sábado, 12 de janeiro de 2013

De Keynes para Roosevelt: reparar o mal


No dia 31 de dezembro de 1933, o economista John Maynard Keynes dirigiu uma carta aberta para Franklin Roosevelt, o único presidente dos Estados Unidos que enfrentou o capital financeiro. Se Keynes estivesse vivo, este fim de ano teria enviado uma carta parecida para Obama. Considerando o estado atual da economia mundial, e não só a estadunidense, é importante recuperar os principais pontos dessa missiva.

por Alejandro Nadal via CartaMaior


No dia 31 de dezembro de 1933, o economista John Maynard Keynes dirigiu uma carta aberta para Franklin Roosevelt, o único presidente dos Estados Unidos que enfrentou o capital financeiro. Se Keynes estivesse vivo, este fim de ano teria enviado uma carta parecida para Obama. Considerando o estado atual da economia mundial, e não só a estadunidense, é importante recuperar os principais pontos dessa missiva.

Keynes escreveu ao mandatário: “Você está diante de uma dupla tarefa: a recuperação da crise e a aprovação de reformas econômicas e sociais que deveriam ter sido introduzidas há muito. O objetivo da recuperação é incrementar o produto e o emprego. No nosso mundo, o produto se destina a ser vendido e seu volume depende do poder de compra que ele enfrentará no mercado. Um incremento no produto requer pelo menos um de três fatores. As pessoas devem ser induzidas a gastar uma maior parte de seu ingresso, ou as empresas devem ser persuadidas, seja por uma maior confiança ou por uma menor taxa de juros, a contratar mais pessoal e assim criar mais ingressos em mãos de seus empregados.

Alternativamente, a autoridade pública deve ser chamada para criar ingressos adicionais através do gasto público. Quando os tempos são ruins não se pode esperar que o primeiro fator funcione em uma escala adequada. O segundo fator não poderá operar mais até que o governo tenha revertido a situação através do gasto público. Em consequência, o maior impulso para sair do buraco só pode vir do terceiro fator.”

Keynes reconstrói até aqui sua teoria da demanda efetiva para indicar que, em tempo de crise, quando o gasto e as expectativas se deprimem, o investimento privado se contrai e não pode ser o motor para impulsionar uma economia para a frente. O gasto público é a alternativa para suprir a deficiência na demanda agregada. As políticas de austeridade que hoje se aplicam na Europa são a antítese desta visão e representam o regresso a uma ortodoxia que nega a realidade. Entretanto, nos Estados Unidos, a discussão sobre política fiscal e a necessidade de reduzir o déficit está contaminada pelo obscurantismo de uma pseudoteoria econômica mais ligada à ideologia que à análise racional.

Continua dizendo-lhe Keynes a Roosevelt: “Há indícios de que duas falácias técnicas estão afetando as políticas de sua administração. A primeira tem que ver com o papel que joga o incremento de preços na recuperação.” Keynes esclarece que o aumento de preços normalmente acompanha o crescimento e a expansão do emprego. Mas existe uma inflação provocada por manipulações de custos ou da oferta e não tem nada que ver com o aumento de preços que se espera de uma expansão saudável do poder de compra e da demanda agregada. Em poucas palavras, o fetiche do controle da inflação não deve ser um obstáculo para aplicar políticas de recuperação.

No terreno das recomendações, Keynes insistiu: “a prioridade está em outorgar crédito para o gasto sob o patrocínio do governo. Uma preferência estaria em obras que podem amadurecer rapidamente e em grande escala, como a reabilitação da rede ferroviária. Em segundo lugar eu colocaria o crédito barato e abundante, assim como a redução da taxa de juros de longo prazo através da intervenção da Reserva federal”.

Oitenta anos depois, a carta de Keynes a Roosevelt mantém sua vigência esclarecedora. Enquanto a pior crise na trágica história do capitalismo continua sua marcha, os poderes estabelecidos aproveitam a conjuntura para arremessar-se contra o que sobra do estado de bem-estar. O colapso atual tem suas raízes no estancamento dos salários reais nas principais economias capitalistas do mundo. A má distribuição do ingresso levou a um enorme endividamento das classes trabalhadoras. E agora, em uma brutal recessão na qual todos os agentes estão empenhados em desendividar-se, ninguém quer aumentar passivos e qualquer ajuda em forma de subsídios fiscais se utiliza para pagar dividas, o que não contribui para incrementar a demanda. Neste contexto urge o lançamento de um vasto programa de obras públicas.

Nos Estados Unidos e na Europa, os amos do dinheiro impedem que o gasto público seja o fator para sair do lamaçal, como Keynes recomendava. A falácia sobre a necessidade de manter o orçamento equilibrado submetendo as finanças públicas ao ditame do capital financeiro. Ainda mais, ao impor os recortes fiscais, se agrava a crise porque se reduz a demanda agregada. Será por ignorância ou por má fé? Em alguns casos o desconhecimento dos rudimentos da teoria econômica é responsável por serem aplicadas políticas retrógradas. Mas, em geral, o retrocesso em política macroeconômica frente à crise se deve a um objetivo perverso: a destruição de todas as instituições que apoiam a classe trabalhadora.

(*) Alejandro Nadal é membro do Conselho Editorial da revista SinPermiso.

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