico. Não sei dizer se é verdade, acho que a questão é mais simbólica, como quem diz ‘você, governo, não gosta de mim, mas o povo gosta’”, opina.
Calabar: O elogio da traição
Esta peça de teatro de autoria de Chico e Ruy Guerra foi proibida pela censura. O título cita um personagem histórico que existiu durante o Brasil Imperial e que ficou tachado como traidor por ter se oposto à coroa portuguesa. “O personagem nem aparece na peça, que acaba girando em torno de opções ideológicas e discutindo o que é ser patriota por meio do questionamento desta traição. Calabar só poderia ser considerado traidor sob o ponto de vista de Portugal, que era, por sua vez, um invasor. Ou seja, trair um invasor não seria um problema, assim como trair um governo que é opressor”, compara o professor.
Na época, os jornais não podiam nem noticiar a censura da peça. As músicas da trilha liberadas foram lançadas em um álbum chamado Chico canta. Era pra ser Chico canta Calabar, mas o nome do personagem histórico também havia sido proibido.

E O MENSALAO DA REELEIÇÃO DE FHC COMO VAI FICAR?


Nem a ditadura militar ousou dar o golpe constitucional do tucano FHC, que comprou a emenda de sua reeleição



Roubartilhado de  Mello
A ditadura civil-militar governou nosso país de 1964 a 1985. Foram 21 anos de golpe, tortura, violência, censura, prisões arbitrárias, exílio, assassinatos. Judiciário, Legislativo, imprensa, movimentos sindicais, estudantis, tudo censurado, reprimido.

Mas uma coisa os militares não ousaram, rasgar a Constituição e impor a reeleição. Havia eleições, indiretas, impostas, mas saía um ditador, entrava outro.

Somente com o Príncipe dos Sociólogos, o ídolo dos ídolos de nossa mídia corporativa, o homem que vendeu o Brasil e não recebeu, Fernando Henrique Cardoso, é que o Brasil rasgou a Constituição e, através de uma emenda comprada, com dinheiro vivo, de corrupção, a reeleição passou a valer no Brasil, e já para Fernando Henrique.

Como disse, nem os militares, que torturaram, exilaram, assassinaram, ousaram tanto.

No Norte, nos estados do Amazonas, Acre, Roraima, deputados foram comprados por R$ 200 mil cada, segundo reportagem publicada pela Folha. Fernando Rodrigues teve acesso às gravações que mostraram todo o esquema.

Se foi assim no Norte, quanto não foi negociado no restante do país?

Confira aqui a reportagem de maio de 1997 de Fernando Rodrigues: Deputado diz que vendeu seu voto a favor da reeleição por R$ 200 mil.

A seguir, trecho incial da reportagem:


O deputado Ronivon Santiago (PFL-AC) vendeu o seu voto a favor da emenda da reeleição por R$ 200 mil, segundo relatou a um amigo. A conversa foi gravada e a Folha teve acesso à fita.

Ronivon afirma que recebeu R$ 100 mil em dinheiro. O restante, outros R$ 100 mil, seriam pagos por uma empreiteira -a CM, que tinha pagamentos para receber do governo do Acre.

Os compradores do voto de Ronivon, segundo ele próprio, foram dois governadores: Orleir Cameli (sem partido), do Acre, e Amazonino Mendes (PFL), do Amazonas.

Todas essas informações constam de gravações de conversas entre o deputado Ronivon Santiago e uma pessoa que mantém contatos regulares com ele. As fitas originais estão em poder da Folha.

O interlocutor do deputado não quer que o seu nome seja revelado. Essas conversas gravadas com Ronivon aconteceram ao longo dos últimos meses, em diversas oportunidades.

Esse sim é o maior escândalo de corrupção de nosso país.

Iran e Israel: A dupla face dos media e do Conselho de Segurança da ONU






Via Resistir.info



Rui Pedro Fonseca [*]


À semelhança do que aconteceu em relação ao Iraque com as mentiras fabricadas de que Saddam Hussein (1) possuía instalações com armas de destruição maciça; (2) que não queria deixar entrar os inspetores da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA); (3) de que o ditador teria sido corresponsável pelos ataques às torres gémeas; a imprensa e os círculos de opinião de referência internacionais e portugueses têm vindo a intensificar o enredo de suspensão e de medo em torno das populações ocidentais em relação ao Irão.

Se atentarmos às palavras-chave de Obama proferidas na conferência da AIPAC [1] , a 4 de Março de 2012, notamos que estas aglutinam um padrão de ideias-chave, de discursos que vêm sendo reproduzidos constantemente pela imprensa nacional e internacional, partilhados por círculos de opinião, que têm diabolizado o Irão e legitimado sanções económicas, acusações e ameaças de intervenção militar (dos Estados Unidos e Israel) que têm vindo a aumentar cada vez mais de intensidade: "ameaçam varrer Israel do mapa"; "apoiam grupos terroristas empenhados na destruição de Israel"; "terrorismo"; "programa nuclear do Irão"; "ameaça"; as "armas mais perigosas do mundo"; "armas nucleares"; "Irão não cumpre as suas obrigações"; "regime iraniano"; "caminho que os vai levar a uma série de consequências se eles não cumprirem" [2]

Os círculos de formação de opinião veiculam atualmente o Irão como o perigo número 1 para a ordem mundial, e importa dissecar e compreender o alcance destas expressões alusivas às "ameaças" iranianas:

"Varrer Israel do mapa"

A verdadeira versão do que disse Ahmadinejad – "Este regime que ocupa Jerusalém deve ser eliminado das páginas da história" – aparentemente foi eliminada da face do planeta da imprensa de referência e resta a inquestionada e repetida mentira do que Ahmadinejad nunca disse: que "Israel deve ser varrido do mapa". A citação verdadeira de Ahmadinejad, já assumida pelo próprio, fez referência à mudança de regime em Israel que das palavras passa às ações de, com os tanques e buldózeres da Caterpillar, apagar do mapa inteiras aldeias de Palestina, de matar e/ou expulsar os seus moradores para construir colonatos. Ainda assim, as práticas de Israel não são dignas de sanções nem da atenção da generalidade dos/as comentadores/as e agências noticiosas.

O pseudo programa nuclear militar do Irão e a vista grossa ao armamento nuclear israelense

Tal como aconteceu com o Iraque a partir de 2001, o Irão é mencionado pela imprensa de referência (incluindo a portuguesa) como um "regime perigoso" para o Ocidente porque as reservas de energia nuclear estão a ser utilizadas para fins militares. O primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu continua a pressionar os Estados Unidos para, provavelmente em aliança, atuarem militarmente. É uma das vozes mais acusatórias de que o Irão possui instalações que têm como objetivo a produção de armas nucleares:

"Continua, sem interferência, a obter capacidade de produzir armas nucleares e, portanto, bombas nucleares" e há que colocar uma linha vermelha (red line) no programa nuclear iraniano: "Esperar por quê? Esperar até quando?" [3]

Diz ainda Netanyahu:

"É inaceitável que um país que viola de forma flagrante as resoluções do Conselho de Segurança e da AIEA (...) possa beneficiar dos frutos da energia nuclear" [4]

As diabolizações de Israel e EUA em relação ao Irão no que diz respeito à energia nuclear dividem-se em duas ordens de questões, que não são controversas, e que importa serem esclarecidas: (1) a legitimidade que o Irão tem em produzir energia nuclear e (2) os relatórios da AIAE.

1. O Irão tem toda a legitimidade em produzir energia nuclear para fins pacíficos. Dentro dos termos do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TPN), de acordo com o artigo IV, todos signatários, incluindo o Irão que o assinou em 1969, tal como os Estados Unidos e outros países signatários, têm todo o direito em desenvolver energia nuclear para fins civis, portanto para fins pacíficos. Dentro tratado de não proliferação a energia nuclear é, então, um óbvio direito de qualquer país. Todos os Estados que assinaram o TPN têm o dever de cumprir com o artigo IV.1 que declara:

"Nada neste tratado deve ser interpretado como algo que afete o direito inalienável de todas as Partes do Tratado desenvolverem pesquisa, produção e uso de energia nuclear para fins pacíficos sem discriminação e em conformidade com os artigos I e II deste Tratado." [5]

Neste contexto, Israel, enquanto país não signatário do TNP, não tem qualquer direito legal a desenvolver energia nuclear sem a supervisão da AIEA. Adicionalmente, ao contrário do que fez o Irão e outros Estados da região, Israel nunca abriu as suas instalações aos inspetores da AIEA. As infrações de Israel neste âmbito, juntamente com o não escrutínio dos principais meios noticiosos, aumentam de gravidade a partir do momento em que existem inequívocas instalações de produção nuclear para fins militares em Dimona (Israel) tal como foram detalhadas pelo ex. técnico nuclear israelense Mordechai Vanunu (em 1986).

Disse Vanuno, em 2005, a Eileen Fleming:

"Nixon parou com as inspeções e concordou em ignorar a situação. Como resultado, Israel aumentou a produção. Em 1986, existiam mais de duzentas bombas. Hoje [2005], pode haver plutónio suficiente para produzir dez bombas por ano" [6]

O sacrifício de Vanuno da sua própria liberdade em nome da verdade foi em vão porque as suas descobertas têm muito pouco retorno da imprensa e dos círculos de opinião ocidentais. O "estatuto" de Israel de produtor de armamento nuclear nem sequer é ambíguo, ou especulativo (como pelos vistos é no caso do Irão). É reconhecido internacionalmente e desde cedo logo após a constituição de Israel enquanto Estado que, por David Ben-Gurion, instituiu um programa de armamento nuclear, em meados da década de 1950, como parte da sua "política ativista de defesa" [7] . Para além de no passado terem vendido clandestinamente armas nucleares a África do Sul, mesmo neste ano de 2012, Israel vendeu mísseis nucleares para a Alemanha para armar submarinos cujos oficiais alemães, como Hans Rühle, chegaram a admitir a dimensão nuclear da transação designada de "Operação Samson":

"Eu assumi desde o início que os submarinos teriam capacidade nuclear." [8]

As cerca de 200 bombas nucleares que Israel detinha em 1986, aumentando para um número atual situado entre 300 a 400, não tiveram nem têm o mediatismo, nem mereceram, ou merecem, qualquer sanção do próprio Conselho de Segurança das Nações Unidas. E qual a razão? Simplesmente porque Israel tem o apoio incondicional (militar, político, económico e diplomático) [9] dos Estados Unidos que armam e apoiam a aquisição e produção de armamento israelense que é utilizado, por exemplo, para cometer flagrantes atentados contra os direitos humanos na Palestina com o fim de "conquistar território pela guerra".Adicionalmente, os Estados Unidos, Israel e aliados passam incólumes a críticas dos seus não cumprimentos da lei internacional e são constantemente representados como vítimas, paladinos dos bons valores e guardiões da segurança global.

Os relatórios da AIEA

2. Ao contrário de Israel, o Irão permitiu que os inspetores da IAEA visitassem as instalações onde não foram encontradas quaisquer provas de desenvolvimento de energia atómica para fins militares. Os próprios serviços de inteligência dos EUA, como a CIA, também não encontraram provas que o Irão produz armamento nuclear. Mas quais são, afinal, os pontos críticos revelados no último relatório da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) de 31/Agosto/2012?

No que diz respeito às "Atividades relacionadas com o Enriquecimento" o relatório confirma que "o Irão não suspendeu as suas atividades de enriquecimento (…) e todas estas atividades estão sob a supervisão da Agência, assim como todo o material nuclear, instalado em cascata e a alimentação e as estações de retirada/evacuação nessas instalações estão sujeitas à vigilância e confinamento." [10]

O documento assinala (na alínea 39) que o Irão poderá "eventualmente" continuar com as atividades cessadas em finais de 2003 para o "desenvolvimento de aparelhos nucleares explosivos" [11] . A capacidade de fabricar armamento militar nuclear é aplicável a qualquer país que produza energia nuclear e tenha alguma tecnologia.

Por fim, o relatório afirma, inequivocamente, (na alínea 52.) que a AIEA admite não ter encontrado atividade de material nuclear para fins militares e que, "portanto, conclui que todo o material nuclear do Irão é para atividades pacíficas." [12]

A associação mediática do Irão ao terrorismo internacional e a vitimização de Israel

A outra grande ameaça veiculada por Obama, Netanyahu e seguidores/as é o apoio do Irão ao "terrorismo" [13] . De acordo com Obama e seguidores/as, o apoio do Irão é bipartido entre Hezbollah e Hamas. O "terrorismo" do Hezbollah é celebrado com um feriado a cada 25 de Maio no Líbano, e exalta a expulsão dos invasores israelenses do território libanês em 2000. Israelenses que, até então, durante 22 anos, havam cometido terror e tortura permanecendo em flagrante violação das ordens do Conselho de Segurança das Nações Unidas e da lei internacional. O agora celebrado Dia de Libertação Libanês, proporcionado pelo Hezbollah, marca assim a expulsão dos ocupadores israelenses e a libertação do Líbano, sendo que os mass media e comentadores/as residentes invertem a realidade caracterizando os israelenses-ocupadores como agredidos, vítimas, e o grupo político/militar do Hezbollah como terrorista.

O outro apoio do Irão ao "terrorismo internacional" é o Hamas – que se tornou numa séria ameaça (terrorista) quando os palestinianos cometeram o crime (em 2006) de votarem neste movimento no que viriam a ser as primeiras eleições a ocorrerem na Palestina. A imprensa de referência refere-se ao Hamas como uma das grandes forças terroristas a nível mundial por lançar de Gaza uns rockets artesanais que atingiram as fronteiras israelenses como reação aos 7,700 rockets disparados (em Junho de 2006) pelas forças militares israelenses contra civis e alvos civis palestinianos [14] . Ainda que o massacre resultante da Operação Chumbo Fundido (2007/2008), levado a cabo por Israel com apoio militar e diplomático dos Estados Unidos, tenha originado a morte de mais 1600 civis palestinianos/as e 13 israelenses (4 mortos pelas próprias forças IDF), a destruição de alvos civis (escolas, hospitais, mesquitas, esquadras de polícia) – este não foi uma época de morte e sofrimento suficientemente digna para que a imprensa internacional de referência designasse Israel, ou os EUA apoiantes, como Estados terroristas que não respeitam a lei internacional e os direitos humanos.

Ao contrário de Israel e Estados Unidos, o Irão não cometeu qualquer ato de terrorismo internacional pelo simples facto de não ameaçar, invadir e/ou atacar um país há mais de duzentos anos. Todavia, os círculos de opinião mencionam que é o Irão que devemos recear apesar de o Iraque ter sido destruído, tal como se determinou por nenhuma das razões anunciadas pelo governo de George Bush. Nem importa que o Irão esteja sob ameaça constante dos Estados Unidos e Israel, que violam o ponto 4. (do art. 2) da Carta das Nações Unidas:

"Os [Estados] membros deverão abster-se nas suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo incompatível com os objetivos das Nações Unidas" [15]

Manter as sanções económicas contra o Irão porque este tem tecnologia nuclear é não só hipócrita como também ilegal à luz do direito internacional, logo constitui-se como um crime. Mas estes dois países têm um estatuto especial porque não respondem perante direito internacional, pois os seus crimes não contam como tal.

O estatuto de ameaça do Irão

Apesar do zumbido da propaganda, a ameaça do Irão não é militar. Quando comparada com o resto da região (inclusivamente com Israel) a capacidade militar do Irão é relativamente mais baixa; é praticamente metade do que gasta a Arábia Saudita (cliente dos EUA, o país mais fundamentalista da região do Médio Oriente); e é quase impercetível equivalendo a 2% da capacidade militar dos Estados Unidos [16] .

O Irão chegou a ser aliado das grandes potências ocidentais quando (em 1953) os EUA e Grã-Bretanha derrubaram o governo legitimamente eleito e apoiaram o ditador Shah e os seus programas nucleares. Foi a partir de 1979, quando a população iraniana expulsou o ditador do poder, que os EUA têm vindo a tentar estrangular o Irão: tentaram o golpe militar, apoiaram militarmente Saddam Hussein (1980-88) na invasão ao Irão que matou centenas de milhares de pessoas, e, desde então, o Irão sofreu sanções por não aceitar ser cliente dos EUA e manter o seu "regime" democrático.

A verdadeira ameaça do Irão é o seu peso no Médio Oriente como parceiro comercial de outros países, como a França, a Alemanha, a Itália, a Espanha, a Rússia, a China, o Japão e a Coreia do Sul; a partir da década de 1990 com a Síria, a Índia, Cuba, Venezuela e a África do Sul, e que vem expandindo seus laços comerciais com a Turquia e o Paquistão. Os principais produtos de exportação são o petróleo, gás natural, produtos químicos e petroquímicos, mas também frutas, nozes e tapetes. O estatuto do Irão é representado, pela propaganda ocidental, como desestabilizador para a região; mas quando os Estados Unidos e aliados invadem e bombardeiam os países vizinhos – já são representados como os agentes que pretendem criar "estabilização".

O regime democrático iraniano é hostilizado pelos EUA simplesmente porque não admitem que os iranianos controlem os seus recursos. Mas quando os governantes ditadores são clientes dos EUA [17] , mesmo que bloqueiem o crescimento do próprio país, que oprimam as próprias populações, ou cometam atrocidades em série – passam geralmente despercebidos perante os media de referência.

O facto de os media comentarem o Irão com tanta intensidade denota a básica assunção que os Estados Unidos, Israel e alguns aliados europeus têm o direito de utilizar as sanções económicas, que estrangulam as exportações iranianas, de ameaçar ou ainda invadir militarmente à revelia da lei internacional.

Em suma, o que está em causa é uma intensa doutrinação mediática que tem vindo a proteger a agenda dos responsáveis imperialistas que prosseguem os seus planos de conquista sem serem responsabilizados por terrorismo e por diversos crimes internacionais pelas entidades competentes, que são reguladas pelos interesses dos que mais importam.

Setembro/2012

[1] American Israel Public Affairs Committee, ou America's pro-Israel lobby

[2] Na conferência da AIPAC, a 4/Março/2012, "President Obama, Diplomacy still an option in Iran", CNN, www.youtube.com/watch?v=ex-ie1UUKUg&feature=related

[3] Benjamin Netanyahu, "Those that refuse to set Red lines for Iran; can't give Israel Red light" (Sept 12, 2012), www.youtube.com/watch?v=BZV-Ul9a5Kc&feature=related

[4] Benjamin Netanyahu, www.tvi24.iol.pt/internacional/nuclear-israel-irao-tvi24/1186238-4073.html

[5] Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Versão do documento em inglês, assinado em Washington, Londres e Moscovo a 1 de Julho de 1968. Este documento foi ratificado a 5 de Março de 1970 e proclamado por Richad Nixon a 1970http://www.fas.org/nuke/control/npt/text/npt2.htm

[6] "Mordechai Vanunu, Whistle Blower on Israel's Nuclear Weapons Program, Jailed Again" 23 May, 2010, - por Eileen Fleming, Countercurrents.orgrevolutionaryfrontlines.wordpress.com/...

[7] Cf. The Nuclear Threat Initiative em www.nti.org/country-profiles/israel/nuclear/

[8] Israel's Deployment of Nuclear Missiles on Subs from Germany, em Der Spiegel , 6/June 2012 www.spiegel.de/...

[9] Por exemplo, isoladamente do resto do mundo, os EUA têm vetado indiscriminadamente as mais de 35 propostas de resolução sobre Israel e Palestina nas sessões anuais da Assembleia Geral das Nações Unidas. Os EUA continuam abertamente a apoiar a militarização, colonização israelense em "território palestiniano ocupado".

[10] Alinea 10 do documento Implementation of the NPT Safeguards agreement and relevant provision of Security Council resolutions in the Islamic Republic of Iran – Report by the Director General, 30 Agosto 2012 IAEA www.nytimes.com/...

[11] Alinea 39, Idem

[12] Alinea 52, Idem

[13] Dentro de uma conceção imperialista, portanto desconexa da lei internacional, é que este é apenas cometido sempre pelos "outros", e nunca pelas potências do ocidente.

[14] Cf. Noam Chomsky, "U.S. Savage Imperialism The U.S. Empire, the Mideast, and the world" , part I 2010, www.zcommunications.org/u-s-savage-imperialism-by-noam-chomsky

[15] Carta das Nações Unidas, Capítulo 1, nº 4 do art. 2:www.un.org/spanish/Depts/dpi/portugues/charter/chapter1.htm

[16] List of countries by military expenditures:en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_military_expenditures

[17] Só para citar alguns exemplos da longa lista de ditadores apoiados pelos Estados Unidos: Gen. Ibrahim Babangida, Anwar El-Sadat, Hosni Mubaral, Pieter Willem Botha, Mohamed Suarto, Saparmirad Atayevich Niyazov, Syngman Rhee, Anastasio Somosa Garcia, Gen. Jose Efrain Rios Montt, Gen. Manuel Antonio Morena Noriega, Augusto Pinochet, Gerardo Machado Morales, Saddam Hussein, etc. Mais emtinfoilpalace.eamped.com/2011/01/29/dictators-supported-by-the-us/

[*] Investigador, Instituto de Sociologia da FLUP.