segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Noam Chomsky sobre: “Trabalho, aprendizado e liberdade”



“Aqui mesmo nos EUA, no século 19, sem qualquer influência do marxismo ou de qualquer corrente de ideias europeias, já se sabia que o trabalho assalariado é uma escravidão – a única diferença, é que é escravidão temporária. Essa frase era tão conhecida e repetida, que foi um dos slogans do Partido Republicano. E foi a bandeira sob a qual os trabalhadores nortistas lutaram a Guerra Civil: que a escravidão assalariada era tão nefanda quanto a escravidão sem salário. Em resumo: tornou-se absolutamente necessário arrancar essas ideias da cabeça das pessoas.”

Noam Chomsky, entrevistado por Michael Kasenbacher, New Left Project

Work, Learning and Freedom

Traduzida pelo pessoal da Vila Vudu

“Gostaria de ter mais tempo para trabalhar. Mas não tenho tempo livre...”

Michael Kasenbacher: Gostaria de perguntar-lhe: o que é trabalho realmente desejado? Talvez possamos começar por sua experiência pessoal e sua carreira de duas faces, na linguística e no ativismo político? Você gosta de trabalhar assim?

Noam Chomsky: Se tivesse tido tempo, teria trabalhado muito mais sobre linguagem, filosofia, ciências da cognição, tópicos intelectualmente muito interessantes. Mas grande parte de minha vida é ocupada hoje noutro tipo de atividade política: ler, escrever, organizar eventos, ativismo em termos gerais. É trabalho necessário, vale a pena, mas não é atividade que realmente estimule o intelecto e obrigue a pensar forte. Em relação a assuntos humanos, das duas uma: ou não compreendemos coisa alguma, ou só compreendemos superficialmente. É trabalho duro pesquisar informações, reunir, sim; é duro, mas não é intelectualmente desafiador. Faço, porque é necessário.

O trabalho ao qual dedicar a parte principal da vida é o trabalho que você continuaria a querer fazer mesmo que deixasse de ser pago. É trabalho inventado por necessidade, interesse e preocupações interiores, subjetivas.

Michael Kasenbacher: O filósofo Frithjof Bergmann diz que a maioria das pessoas não sabem que tipo de atividades realmente desejam ter. Chama a isso “miséria do desejo”. Entendo e parece-me bem verdade, quando converso com vários dos meus amigos. Você sempre soube o que queria fazer?

Noam Chomsky:Aí está um problema que nunca me apareceu: sempre desejei fazer muitas coisas. Também duvido de que essa “miséria do desejo” seja problema muito generalizado. Um marceneiro, por exemplo... Pessoalmente, não sou bom com ferramentas. Mas considere alguém capaz de construir objetos, de consertar coisas; os que conheço desejam realmente fazer o que fazem. Adoram fazer o que fazem: ‘se há problema, eu conserto.’ Ou o esforço físico – também pode ser muito gratificante. Se o seu trabalho é mandar, sim, pode ser difícil, se você for muito tímido, não gostar de mandar, ou se tem de mandar fazer coisas contra o seu interesse. Mas se você é pago para mandar fazer coisas ditadas pelo seu próprio desejo ou seus interesses, mandar pode ser excitante, interessante, prazeroso.

O que quero dizer é que há muita gente que procura o que fazer – é trabalho, claro. Jardinagem, por exemplo. Se você teve uma semana difícil, as crianças correm pela casa, sim, você deitar e dormir; mas será mais prazeroso se for trabalhar no jardim, ou construir alguma coisa, ou fazer ‘alguma coisa’.

Essa percepção é muito antiga, e não é invenção minha. Wilhelm von Humboldt, que é autor de alguns dos trabalhos mais interessantes sobre isso, escreveu que, se um artesão produz um belo objeto por encomenda, nós até admiramos a beleza do objeto, mas desprezamos o artesão que trabalha como ferramenta nas mãos de quem lhe faz encomendas e paga. Mas se o mesmo artesão cria o mesmo objeto apenas porque quis criá-lo, admiramos, além do objeto, também o artista; e o artista, nesse caso, sente-se realizado, o que é prazeroso.

É mais ou menos como aprender na escola – creio que todos já tivemos essa experiência: se se estuda exclusivamente para uma prova, claro, é ótimo passar de ano, mas, duas semanas depois tudo aquilo que ‘aprendemos’ estará esquecido. Mas se você pesquisa e estuda alguma coisa porque deseja realmente entender, você mesmo concebe os testes, você erra e refaz tudo, procura no lugar errado, mas não desiste de encontrar; e, ainda que não consiga chegar aonde desejava, o que você fez e tentou, isso, você não esquece tão facilmente.

Michael Kasenbacher: Então, você está dizendo que as pessoas, basicamente, sabem o que querem fazer?

Noam Chomsky: Sim, sob circunstâncias favoráveis. As crianças são naturalmente curiosas – querem saber sobre tudo, querem explorar tudo; na maioria das vezes, dão com a cabeça no chão. Então são postas em estruturas de disciplina, as coisas são organizadas para que façam umas coisas, não outras, de modo a que você aprenda umas coisas, não outras. Por isso tantas escolas são entediantes. Não significa que não haja escolas excitantes.

Até mais ou menos 12 anos, frequentei uma escola Deweyiana. Era ótima. Eu tinha vontade de ir para a escola, queria ficar lá. Não havia classes, nem provas para ‘passar de ano’. Cada aluno era orientado de modo a conseguir fazer o que tivesse vontade de fazer. Havia, claro, estrutura, mas, basicamente, o aluno podia seguir seus próprios interesses e preocupações e, mesmo assim, trabalhava com outros.

Pessoalmente, nunca nem tive ideia de que era um ótimo aluno, até chegar à universidade. Fui para um ginásio pré-universitário no qual todos eram avaliados e classificados, e era indispensável passar à universidade, portanto, havia exames de seleção. Na escola primária, de fato, eu “pulei” um ano, mas ninguém deu qualquer importância. A única coisa que eu sempre soube é que eu era o menor da classe. Mas não era grave nem importante.

No pré-universitário, tudo mudou completamente: você tinha de ser o primeiro da classe. O segundo lugar não interessava. É ambiente muito destrutivo – que empurra as pessoas para a situação na qual você realmente não sabe o que deseja fazer. Aconteceu comigo; no pré-universitário perdi completamente o interesse por estudar. Se se olha a grade de estudos, sim, tudo parecia interessante, grandes cursos... Mas acabei por descobrir que o curso pré-universitário era um ginásio, para alunos mais velhos. Depois de um ano, eu só pensava em parar de estudar, não queria nem me aproximar da universidade. Minha vida acadêmica é uma sequência de acasos.

Ainda estava no pré, quando um dos professores da faculdade sugeriu que eu assistisse às aulas dele. Depois desse curso, comecei a fazer outros cursos. Mas não completei, até hoje, nenhum curso que me habilite a dar aulas em universidade. Por isso dou aulas no MIT, que não exige qualquer qualificação acadêmica além da qualificação no próprio Instituto.

O que quero dizer é que educação, ou é assim ou é sempre extremamente alienante. Vejo pelos meus netos ou os círculos nos quais vivem. São crianças que absolutamente não sabem o que querem fazer, então fumam maconha, ou bebem, ou enchem o dia arquitetando meios para escapar da escola ou outras atividades antissociais. Porque são criaturas cheias de energia, deixadas sem nenhuma atividade que realmente mobilize suas emoções, seu desejo e sua energia. Nos EUA é assim, não sei como é na Áustria, mas nos EUA, até o conceito de brincar mudou. Vejo, onde moro. Minha mulher e eu nos mudamos para cá, porque era bom para as crianças – menos tráfego, muitas árvores, as crianças podiam brincar na calçada. As crianças passavam o dia todo na rua, nas bicicletas, o que fosse. Hoje, as crianças não saem de casa. Dentro de casa, não saem de frente da tela, dos videogames, ou coisas dessas, sempre em atividades organizadas para elas: esportes organizados por adultos, coisas assim. A ideia de brincadeiras espontâneas, que as crianças organizavam, parece ter sumido ou, pelo menos, diminuiu muito. Há estudos sobre isso. Vi alguns, dos EUA e Inglaterra, e não sei se é verdade também em outros locais, mas a brincadeira infantil proposta pelas crianças, isso, mudou muito, com outras mudanças sociais pelas quais passa o mundo. Acho ruim, porque sem inventar, os instintos criativos não florescem. O que se aprende num jogo de rua, com tacos feitos com cabo de vassoura, não se aprende em torneios organizados da Liga Infantil, todos uniformizados...

Às vezes, é surreal. Lembro quando meu neto, dez anos, jogava baseball, em vários times pela cidade: onde houvesse jogo, lá estava ele. Até que, um dia, ele voltou para casa desconsolado, porque fora proibido de jogar... As novas regras “da cidade” obrigavam os times a manter jogadores “estáveis”, jogadores de um time, não podiam jogar nas outras equipes... Não sei se você conhece baseball, mas a coisa é simples: três jogadores fazem todo o serviço; o resto da equipe só completa o número mínimo. Pois as regras proibiam que uma equipe emprestasse a outra um atleta que só teria de ficar sentado lá, fazendo número.

O absurdo é total, mas é exatamente o que acontece hoje. Vale nas escolas, claro. A grande inovação educacional do governo Obama foi “nenhuma criança deixada para trás”. Nas escolas, nada significa além de professores treinados para treinar crianças para serem aprovadas em testes, e professores avaliados pelo número de “aprovações” que os alunos obtêm nos exames de seleção. Converso com muitos professores. Todos contam histórias semelhantes. Uma criança que se interesse por algo não previsto no “programa”, logo ouve o “conselho”: não pode ser, porque, assim, você não passará nos exames de seleção. De fato, é uma antieducação, é o contrário de educar.

Os EUA tiveram o primeiro sistema de educação em massa do mundo (muito antes da Europa). Mas, se você analisa o sistema aqui implantado no final do século 19, foi planejado para converter pequenos agricultores independentes em operários de fábrica perfeitamente disciplinados. Até hoje, grande parte da educação mantém-se nessa linha. Às vezes, é objetivo declarado.

Se você não conhece, dê uma olhada num livro intitulado The Crisis of Democracy [1] – publicação de uma “comissão trilateral” – nada além de liberais internacionalistas da Europa, Japão e EUA, a direita da elite intelectual. [2] Daí saiu todo o governo de Jimmy Carter. O livro manifestava a preocupação da direita liberal com o que acontecera nos anos 1960s. E, ora! O que acontecera nos anos 1960s era democrático demais, muito ativismo, jovens nas ruas, experimentando, testando novas ideias; o livro chama esse período de “tempo de confusões”.

A “confusão”, de fato, é que, ali, os EUA estavam sendo civilizados: dali saíram leis de direitos civis, de igualdade para as mulheres, de atenção ao meio ambiente, os movimentos pacifistas, antiguerra, antiviolência.

Os EUA se tornaram país mais civilizado, mas o processo preocupou muita gente, porque as pessoas estavam conseguindo escapar ao controle. Tudo fora feito para os norte-americanos sermos gente passiva e apática, que faz o que é mandada fazer, que aceita ordens dos homens e mulheres sérios que mandam no país. É a ideologia das elites, em todo o espectro político: as pessoas são estúpidas demais, ignorantes demais; então, para protegê-las delas mesmas... nós temos de controlá-las. Essa ideologia, precisamente, estava ruindo nos anos 60s.

Aquela “comissão trilateral”, então, publicou o tal livro, para tentar induzir o que foi chamado de “democracia moderada” – empurrar as pessoas outra vez para a obediência e a passividade, para que não criassem dificuldades para o poder do estado, etc. e tal.

O que mais preocupava a tal comissão eram os mais jovens – as instituições responsáveis pela doutrinação dos mais jovens (é a expressão que se usa no relatório); falavam, claro, de escolas, universidades, igrejas... Que não estavam trabalhando corretamente; por isso, os jovens não estavam sendo adequadamente doutrinados. E estavam sentindo-se livres para ter ideias, tomar iniciativas, cuidar do que mais lhes interessasse. Não podia ser. Era necessário reassumir o controle.

Se se analisa o que aconteceu depois de 1975, várias medidas foram implantadas para impor disciplina. Um exemplo simples: o aumento nas taxas universitárias – vale mais para os EUA do que noutros países, mas, nos EUA, essas taxas já chegam à estratosfera. Os preços, em parte, restringem a uma só classe o acesso à universidade, mas, mais que isso, impõem aos jovens o peso de uma dívida gigantesca, impagável, sem estrita disciplina, que empurre o jovem para uma “carreira”. Se você sai da universidade endividado até o pescoço, você não é livre para fazer o que queira fazer. Você talvez sonhasse em trabalhar como advogado de uma organização popular... Mas você será obrigado a trabalhar para uma grande empresa de advocacia privada. É grave. E há muitas outras coisas assemelhadas.

A guerra às drogas foi inventada, principalmente, pela mesma razão: a guerra às drogas também é um sistema de disciplinamento, um modo de assegurar que as pessoas sejam mantidas sob controle. Não tenho dúvidas de que tenha sido conscientemente concebida para essa finalidade... Por isso é como é.

A ideia da liberdade é muito assustadora para os que gozem de qualquer grau de privilégio e poder. Acho que se vê isso também no sistema educacional. E nos locais de trabalho. Há um estudo muito interessante, de um pesquisador que, infelizmente, não pôde continuar seu trabalho, porque não foi recontratado, que examinou muito atentamente o desenvolvimento de máquinas controladas por computador – que começaram a ser desenvolvidas nos anos 1950s, em projeto para os militares, os quais, de fato, desenvolveram protótipos de tudo que temos hoje...

Michael Kasenbacher: Como se chama esse pesquisador?

Noam Chomsky: David Noble. Escreveu alguns livros muito bons. Um deles é Forces of Production.

O que Noble descobriu é que, quando esses métodos e sistemas foram concebidos, havia uma “bifurcação”, uma escolha estratégica decisiva, a ser feita: se os novos métodos e sistemas seriam desenhados (i) para serem operados por maquinistas-operadores treinados e competentes, ou se, muito diferente disso, (ii) os novos métodos e sistemas seriam desenhados para serem controlados no plano da administração, da gestão.

Escolheram a segunda via, apesar de não ser a mais lucrativa. Fizeram-se estudos que demonstraram que essa segunda via não geraria maiores lucros; mas, mais importante que o lucro, nesse caso, era manter os trabalhadores sob controle. Ninguém absolutamente tinha qualquer interesse em treinar operadores para administrar o processo industrial. Uma das razões, óbvia, é que, com operadores insubstituíveis, rapidamente surgiria a ideia – que nada tem de nova – de descartar os proprietários... que nada fazem e só atrapalham. Essa ideia assustadora levou, em boa parte, ao New Deal.

As medidas do New Deal, nos EUA, surgiram, em boa parte, da evidência de que as greves já estavam assumindo feições de manifestações de cidadãos; os trabalhadores cruzavam os braços, ou famílias inteiras de trabalhadores desempregados sentavam-se na rua, à entrada das fábricas (ing. sit-ins e sit-downs) e, assim, ajudavam os grevistas. Grevistas de braços cruzados estão sempre a um passo de alguém dizer: “Por que estamos aqui fora, de braços cruzados? Vamos entrar lá e controlar essa fábrica”.

Desde o século 19 há muita literatura operária, hoje, também, vasta literatura operária sobre essas ideias. A revolução industrial nos EUA começou bem perto daqui. Os operários opuseram-se muito fortemente ao sistema industrial; diziam que o sistema industrial lhes roubaria a liberdade, a independência, todos os seus direitos como membros de uma república livre, que a revolução industrial estava destruindo a cultura operária. Diziam que o melhor a fazer era os próprios operários ocuparem as fábricas, os moinhos, e comandá-los eles mesmos.

Aqui mesmo nos EUA, no século 19, sem qualquer influência do marxismo ou de qualquer corrente de ideias europeias, já se sabia que o trabalho assalariado é uma escravidão – a única diferença, é que é escravidão temporária. Essa frase era tão conhecida e repetida, que foi um dos slogans do Partido Republicano. E foi a bandeira sob a qual os trabalhadores nortistas lutaram a Guerra Civil: que a escravidão assalariada era tão nefanda quanto a escravidão sem salário. Em resumo: tornou-se absolutamente necessário arrancar essas ideias da cabeça das pessoas.

Acho que essas ideias não estão enterradas muito fundo. Acho que podem voltar à tona a qualquer momento. Podem volta a tona, de fato, amanhã ou depois: Obama é praticamente proprietário da indústria automobilística, está fechando fábricas por todo o país, ao mesmo tempo em que seu governo não pára de assinar contratos com Espanha e França para construir trens de alta tecnologia, setor no qual os EUA estão muito atrasados – e usando dinheiro de incentivos federais para pagar as novas fábricas. Mais dia menos dia, os trabalhadores de Detroit dar-se-ão conta de que... “nós sabemos construir essas coisas. Vamos assumir o controle da fábrica, e fabricamos, nós mesmos”. Pode acontecer um renascimento operário-industrial aqui mesmo. Nada assusta mais os bancos e os gerentes administrativos, do que essa possibilidade.

Michael Kasenbacher: Como é sua rotina de trabalho? Como consegue trabalhar tanto?

Noam Chomsky: Minha mulher morreu há alguns anos e, desde então, só trabalho. Vejo meus filhos, vez ou outra, mas é só. Sempre trabalhei muito, mas, antes, ainda tinha alguma vida pessoal fora de casa. Agora, não mais. Só trabalho.

Michael Kasenbacher: Quantas horas você dorme por noite?

Noam Chomsky: Tento dormir, quando consigo, seis, sete horas por noite. Minha vida é completamente louca: muitas entrevistas, muitas conferências, muitas reuniões. Gostaria de ter mais tempo para trabalhar. Mas não tenho tempo livre... Nunca vou ao cinema, não como fora de casa. Não é vida saudável. Não recomendo a ninguém.

Notas dos tradutores

[1] CROZIER, Michel; HUNTINGTON, Samuel P.; WATANUKI, Joji. The Crisis of Democracy: Report on the Governability of Democracies to the Trilateral Commission

[2] Sobre o relatório:

Em 1975, a Comissão Trilateral publicou o seu relatório sobre a crise da democracia, da autoria de Crozier, Huntington e Watanuki. Segundo estes, a democracia estava, de fato, em crise. Não, porém, por haver democracia a menos, mas, pelo contrário, por haver democracia a mais.

As democracias estavam em crise porque se encontravam sobrecarregadas com direitos e reivindicações e porque o contrato social, em vez de excluir, era demasiado inclusivo, devido precisamente às pressões sobre ele exercidas pelos atores sociais históricos atacados pelos estudantes (os partidos operários e os sindicatos). Com esta análise e o poder social por detrás dela, a crise do governo baseado no consenso (crise de legitimidade) transformou-se numa crise do governo “tout court”, e, com isto, a crise de legitimidade transformou-se em crise de governabilidade.

A natureza da contestação política viu-se, desta forma, profundamente alterada. O foco, antes centrado na incapacidade do Estado para fazer justiça aos novos movimentos sociais e às suas exigências, passou a centrar-se na necessidade de conter e controlar as reivindicações da sociedade relativamente ao Estado. Em breve, o diagnóstico da crise enquanto crise de governabilidade passou a ser dominante, o mesmo se verificando com a terapia política proposta pela Comissão Trilateral: do Estado central para a devolução/descentralização; do político para o técnico; da participação popular para sistemas de peritos; do público para o privado; do Estado para o mercado (Crozier et al., 1975).

(Boaventura de Sousa Santos, “A crítica da governação neoliberal: o Fórum Social Mundial como política e legalidade cosmopolita subalterna”, Revista Crítica de Ciências Sociais n. 72, out. 2005, p. 7-44)

O PRÍNCIPE LOBISTA

por  Mauro Santayana


Em sua edição online de ontem, o Guardian revela que o príncipe Charles, da Inglaterra, em movimento de lobby, se encontrou, durante o ano, com oito ministros ingleses, tratando de assuntos do governo, entre eles os que envolvem o Oriente Médio, e sua presença militar e econômica na região - o que contraria os costumes tradicionais do Reino Unido, onde o Rei (hoje, a Rainha) reina, mas não governa. As relações entre a Família Real e o governo se fazem mediante os encontros, nos momentos de grave necessidade política, entre o monarca que esteja no Trono e o Primeiro Ministro, no rito em que se confirma o princípio de que o poder da Coroa se submete à vontade nacional.

A monarquia é um sistema que o bom senso moderno repele. Há monarcas que se mantêm no Trono com discrição e absoluto respeito constitucional ao Parlamento, como são os soberanos dos países nórdicos. Mas as monarquias inglesa, holandesa e espanhola se mostram, a cada dia mais, servidoras de seus próprios interesses. Os escândalos se sucedem, em uma ofensa direta aos trabalhadores. Os príncipes se envolvem em episódios constrangedores, como vem ocorrendo com o Rei Juan Carlos, da Espanha, onde os casos de corrupção envolvem membros da Casa Real. Os soberanos e de seus presuntivos herdeiros usam de sua condição para dar ordens aos governantes, violando a Constituição e os ritos seculares da instituição.

O príncipe britânico, de acordo com seus acusadores, está defendendo interesses da indústria do armamento, da energia e do sistema financeiro. Isso explica encontros secretos com os ministros e altos funcionários da Defesa, do Tesouro, da Educação, da Economia, para tratar de assuntos relativos a essas pastas.

De acordo com a Casa Real, é normal que o Príncipe de Gales, como herdeiro presuntivo do Trono, mantenha esses encontros, e em segredo. Há, no entanto, a reivindicação da cidadania de que haja transparência nessas reuniões, que cuidam de assuntos em que se envolve o governo e a segurança nacional do povo britânico.

Há, latente, na Inglaterra – e com memória na fugaz, mas marcante, República de Cromwell, do século 17 – os partidários do fim da monarquia e da implantação da República. Não obstante isso, o espírito conservador britânico tem prevalecido para conter essa manifestação de bom senso. É provável, no entanto, que, diante da erosão de sua já combalida respeitabilidade, o sistema monárquico desapareça na Inglaterra, depois que sucumbir na Espanha, onde é, a cada dia e a cada hora, mais claudicante.

É certo que a monarquia foi o ponto de encontro e de entendimento, na Espanha, para encerrar o capítulo do franquismo, sem choques e com o estancamento de sangue, que durou até a morte de Carrero Blanco. Mas, cumprida essa função histórica, passou a ser inútil e prejudicial ao interesse da Nação.

A indústria açucareira move os fios da escravidão

Via Rebelion por Nazaret Castro/Laura Villadiego  Tradução do espanhol: Renzo Bassanetti

La Marea
Não é nenhuma novidade que cortar cana é um dos trabalhos mais duros que existem. Já era assim nos tempos da colonização das Américas, quando os navios negreiros transladavam ao trópico americano a mão de obra das plantações. Séculos depois, há coisas que não mudaram muito: na América Latina de hoje, “o latifúndio multiplica os famintos, mas não os pães”, como escreveu Maza Zavala há quarenta anos.

O crescimento da demanda de açúcar como conseqüência do auge do biodiesel transforma a cana num dos cultivos em alta, que junto à soja e poucos produtos mais se repartem o pastel de uma terra que, como ontem, vive entre o latifúndio e a monocultura. Cada vez que se expande a fronteira desses cultivos, freqüentemente geridos pelo capital estrangeiro, dezenas, centenas ou milhares de famílias camponesas são expulsas de suas casas para ir parar, quase sempre, nas imensas favelas das grandes urbes.

No Brasil, maior produtor de açúcar do mundo, a indústria açucareira desde os anos 70 vem anunciando a mecanização do setor; contudo, desde então a mão de obra não fez outra coisa que tornar-se mais barata, desestimulando as empresas a levar adiante esses investimentos. Nesse país, como na maioria das plantações do planeta, o pagamento é por peso colhido, o que obriga a extenuantes jornadas de trabalho por um soldo miserável, que freqüentemente não ultrapassa o salário mínimo (pouco mais de 200 euros por mês).

Algumas estimativas calculam que, para cortar uma média de 12 toneladas de cana por dia, o trabalhador deve caminhar mais de 8 quilômetros, dar 130 mil golpes de facão e perder 8 litros de água. Não é de estranhar, então, que em muitos casos os cortadores consumam drogas como crack e maconha para aliviar suas jornadas. Tampouco surpreende que, depois de poucos anos trabalhando nas plantações, desenvolvam doenças em função da dureza do trabalho, da exposição aos agrotóxicos e às queimadas, além das nefastas condições de higiene e segurança do trabalho.

Camponeses despejados
Em outra esquina do mundo, na Tailândia, segundo exportador mundial de cana de açúcar, a realidade não é muito diferente: por jornadas de trabalho extenuantes recebe-se, em função do peso colhido, entre 2,5 e 7,5 euros/dia em troca. Ali, freqüentemente são usados imigrantes ilegais, vindos principalmente da Birmânia: sua vulnerabilidade os torna ainda mais maleáveis.

No vizinho Camboja, o auge da exportação açucareira tem significado um aumento das áreas de cultivo, e com isso a ocupação de terras que supõe o deslocamento de centenas de famílias camponesas. Varias ONGs assinalam como culpado o Everything but Arms (Tudo exceto Armas), um acordo preferencial assinado entre o Camboja e a União Européia, que permite isenções de impostos sobre as exportações cambojanas; o suposto objetivo é contribuir para o crescimento econômico do país asiático, mas o acordo está provocando tais violações dos direitos humanos que o próprio Parlamento Europeu solicitou uma investigação sobre as conseqüências do tratado com o Camboja.

A localidade de Srae Ambel, no sul do país, é um triste exemplo. Ali, o governo cambojano outorgou uma área a uma companhia tailandesa de exploração de terras, onde até o momento subsistiam centenas de famílias de pequenos camponeses. Desprovidos de sua fonte de alimentos, muitos deles se vêem obrigados a pedir trabalho nos canaviais. “O trabalho é muito duro; consigo realizá-lo por apenas três dias seguidos”, assegura Chea Cheat, um robusto homem de 38 anos que cobra uns 5 dólares diários se trabalha de sol a sol a pleno rendimento. Até então, nessas mesmas terras Chea Cheat cultivava arroz; hoje, carrega fardos de cana 15 dias por mês, tempo que consegue suportar, e procura outros trabalhos para complementar um salário de subsistência.

Chea Cheat é exceção, pois a companhia prefere contratar trabalhadores de outras áreas do país por medo do ressentimento dos locais. Os campos estão cercados e suas entradas vigiadas. “Sabemos que os trabalhadores vivem em condições de semi-escravidão. Eles são recrutados nas zonas rurais de todo o país e são impedidos de sair das plantações”, assegura Mathieu Pelligrin, pesquisador da ONG local de direitos humanos LICADHO. Também tem havido indícios de trabalho infantil dentro dos campos. De fato, 13 países do mundo empregam mão de obra infantil nas plantações, segundo ima investigação do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos.

O dano ambiental
Camboja e Brasil são somente alguns exemplos. 130 países no mundo produzem açúcar, e por todo o planeta se repetem as péssimas condições de trabalho dos jornaleiros e as expropriações forçadas de terras. Além dos efeitos sociais, a cana-de-açúcar implica em devastadoras conseqüências ambientais, desde o desmatamento até o uso intensivo de agrotóxicos – no Brasil, os canaviais absorvem 13% dos pesticidas utilizados no país -, passando pelas tóxicas queimadas da cana. E isso citando apenas o primeiro passo da cadeia produtiva; ao açúcar ainda resta um longo caminho até chegar a nosso café e nossas sobremesas: refinação, transporte, embalagem, distribuição e marketing.

A pergunta é: não há uma maneira menos danosa, ambiental e socialmente, de produzir açúcar? Obviamente sim, mas deixaria menos margens de lucros aos oligarcas produtores e distribuidores. Desde o projeto de consumo responsável Carro de Combate, cremos que a mudança começa com a conscientização sobre o problema, para juntos buscarmos soluções que nos façam o açúcar um pouco menos amargo. Por isso, buscamos financiamento através de uma campanha de micro-apoiadores para realizar uma investigação em profundidade sobre a cadeia produtiva do açúcar, por que o consumo é, cada vez mais, um ato político.

Nazaret Castro é correspondente na América Latina e Laura Villadiego, no Sudeste Asiático. Ambas fundaram o blog sobre consumo responsável Carro de Combate.

"La Dolce Vita" de Yoani Sánchez em Cuba

Via Opera Mundi
Ao contrário do que afirma, dissidente possui padrão de vida inacessível para a imensa maioria dos cubanos

Wikimedia Commons
Ao ler o blog da dissidente cubana Yoani Sánchez, é inevitável sentir empatia por esta jovem mulher, que expressa abertamente sua oposição ao governo de Havana. Descreve cenas cotidianas de privações e de penúrias de todo tipo. “Uma dessas cenas recorrentes é a de perseguir os alimentos e outros produtos básicos em meio ao desabastecimento crônico de nossos mercados”, escreve em seu blog Generación Y. [1]

De fato, a imagem que Yoani Sánchez apresenta dela mesma – uma mulher com aspecto frágil que luta contra o poder estatal e contra as dificuldades de ordem material – está muito longe da realidade. Com efeito, a dissidente cubana dispõe de um padrão de vida que quase nenhum outro cubano da ilha pode se permitir ter.

Mais de seis mil dólares de renda mensal.

A SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), que agrupa os grandes conglomerados midiáticos privados do continente, decidiu nomeá-la vice-presidente regional de sua Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação [2] por Cuba. Sánchez, que como de costume, é tão expressiva em seu blog, manteve um silêncio hermético sobre seu novo cargo. Há uma razão para isso: sua remuneração. A oposicionista cubana dispõe agora de um salário de seis mil dólares mensais, livres de impostos. Trata-se de uma renda bastante alta, habitualmente reservada aos quadros superiores das nações mais ricas. Essa importância é ainda maior considerando que Yoani Sánchez reside em um país de Terceiro Mundo em que o Estado de bem-estar social está presente e onde a maioria dos preços dos produtos de necessidade básica está fortemente subsidiada.

Em Cuba, existe uma dupla circulação monetária: o CUC e o CUP. O CUC representa aproximadamente 0,80 dólares ou 25 CUP. Assim, com seu salário da SIP, Yoani Sánchez dispõe de uma renda equivalente a 4.800 CUC ou a 120.000 CUP.

O poder aquisitivo de Yoani Sánchez

Avaliemos agora o poder aquisitivo da dissidente cubana. Assim, com um salário semelhante, Sánchez poderia pagar, a escolher:

- 300.000 passagens de ônibus;

- 6.000 viagens de táxi por toda Havana [3]

- 60.000 entradas para o cinema;

- 24.000 entradas para o teatro;

- 6.000 livros novos;

- 24.000 meses de aluguel de um apartamento de dois quartos em Havana [4];

- 120.000 copos de garapa (suco de cana);

- 12.000 hambúrgueres;

- 12.000 pizzas;

- 9.600 cervejas;

- 17.142 pacotes de cigarro;

- 12.000 quilos de arroz;

- 8.000 pacotes de macarrão;

- 10.000 quilos de açúcar;

- 24.000 sorvetes de cinco bolas;

- 40.000 litros de iogurte;

- 5.000 quilos de feijão;

- 120.000 litros de leite (caso tenha um filho de menos de 7 anos);

- 120.000 cafés;

- 80.000 ovos;

- 60.000 quilos de carne de frango;

- 60.000 quilos de carne de porco;

- 24.000 quilos de bananas;

- 12.000 quilos de laranja;

- 12.000 quilos de cebola;

- 20.000 quilos de tomate;

- 24.000 tubos de pasta de dente;

- 24.000 unidades de sabão em pedra;

- 1.333.333 quilowatts-hora de energia [5];

- 342.857 metros cúbicos de água potável [6];

- 4.800 litros de gasolina;

- um número ilimitado de visitas ao médico, dentista, oftalmologista ou qualquer outro especialista da área de saúde, já que tais serviços são gratuitos;

- um número ilimitado de inscrições a um curso de esporte, teatro, música ou outro (também gratuitos).

Essas cifras ilustram o verdadeiro padrão de vida de Yoani Sánchez em Cuba e dão uma ideia sobre a credibilidade da opositora cubana. Ao salário de seis mil dólares pagos pela SIP, convém agregar a renda que cobra a cada mês do diário espanhol El País, do qual é correspondente em Cuba, assim como as somas coletadas desde 2007.

Com efeito, no período de alguns anos, Sánchez recebeu múltiplas distinções, todas financeiramente remuneradas. No total, a blogueira recebeu uma retribuição de 250.000 euros, ou seja, 312.500 CUC ou 7.812.500 CUP, quer dizer, uma importância equivalente a mais de 20 anos de salário mínimo em um país como a França, quinta potência mundial.

A dissidente, que primeiro emigrou à Suíça depois de optar por voltar a Cuba, é bastante sagaz para compreender que o fato de adotar um discurso a favor de uma mudança de regime agradaria aos poderosos interesses contrários ao governo e ao sistema cubanos. E eles, por sua vez, saberiam se mostrar generosos com ela e permitiriam gozar da dolce vita em Cuba.

(*) Doutor em Estudos Ibéricos e Latinoamericanos pela Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor titular da Université de la Réunion e jornalista, especialista das relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro é intitulado Etat de siège: les sanctions economiques des Etats-Unis contre Cuba, París, Edições Estrella, 2001, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade. Contato: lamranisalim@yahoo.fr ; Salim.Lamrani@univ-reunion.fr ; Facebook: https://www.facebook.com/SalimLamraniOfficiel

Referências bibliográficas:

[1] Yoani Sánchez, “Atacado vs varejo”, Generación Y, 5 de junho de 2012. http://www.desdecuba.com/generaciony/ (site consultado em 26 de julho de 2012).

[2] El Nuevo Herald, “Yoani nomeada na Comissão da SIP”, 9 de novembro de 2012.

[3] De Havana Velha até o bairro Playa.

[4] 85% dos cubanos são proprietários de suas casas. Essa tarifa é reservada exclusivamente para os cidadãos cubanos da ilha.

[5] Até 100 quilowatt-hora, o preço é de 0,09 CUP a cada quilowatt-hora.

[6] 0,35 CUP por m³.

O Sonegômetro registra meio trilhão em sonegação de impostos


por GilsonSampaio

Enquanto a mídia corrupta não se cansa de mostrar o impostômetro, eis o sonegômetro denunciando os inacreditáveis R$ 500 bilhões sonegados.É um terço do que registra o impostômetro.
Já pensou que se não houvesse tanta sonegação os impostos poderiam ser menores?


Um viva para os empresários patrioteiros, para a canalha bancária, para os rentistas e para a mídia corrupta.

Slavoj Žižek: “Nunca precisamos tanto, como hoje, de teoria inútil”



Slavoj Žižek, Salon [entrevista a Katie Engelhart] (excertos)

Slavoj Zizek: I am not the world’s hippest philosopher!

Traduzida pelo pessoal da Vila Vudu via blog do Gilson Sampaio



Recadinho da Vila Vudu:Excluímos, nessa tradução, além das opiniões da jornalista entrevistadora que a ninguém aqui interessaram, também outros parágrafos, em que a jornalista entrevistadora dedica-se empenhadamente em tentar fazer seu entrevistado – muitíssimo maior e mais interessante que a jornalista entrevistadora – caber, a qualquer custo, nos limites estreitíssimos das perguntas. Nós aqui DESTESTAMOS jornalistas. Há algo de obscenamente pervertido no jornalismo empresarial-comercial. É a perversão obscena que há no jornalismo empresarial-comercial, que o faz ser, ao mesmo tempo, tão furiosamente defendido pelos liberais perversos e tão furiosamente detestado pelos comunistas. Antes de construirmos o mundo dos muitos, teremos de dar cabo de todo o jornalismo empresarial-comercial: da imprensa-empresa e dos jornalistas formados pela e para a imprensa-empresa.





Slavoj Žižek

(...) Salon entrevistou Žižek pelo Skype. (...)



Salon: Recentemente a revista Foreign Policy incluiu seu nome entre os Pensadores Globais Top 100 de 2012.



Žižek: Sim, mas me puseram no fundo do topo! [1]



Salon: Você é o número 92. Acha que merece estar naquela lista?



Žižek: Ah, não, você não me pega nessa, nem que me torture! Sei que é mais polido dizer que não. Mas... a primeira da lista não é aquela senhora de Myanmar? Sempre esqueço o nome dela. Como é mesmo?





Salon: Aung San Suu Kyi?



Žižek: É, essa! Nada contra ela, mas... explique-me, por favor: em que sentido aquela senhora seria filósofa ou intelectual?



Salon: Bom... É uma lista de “pensadores”, não de “filósofos”.



Žižek: Sim, sim, mas... em que sentido ela seria pensadora? Quer democracia no Myanmar. OK, é ótimo, muito bom. Mas não se pode simplesmente aceitar que um ideal nunca passe de um ideal. Oh, a democracia! Todos têm orgasmos com a democracia. Então, ok, democracia, algum dia, para todo mundo.



Isso não é pensar. O pensamento começa quando você propõe questões realmente difíceis. Por exemplo: o processo democrático decide, realmente, o quê? (...)



Sabe... Na minha vida privada sou sujeito extremamente deprimido. Olhe onde estou agora. Olhe em volta. Estou em Paris.



[Žižek levanta o laptop para mostrar o quarto de hotel, poucos móveis, uma cama simples e uma janela pequena.]



Está vendo? Estou num quarto pequeno. Fugi da minha casa por uma semana, porque precisava sair de lá. Aqui, só saio do quarto uma, às vezes duas vezes por dia, só para comer. Exceto você, agora, e um amigo com quem falo pelo Skype, não troco uma palavra com nenhum ser vivo há quase uma semana. E gosto tanto disso!



Esse, por falar nisso, é o motivo pelo qual acho tão incrivelmente chatos os reality shows; porque as pessoas não são aquilo. Estão mostrando uma imagem delas mesmas, o que é tão insuportavelmente chato, tedioso, estúpido. Não entendo por que tanta gente assiste àquilo. Acho que deve ser proibido. Acho também que Facebook e Twitter também devem ser proibidos. Você não acha? (...)



As únicas fotos que tenho de mim mesmo são as fotos dos documentos, no meu passaporte. Mas, calma! Não significa que eu me despreze completamente. Não. Gosto do meu trabalho publicado. Vivo para aquele trabalho – de fato, vivo para a teoria. Não me envergonho de viver para a teoria. Detesto essa atitude esquerdista humanitária: As pessoas estão com fome! Criancinhas na África! Num mundo desses, quem precisa de teoria? Nada disso! Digo que hoje precisamos muito de teoria inútil, mais do jamais antes na história do mundo.
(...) Quem me conhece sabe que sou pessoa bem organizada. Sou extremamente organizado. Tudo é planejado, até os minutos. Por isso, consigo produzir muito. Digo: em quantidade; não falei de qualidade.



Sou muito bem treinado. Trabalho em qualquer lugar. Aprendi no exército.



Pareço meio atirado, desleixado, eu sei. Porque acho escandaloso comprar calças, camisas, jaquetas, paletós para mim. Minhas camisetas são presentes que ganho de colóquios ou manifestações de que participo. Minhas meias são as que distribuem em voos internacionais. Aqui, então, praticamente esqueço do que visto.



Mas meu apartamento tem de estar limpo; sou maníaco por organização e controle. Por isso, precisamente, fiquei tão desapontado quando prestei serviço militar. Não que eu fosse filósofo trapalhão, incapaz de viver vida disciplinada. O choque foi ver que o velho exército iugoslavo era, sob a aparência de ordem e disciplina, uma sociedade caótica na qual nada dava certo e nada funcionava. Fiquei profundamente, muito profundamente decepcionado com o exército, quando descobri que era tão caótico.



Meu ideal seria viver num monastério.



Salon: (...) Você disse ao Guardian, ano passado [2]: “Sou filósofo, não profeta”. Mesmo assim, seus seguidores são crentes fiéis. Muitos o cultuam como profeta. Por quê?



Žižek: Não sei. Sou ambíguo, quanto a isso. Por um lado, volto a um marxismo mais clássico, do tipo “Isso não pode durar! A loucura é geral! A hora do acerto de contas vai chegar, e blá blá blá”.



Mas também odeio toda essa conversa do politicamente correto, essa merda de estudos culturais e tal e tal. Se alguém me fala de “pós-colonialismo”, respondo “Foda-se o pós-colonialismo!” Pós-colonialismo é invenção de uns riquinhos, na Índia, que perceberam que poderiam fazer carreira nas universidades top do ocidente, jogando com a culpa dos liberais brancos.



Salon: Você então oferece um respiro ao pessoal de 20 e poucos anos, que quer fugir dos frutos do pós-modernismo: o politicamente-correto, estudos de gênero, etc.?



Žižek: Isso, isso! Muito bom! Gostei!



Mas... também há algo de megalomania em mim. Quase me concebo, eu mesmo, como uma figura de Cristo. OK! Me matem! Estou pronto para o sacrifício. Morro, mas a causa permanece! Mais ou menos isso...



Mas, paradoxalmente, detesto aparições públicas. Por isso, precisamente, deixei quase completamente de dar aulas. Para mim, nada pode ser pior que o contato com estudantes. Gosto de universidades sem alunos. E odeio, muito especialmente, os alunos norte-americanos. Eles acham que você lhes deve alguma coisa. Cercam você... Só trabalho no horário obrigatório!



Sim, sim, nisso sou completamente europeu – especificamente: sou pela tradição autoritária alemã. A Inglaterra já está corrompida. Na Inglaterra, os alunos pensam que podem parar você na rua e perguntar qualquer coisa. Acho isso repulsivo.





Friedrich Hegel

Mas em outros aspectos... admiro muito os EUA e o Canadá. Hoje, em vários sentidos, são melhores que a Europa. A França e a Alemanha, por exemplo, estão hoje em situação muito baixa, intelectualmente – a Alemanha, sobretudo. Absolutamente nada acontece de interessante, na Alemanha. Os EUA e o Canadá, surpreendentemente, estão intelectualmente vivos. Dou-lhe um exemplo: estudos hegelianos. Europeu que queira entender Hegel, tem de ir para Toronto, Chicago ou Pittsburgh.



Salon: O que Hegel diria da popularidade do filósofo Žižek?



Žižek: Não seria problema, para ele. Hegel até escreveu – acho que no fim daFenomenologia – que se, como filósofo, você realmente articula o espírito do tempo, o resultado é popularidade ... mesmo que as pessoas não entendam tudo o que você diz. As pessoas de algum modo sentem que o espírito do tempo foi articulado... Essa é uma bela questão dialética: como é que as pessoas sentem isso?



Salon: Quando você escreve os livros de popularização, dos quais diz que não gosta [3] quem você imagina que seja seu leitor?



Žižek: Não, não! Pergunta proibida! Jamais me pergunto tal coisa. Pouco me importa! Outra proibição absoluta é que jamais me autoanaliso. A ideia de me autopsicanalisar é repugnante. Nisso, sou uma espécie de pessimista católico conservador. Acho que, se olhamos muito fundo dentro de nós mesmo, descobrimos montes de merda. Melhor não saber. (...)





Laura Kipnis

Odeio jornalistas e documentaristas, gente que faz filmes da minha vida. Acho que há alguma coisa de obsceno nos filmes que fizeram sobre mim. Claro, claro... Aí, você me pegou: se eu fosse realmente indiferente àqueles filmes, porque mentiria como sempre minto, quando filmam a minha vida? É. Aí há um problema.... (...)



Falando de amor e sobre a vida das pessoas, há um livro que eu realmente detesto: Against Love [Contra o Amor], de Laura Kipnis. [4] A ideia dela é que a última defesa da ordem burguesa é “Nada de sexo fora do amor”. É aquela conversa de Judith Butler: reconstrução, identidade e blá, blá, blá...



Digo que é exatamente o contrário disso. Hoje, os envolvimentos de amor são considerados quase patológicos! Acho que há algo subversivo em declarar: esse é o homem ou a mulher no qual aposto tudo. Por isso, nunca fui capaz de transas de uma noite. Sempre preciso de uma perspectiva de eternidade.





Judith Butler

Salon: Você parece usar a filósofa feminista Judith Butler como uma espécie de antítese. Já a mencionou várias vezes. É como um espantalho, para você?



Žižek: É. Mas pessoalmente somos grandes amigos. Judith, uma vez, me disse “Slavoj, você deve me achar bem mesquinha.” Respondi: “De jeito nenhum! Alguém que goste tanto de Hegel, como você, não pode ser completamente idiota”.



Salon: Com que figuras históricas você se identifica?



Žižek: Robespierre. Um pouco, talvez, com Lênin.



Salon: Lênin? Trotsky não?



Žižek: Em 1918-19, Trotsky era mais duro que Stálin. E gosto dessa dureza, nele. Mas jamais o perdoarei por ter fodido tudo em meados dos anos 20s. Foi estúpido, arrogante. Sabe o que ele fazia? Chegava às reuniões do Partido com clássicos franceses debaixo do braço, Flaubert, Stendhal... Como se dissesse aos outros: “Fodam-se! Eu sou civilizado”.



Salon: Você escreve que temos de pensar mais e agir menos. Mas, no fim, identifica-se com Lênin, conhecido homem de ação.



Žižek: Não, não é bem assim! Calma. Lênin é sempre o cara certo. Quando tudo deu errado em 1914, o que fez Lênin? Mudou-se para a Suíça e começou a estudar Hegel.






Notas dos tradutores



[1] A lista está em: “2012's Global Marketplace of Ideas and the Thinkers Who Make Them”. A seleção dos “pensadores” é ridícula: Paul Ryan, que jamais pensou coisa alguma, aparece em 8º lugar; o governo de Israel lá aparece, nos postos 12º a 15º (ministro da Defesa, primeiro-ministro, ex-diretores do serviço secreto); Mario Draghi, Christine Lagarde, também são “pensadores” listados; Dick Cheney (aliás, dois ‘'pensadores'’ da mesma família, marido & mulher); 88º é Habermas.



[2] 15/7/2012, The Guardian, Stuart Jeffries em: “A life in writing: Slavoj Žižek



[3] ZIZEK, Slavoj, 2011. “O ano em que sonhamos perigosamente”. São Paulo: Boitempo Editorial, 2012.



[4] A revista (não)VEJA, ao que parece, adorou o livro. Deu-lhe ampla cobertura ainda no pré-lançamento da edição brasileira, em maio de 2004. Está em: Entrevista: Laura Kipnis - Contra o amor

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Leia mais de/sobre Slavoj Žižek:


29/10/2012, redecastorphoto, “Nosso inimigo é a ilusão democrática


8/11/2011, redecastorphoto: Slavoj Zizek fala à rede Al Jazeera: “Agora, o campo está aberto


20/8/2011, redecastorphoto: Slavoj Žižek: Assaltantes de lojinhas do mundo, uni-vos!


25/4/2012, redecastorphoto: Assange:“Esquerda e direita, no século 21: Žižek e Horowitz
28/5/2012, redecastorphoto: “A Europa e os gregos: Deus nos salve dos salvadores!
8/9/2010, redecastorphoto: “Ecologia, ópio do povo


17/1/2012, redecastorphoto: “A revolta da burguesia assalariada

e leia muito mais inserindo a palavra Slavoj na barra de pesquisa do blog redecastorphoto

'Turismo médico' atrai americanos para realizar tratamento no Brasil


Quatro hospitais de Porto Alegre tem equipe capacitada para receber estrangeiros

Pacientes gastam em torno de 20 mil dólares a cada viagem.

Da RBS TV via Portal G1

Hospitais de Porto Alegre capacitam funcionários para receber pacientes estrangeiros (Foto: Reprodução/RBS TV)Hospitais de Porto Alegre capacitam funcionários para receber pacientes estrangeiros
(Foto: Reprodução/RBS TV)
Quatro hospitais de Porto Alegre trabalham juntos para atrair novos pacientes. O chamado  "turismo médico" chegou ao Rio Grande do Sul e recebe pessoas de diferentes nacionalidades para serem atendidas no estado. O "cluster", termo designado ao agrupamento de hospitais que realizam a atividade, gira cerca de 700 milhões de dólares por ano e oferece serviços de alto padrão. Os pacientes gastam em torno de 20 mil dólares a cada viagem.
Canaan é norte-americano, mas não vê diferenças entre hospitais do seu país e do Brasil (Foto: Reprodução/RBS TV)Canaan é norte-americano, mas não vê diferenças
entre hospitais do seu país e do Brasil
(Foto: Reprodução/RBS TV)
O auditor Canaan Rice mora em Porto Alegre, mas é natural dos Estados Unidos. Ele precisou ser hospitalizado pela primeira vez no Brasil e constatou que a qualidade do serviço daqui é do mesmo nível do que é prestado em seu país. "Até agora três neurologistas já passaram por mim. Todos falaram inglês comigo, em um inglês excelente", elogia, "Eu não vejo nenhuma diferença entre um hospital americano". Além de oferecer serviço de qualidade, as instituições oferecem paisagens e gastronomia. O pacote inclui transporte do aeroporto, hotel, motorista de táxi e é possível escolher até a comida de preferência.
Para o Secretário de Turismo do município Raul Mendes da Rocha, a cidade está recebendo capacitação, especialmente nas univerisades de medicina, para se tornar referência em tratamentos ou procedimentos especializados. "São dois fatores que fazem um paciente viajar: pela questão tecnológica, já que no país dele não tem tecnologia adequada para determinado tratamento, ou pela questão financeira. Em alguns locais é muito caro", explica Daniela Pontes, Gerente de Marketing Hospital Moinhos de Vento. No Canadá e na Inglaterra, por exemplo, através dos sistemas públicos de saúde, a pessoa pode levar de 80 a 180 dias para receber uma cirurgia que não seja de urgência. "Então, se a pessoa tem condições financeiras ela opta sair desse país e buscar outro com o mesmo nível tecnológico", conclui Daniela.
  A adaptação para melhorar o atendimento também passa pela qualificação dos funcionários. Todos precisam estar preparados, até mesmo nos postos de urgência: "Precisamos de pessoas que tenham condições de traduzir qualquer tipo de bula. Se tu tens que dar uma medicação, tens que conseguir identificar o que o paciente está tomando no seu país de origem", diz Fernando Andreatta Torelly, Superintendente Executivo do Hospital Moinhos de Vento.
A Tailândia, um dos destinos preferidos para este tipo de turismo, recebe um milhão de pacientes por ano. A Índia, 500 mil. A maioria deles são norte-americanos. Mais de dois milhões saem dos Estados Unidos em busca de tratamentos mais baratos em outros países. "O custo da saúde nos Estados Unidos é muito caro e aqui consegues oferecer um tratamento tão bom quanto, com uma redução de 50% do valor cobrado lá", exemplifica Salvador Gullo Neto, Vice-presidente do conselho deliberativo do Cluster.

domingo, 30 de dezembro de 2012

O que Marx escreveria no quinto volume de O Capital


Se estivesse vivo, Marx prestaria mais atenção no que acontece hoje fora da fábrica, ou seja, nas relações monetárias e fiscais que transferem renda direta dos mais pobres para os muito ricos, seja no boom, seja especialmente nos momentos de crise econômica, pela via da disputa do orçamento público. Por que os conservadores europeus, chefiados por Merkel, advogam políticas monetárias expansivas e políticas fiscais restritivas?

por J. Carlos de Assis (*) via Carta Maior

Custou a Marx quatro volumes de “O Capital” para demonstrar que o fundamento da acumulação de lucro pelo capitalista estava na apropriação da mais valia, isto é, na apropriação da diferença entre o valor de reprodução da força de trabalho e o valor dos bens que ela produz. Isso mudou. Se estivesse vivo, Marx prestaria mais atenção no que acontece hoje fora da fábrica, ou seja, nas relações monetárias e fiscais que transferem renda direta dos mais pobres para os muito ricos, seja no boom, seja especialmente nos momentos de crise econômica, pela via da disputa do orçamento público.

Na fábrica, exceto situações extremas como a da China e de outros países asiáticos onde temos ainda um processo de acumulação primitiva baseado na super-exploração do trabalho, o valor da força de trabalho vai-se aproximando cada vez mais do valor que ela produz em face da concorrência de preços inter-capitalista. As grandes corporações não negam generosos aumentos salariais. Apenas os transferem, coordenadamente, aos preços. É na disputa da mais-valia extra fábrica – ou seja, no orçamento público - que se concentram os grandes ganhos empresariais. Isso, na crise, fica explícito.

Por que os conservadores europeus, chefiados por Merkel, advogam políticas monetárias expansivas e políticas fiscais restritivas? Pensem bem. Quem toma dinheiro emprestado em bancos, a taxas reduzidíssimas, senão os que têm garantias patrimoniais para oferecer? E quem tem garantias, exceto os ricos? Assim, nas crises financeiras como a atual, a política monetária expansiva, em nome da facilitação do crédito, não passa de um artifício para facilitar a apropriação direta da mais-valia social pelos mais ricos – primeiro, os bancos que têm acesso às taxas básicas, depois, a sua clientela que se beneficia de taxas igualmente baixas.

Na prática e na teoria, conhece-se a falácia da política monetária expansiva para combater a recessão desde, pelo menos, a Grande Depressão dos anos 30. Ali se descobriu o fenômeno do “empoçamento” do dinheiro nos caixas dos bancos e a metáfora que o descreve: política monetária é como uma pedra amarrada por barbante; você pode puxar a pedra com o barbante, produzindo recessão, mas não pode empurrá-la para produzir uma retomada. É que o dinheiro fica empoçado no caixa dos bancos e das grandes empresas justamente por falta de demanda agregada que justifique novos investimentos.

E que dizer da política fiscal? Em tese, a política fiscal pode ser um campo de transferência de renda dos mais ricos para os mais pobres. Em países de perfil social-democrata, como os europeus, isso produziu uma civilização avançada, com o estado atuando no sentido de transferir renda para o financiamento de serviços públicos universais como saúde, educação e previdência, essenciais para o bem estar coletivo e a estabilidade social e política. Nesse caso, a mais-valia social produzida no nível das empresas, conjuntamente por trabalhadores e capitalistas, é em parte apropriada pelo Estado e transferida na forma de benefícios aos menos privilegiados.

A pressão conservadora em favor de políticas fiscais restritivas nada mais é que uma reação aos processos de transferência de renda de perfil social progressista. Entretanto, assim como a política monetária tem sido um fracasso – na debilitada economia americana as grandes corporações têm parados nos seus caixas, portanto sem investir, mais de 2 trilhões de dólares -, a política fiscal tem sido um tiro no pé: a Grécia, a que se impôs um programa de austeridade fiscal draconiano, registrou uma contração no PIB de 6,5% no primeiro trimestre, e uma contração da receita pública de 25%. Isto é, só por esses números vê-se que o plano de recuperação acertado com a troika – FMI, BCE e Comissão Europeia – já foi para o espaço porque a dívida pública em relação ao PIB cresceu, em lugar de diminuir, embora não tenha havido um euro de gasto público deficitário, mas sim cortes profundos no orçamento.

O quinto livro de “O Capital” revelaria que o fator responsável pela apropriação parcial da mais-valia social pelos países social-democratas reais foram as fortes pressões políticas resultantes do lento processo de expansão dos direitos de cidadania e da democracia no mundo. Por isso, para reverter a tendência, é necessário quebrar a espinha da democracia. Na Itália e na Grécia puseram tecnocratas no poder. Na Alemanha e na Inglaterra, políticos ignorantes de economia defendem o jogo da direita, mesmo com o risco de um futuro desastre eleitoral. Isso nos anima. Se a democracia sobreviver na Europa, uma nova direção política, da qual Hollande, da França, é um precursor, poderá retirar o continente das cordas com uma nova combinação de políticas monetária e fiscal, restaurando a combalida social-democracia europeia.

P.S. Não se impressione com os 100 bilhões europeus para o resgate dos bancos espanhoes. Nem um único euro será usado para financiar investimentos. Ou seja, mesmo que a taxa de juros baixe para a Espanha, isso em nada contribuirá para uma real recuperação da economia e queda do desemprego de 25%.

(*) Economista, professor de Economia Internacional da UEPB, co-autor, junto com Francisco Antonio Doria, do recém-lançado “O Universo Neoliberal em Desencanto”, pela Civilização Brasileira. Esta coluna é publicada também no site Rumos do Brasil e, às terças, no jornal carioca Monitor Mercantil.

"Governo israelense não representa o povo judeu", diz cartunista listado como antissemita

Via Opera Mundi
A organização Simon Wiesenthal divulgou nesta quinta-feira (27/12) sua edição anual do ranking dos “10 maiores antissemitas” ao redor do mundo. O cartunista brasileiro e colaborador do Opera MundiCarlos Latuff aparece na terceira posição na lista de 2012 por conta de suas charges críticas à operação Pilar Defensivo, mais recente investida militar israelense na Faixa de Gaza.

"Crítica ou mesmo ataque a entidade política chamada Israel não é ódio aos judeus porque o governo israelense não representa o povo judeu, assim como nenhum governo representa a totalidade de seu povo”, escreveu ele em nota (veja a íntegra abaixo).

Latuff diz que o lobby pró-Israel tenta associar questionamentos ao Estado de Israel com o sentimento antijudaico para criminalizar a manifestação de posturas críticas e confundir a opinião pública: “Nenhuma campanha de difamação vai fazer com que eu abra mão da minha solidariedade com o povo palestino”.

Conhecido internacionalmente por suas charges, o artista se aproximou da luta palestina no final dos anos 1990 quando viajou para o país e, desde então, imprime críticas à política israelense.

Abaixo da Irmandade Muçulmana do Egito e do líder iraniano Mahmoud Ahmadinejad, o artista brasileiro aparece em terceiro na lista, na frente de torcidas organizadas e partidos políticos neonazistas no ranking, que incluiu também o jornalista e editor alemão Jakob Augstein.

Carlos Latuff
“Durante os conflitos recentes instigados pelo Hamas contra o Estado judaico, o brasileiro criticou Israel e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu por fazer o que qualquer outro líder mundial teria feito para proteger civis inocentes”, afirma o texto da organização.

A menção a Latuff é ilustrada por uma charge (veja ao lado) na qual o premiê aparece torcendo o corpo de uma criança palestina em cima de uma urna. A imagem faz referência às possíveis motivações políticas de Netanyahu, em plena campanha para a eleição legislativa marcada para 22 de janeiro, no ataque ao território palestino em novembro deste ano. A charge, no entanto, não tem nenhuma menção à religião judaica.

O desenho já havia sido criticado publicamente pelo rabino Marvin Hiers, fundador do Centro Simon Wiesenthal, quando foi divulgado pelo site norte-americano Huffington Post no mês passado. O ativista judeu acusou Latuff de “pior que antissemita” e pediu que o site retirasse a charge do ar.

“Estou no caminho certo”

O artista, que classificou sua colocação no ranking de “piada digna de filme de Woody Allen”, disse aoOpera Mundi se sentir “motivado” pelas críticas do centro judaico. “Se organizações do lobby pró-Israel estão incomodadas com minhas charges, é porque estou no caminho certo”, afirmou ele.

Ele lembra que o escritor português José Saramago, o ativista sul-africano Desmond Tutu e o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter, e muitos outros também sofreram com esse tipo de acusações: “Estou em boa companhia”.

Leia a nota do cartunista em resposta ao Instituto Simon Wiesenthal na íntegra.

"Recebo com tranquilidade a citação de meu nome numa lista dos '10 mais antissemitas' pelo Centro Simon Wiesenthal. A organização, que leva o nome de um célebre caçador de nazistas, sob o argumento da proteção aos direitos humanos e combate ao antissemitismo, promove a agenda da política israelense.

A minha charge que acompanha o relatório mostra o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu tirando proveito eleitoral dos recentes bombardeios a faixa de Gaza (o ataque foi realizado a 2 meses das eleições em Israel). Em novembro desse ano, o rabino Marvin Hiers, fundador do Centro Simon Wiesenthal, me acusou publicamente na Internet de ser "pior que antissemita" por fazer tal crítica através do desenho.

Não é por acaso que meu nome foi citado junto com o de diversos extremistas e racistas. É uma estratégia do lobby pró-Israel associar de maneira maliciosa críticas ao estado de Israel com ódio racial/religioso, numa tentativa de criminalizar a dissidência.

Crítica ou mesmo ataque a entidade política chamada Israel não é ódio aos judeus porque o governo israelense NÃO representa o povo judeu, assim como nenhum governo representa a totalidade de seu povo. Essa não foi a primeira e nem será a última vez que tal incidente acontece, e por entender que tais acusações são orquestradas por quem apoia a colonização da Palestina, seguirei com minha solidariedade ao povo palestino."

sábado, 29 de dezembro de 2012

"Brasil alcançou, definitivamente, o status de potência econômica mundial" disse pesquisador americano

PIB chega a aumentar 50% em certas regiões do país, segundo estudo internacional

27/12/2012 12:15 Por Redação, com ACSs - de São Paulo via Jornal Correio do Brasil


Apesar dos altos investimentos em publicidade e comunicação com a imprensa, São Paulo perdeu o protagonismo por “falta de visão e iniciativa política”
A economia brasileira é um exemplo de descentralização para os demais países do mundo, nos últimos anos, segundo constata uma pesquisa da Brookings Institution, com sede em Washington. Segundo o estudo “o Produto Interno Bruto (PIB) per capita cresceu pelo menos 33% em todas as 13 regiões metropolitanas, mas em quatro (Grande Vitória, Recife, Curitiba e Baixada Santista) a expansão superou os 50%”. De acordo com o pesquisador sênior da instituição, Jill Wilson, os dados comparam a situação do Brasil entre 1990 e 2012. Wilson acrescenta que, apesar das mudanças dos últimos anos, a economia brasileira ainda é altamente concentrada no litoral.

– Apenas duas regiões (Manaus e Brasília) não estão na costa – observa.

Segundo o pesquisador, o Brasil alcançou, definitivamente, o status de potência econômica mundial.

– Ao longo das últimas três décadas, uma série de líderes políticos adotou medidas para estabilizar o país e fundar as bases para uma economia nova e dinâmica – disse.

Mas nem tudo está resolvido, acrescenta o pesquisador. Ele percebe que o país ainda precisa avançar, sobretudo, quanto ao PIB per capita.

– A maioria das regiões metropolitanas brasileiras tem uma renda per capita inferior à das regiões metropolitanas de países desenvolvidos, com exceção de Brasília – assinala.

Para o especialista, os dados comparativos precisam de uma análise mais cuidadosa.

– O PIB per capita da região metropolitana de São Paulo, por exemplo, é próximo ao de Portugal e supera o da região metropolitana do Porto. No entanto, equivale a apenas três quartos do PIB per capita de Lisboa – compara.

Com base no estudo, Wilson aponta dois pontos importantes. O primeiro é que a pesquisa confirma a perda de espaço da indústria de manufatura na economia brasileira.

– A participação desse segmento no PIB nacional caiu de 20% em 1990 para 16% em 2012 – afirma, após observar que segmentos como agricultura, mineração, hotéis, serviços financeiros e serviços de informação ganharam mais espaço.

Outro ponto, segundo o pesquisador, refere-se aos movimentos migratórios e imigratórios. Como indicativo, ele cita a Baixada Santista, onde a fatia da População Economicamente Ativa (PEA) que nasceu fora do Estado de São Paulo passou de 14% em 1990 para 25% em 2012. A região é uma das mais promissoras do ponto de vista econômico devido às descobertas do pré-sal. Já a região metropolitana de Belo Horizonte reduziu, no mesmo período, a participação dos não nascidos em Minas Gerais na PEA: de 14% para 5,8%.

Wilson também observa que na Grande Vitória houve o registro da maior taxa de emigração no censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): ao todo, 5,7 em cada mil habitantes deixaram a localidade. Ele lembra, ainda, que 30% desses emigrantes foram para Portugal, outros 30% para os Estados Unidos e 13% se mudaram para a Itália.

De acordo com o estudo, o Brasil concentra 13 das 300 principais regiões metropolitanas do mundo, segundo a Brookings Institution, uma entidade sem fins lucrativos com sede em Washington cuja missão é a realização de pesquisas independentes. O estudo, apoiado pelo banco norte-americano JP Morgan Chase, foi produzido para os investidores, que precisam tomar suas decisões ao abrir ou ampliar negócios no país.

Por que a mídia dos EUA ignorou a tentativa de Murdoch de assaltar a presidência?


Periódicos como o Washington Post subestimaram o caso por medo do dono da News Corporation ou por falta de discernimento? A gravação da conversa entre o general e o editor é um documento formidável, um testemunho do desembaraço com que Murdoch passa por cima da ordem civil e política estadunidense sem nem se preocupar com as finezas tradicionais ou fingir independência e honestidade jornalística.

por Carl Bernstein - The Guardian
Finalmente temos evidência irrefutável do último e mais audacioso atentado de Rupert Murdoch – frustado, ainda bem, pelas circunstâncias - contra as instituições democráticas estadunidenses. O assalto tinha escala similar ao sequestro e corrupção que o magnata da mídia realizou nas principais instituições democráticas da Grã-Bretanha.

No caso americano, o objetivo de Murdoch parece não ter sido menor do que usar seu império midiático – especialmente a Fox News – para financiar e apoiar a candidatura do general David Petraeus à presidência nas eleições deste ano.

No primeiro semestre de 2011, menos de dois meses antes da revelação do papel central que Murdoch desempenhou no escândalo envolvendo seus periódicos britânicos, o criador e presidente da Fox News, Roger Ailes, enviou uma emissária ao Afeganistão para persuadir Petraeus a recusar a oferta, feita pelo presidente Obama, de tornar-se diretor da CIA e, em vez disso, concorrer à nomeção à presidência do Partido Republicano, com a promessa de ser bancado por Murdoch. O próprio Ailes renunciaria ao cargo de presidente da Fox News para comandar a campanha, de acordo com a conversa entre Petraeus e a emissária Kathleen T. McFarland, uma “analista” da Fox News e membro do Conselho de Segurança Nacional em três administrações republicanas.

Tudo isso é revelado numa gravação do encontro entre Petraeus e McFarland obtida por Bob Woodward, cuja descrição da conversa, acompanhada pelo áudio da gravação, foi publicada no Washington Post. Curiosamente, a reportagem foi impressa na seção de Estilo, e não na primeira página. Na internet, ela foi veiculada também abaixo do logo Estilo, no dia 3 de dezembro.

De fato, tão desesperador quanto o menosprezo que Ailes e Murdoch nutrem por valores jornalísticos e por um processo eleitoral transparente, e tão marcante quanto a avidez do emissário em prometer o apoio da Fox a Petraeus, tem sido a falta de interesse da imprensa e dos políticos norte-americanos sobre o ocorrido. Não se sabe se o desinteresse é causado por medo do poderio de Murdoch e Ailes ou da pouca surpresa que traz a postura dos magnatas da mídia.

O tom da reação da mídia foi dado desde que falou-se do caso pela primeira vez: o Post relegou a matéria à seção referente a fofocas sobre celebridades. “Bob conseguiu um furo importante, uma matéria barulhenta, perfeita para a seção Estilo. Uma primeira página não se justificaria,” disse Liz Spayd, editora-chefe do Washington Post, quando perguntada sobre o ímpar posicionamento da matéria na edição do dia 3 de dezembro.

Matéria barulhenta? A primeira página “não se justificaria”? Ninguém poderia imaginar tamanha falha de um dos predecessores de Spayd, até em função da qualidade do registro que o Post tinha em mãos.

“Avise a Ailes se eu me candidatar”, anuncia Petraeus em gravação digital cristalina, “mas eu não o farei. Se um dia eu o fizer, eu me lembrarei da oferta... ele disse que saria da Fox e bancaria minha candidatura...”

McFarland esclareceu as condições: “é o patrão que vai financiar. Roger [Ailes] só vai dirigir. E o resto de nós estará na organização“, confirmando assim o que os críticos da Fox News sempre mantiveram sobre a conduta do canal de notícias.

Uma coisa deve ser sublinhada aqui: se a emissária trabalhasse para o presidente da NCB, para o editor do New York Times ou do Washington Post, a gritaria seria enorme, principalmente da Fox News e da América republicana/Tea Party, e só se abrandaria com uma investigação por parte do Congresso e a renúncia dos editores do periódico ou canal de tevê. Ou até que houvesse evidência plausível e convincente de que tudo fosse mentira. E, obviamente, o caso permaneceria na primeira página e nos noticiários vespertinos durante semanas.

A gravação da conversa entre o general e o editor é um documento formidável, um testemunho do desembaraço com que Murdoch passa por cima da ordem civil e política estadunidense sem nem se preocupar com as finezas tradicionais ou fingir independência e honestidade jornalística. O caso Ailes/Petraeus esclarece que os objetivos de Murdoch nos EUA eram tão abomináveis e pérfidos quanto no caso das escutas telefônicas, que aniquilou qualquer dúvida sobre a capacidade de Murdoch de corromper qualquer um dos elementos essenciais da ordem civil britânica – a imprensa, os políticos e a polícia.

Murdoch e Ailes ergueram um império midiático de poder incomparável nas culturas norte-americana e britânica. Mas ao invés de exercer tal poder de maneira judiciosa ou melhorar os padrões jornalísticos com seus recursos intermináveis, os dois irrefletidamente investem numa agenda sensacionalista, em controvérsias forjadas e em messianismo ideológico. A gravação é uma evidência poderosa da metodologia e do alcance do império de Murdoch.

A corrupção por Murdoch de instituições democráticas fundamentais em ambos os lados do Atlântico é um dos casos de maior importância e alcance político e cultural dos últimos 30 anos, uma narrativa em curso sem igual. Como no caso de Richard Nixon, muita atenção foi dirigida à necessidade de encontrar provas concretas do que já não era mais uma dúvida, isto é, que os instrumentos elementares da democracia (a presidência no caso Nixon, os privilégios da mídia livre no caso Murdoch) foram empregados de maneira equivocada e abusiva para os fins particulares daqueles que deveriam servir o bem comum.

No caso Nixon, o sistema funcionou. Suas ações foram investigadas pelo Congresso, o sistema judiciário sustentou que nem o presidente dos Estados Unidos da América estava acima da lei, e ele foi forçado a renunciar ou enfrentar um impeachment. As democracias britânica e estadunidense não se sairam tão bem com Murdoch, cujo poder e corrupção não foi reprimido por um terço de século.

A decisão mais importante que um jornalista toma é a de julgar se algo é ou não notícia. Talvez nenhuma história tenha sido tão evitada por nós quanto a da marcha de Murdoch sobre a democracia. Quando a cobertura das escutas telefônicas, na qual o Guardian insistiu por meses, atingiu massa crítica, um ex-capanga de Murdoch disse o seguinte: “este escândalo e todas as suas implicações não poderiam ter ocorrido em outro lugar. Só poderia ter sido na órbita de Murdoch. As delinquências do News of the World foram cometidas em escala industrial. Foi Murdoch quem inventou e estabeleceu esta cultura de redação, na qual se deve fazer o que for preciso para conseguir uma matéria e na qual os fins sempre justificam os meios”.

A fita obtida por Bob Woodward deveria ser o desfecho da história de Murdoch, tanto no Reino Unido quanto nos EUA, para que ficasse claro que nenhuma instituição, nem mesmo o presidente norte-americano, está acima da democracia. Se Murdoch financiasse uma campanha presidencial exitosa para Petraeus com “o resto de nós na organização”, como disse Kathleen McFarland, ele teria demonstrado controle sobre todas as instituições democráticas norte-americanas, controle ainda mais seguro do que o exercido sobre a Grã-Bretanha.

Felizmente, Petraeus não desejava a presidência. O general estava contente com a ideia de tornar-se diretor da CIA.

“Está tudo montado”, disse a emissária referindo-se a Ailes, Murdoch e Fox News. “Nunca vai acontecer”, respondeu Petraeus. “Você sabe que nunca vai acontecer, não vai mesmo. Minha mulher pediria divórcio”.

Tradução: André Cristi

O sistema político dos EUA sob comando de Rupert Murdoch


Uma conversa gravada mostra que, no primeiro semestre de 2011, Murdoch pediu a Roger Ailes, chefe da Fox News, que fosse ao Afeganistão persuadir o general David Petraeus, antigo comandante das forças militares norte-americanas, a concorrer à presidência como candidato do Partido Republicano nas eleições deste ano. Murdoch prometeu financiar a campanha de Petraeus e apoiar o general com o aparato midiático da Fox News. O caso é perturbador para a imprensa porque desmonta a fachada democrática da política norte-americana. O artigo é de Jonathan Cook.(via Carta Maior)


Uma conversa gravada mostra que, no primeiro semestre de 2011, Murdoch pediu a Roger Ailes, chefe da Fox News, que fosse ao Afeganistão persuadir o general David Petraeus, antigo comandante das forças militares norte-americanas, a concorrer à presidência como candidato do Partido Republicano nas eleições deste ano. Murdoch prometeu financiar a campanha de Petraeus e apoiar o general com o aparato midiático da Fox News.

Os esforços de Murdoch não adiantaram porque Petraus não quis concorrer. “Diga a Ailes que se um dia eu concorrer”, diz Petraeus na gravação, “apesar de que não vou, mas se um dia eu concorrer a proposta será aceita”.

O caso de Petraeus é perturbador para a imprensa justamente porque desmonta a fachada democrática da política norte-americana, uma imagem construida cuidadosamente para que o eleitorado estadunidense se convença de que decide sobre o futuro político do país.

Bernstein está corretamente horrorizado não só com o ataque frontal à democracia mas com a atitude do Washington Post na publicação da matéria. O furo jornalístico foi enterrado na seção de Estilo do jornal e a editora do Post disse que a reportagem, apesar de “barulhenta”, não “justificaria uma primeira página”.

Alinhando-se à editora, o resto da grande mídia norte-americana ignorou ou menosprezou a reportagem.

Nós podemos assumir que Bernstein escreveu seu artigo sob pedido de Woodward, que assim demonstraria de forma encoberta o ultraje a que foi sujeito por seu jornal. A reportagem, com efeito, deveria causar um escândalo político. A dupla presumivelmente esperava que a história incitasse audiências no Congresso sobre o abuso de poder cometido por Murdoch, assim como aconteceu na Grã-Bretanha, onde investigações revelaram como o magnata controlava os políticos e a polícia britânicos.

Como observa Bernstein, “a corrupção por Murdoch de instituições democráticas fundamentais em ambos os lados do Atlântico é um dos casos de maior importância e alcance político e cultural dos últimos 30 anos, uma narrativa em curso sem igual.”

Bernstein só é incapaz de compreender porque os manda-chuvas da mídia não vêem as coisas como ele vê. Ele demonstra grande desalento perante “a falta de interesse da imprensa e dos políticos norte-americanos sobre o ocorrido. Não se sabe se o desinteresse é causado por medo do poderio de Murdoch e Ailes ou da pouca surpresa que traz a postura dos magnatas da mídia.”

Na verdade, nenhuma das explicações de Bernstein para tamanha falha é convincente.

Uma razão bastante mais provável para a aversão ao caso Ailes/Petraeus por parte da mídia norte-americana é que o caso oferece perigo à barreira construida pela mesma mídia que, com sucesso, oculta a cômoda relação entre as corporações (possuidoras da mídia) e os políticos do país.

O caso de Petraeus é perturbador para a imprensa justamente porque desmonta a fachada democrática da política norte-americana, uma imagem construida cuidadosamente para que o eleitorado estadunidense se convença de que decide o futuro político do país.

O caso revela a charada da disputa eleitoral. Poderosas elites manipulam o sistema com dinheiro e a mídia que eles comandam reduzem a escolha dos eleitores a dois candidatos quase idênticos. Esses candidatos sustentam as mesmas opiniões em 80% das questões. Mesmo as diferenças são resolvidas por trás dos panos pelas elites, seja por meio de lobistas, da mídia ou de Wall Street.

A reportagem de Woodward não prova que Murdoch ameaça a democracia. Ela revela a absoluta dominação do sistema político norte-americano pelas grandes corporações. Essas corporações controlam o que vemos e ouvimos e incluem, obviamente, os donos do Washington Post.

Triste é notar que os jornalistas da mídia corporativa são incapazes de enxergar além dos parâmetros que os donos da mídia impõem. E isso inclui mesmo os mais talentosos da categoria: Woodward e Bernstein.

(*) Jonathan Cook venceu o prêmio de jornalismo Martha Gellhorn em 2011. Seus dois últimos livros são sobre a Palestina. Seu novo website éhttp://www.jonathan-cook.net.
Tradução de André Cristi

DE DELAÇÕES E TRAIÇÕES

por  Mauro Santayana




Koestler tem uma constatação dura, do tempo em que militava na esquerda: a direita adora a delação, mas detesta o delator. O mesmo autor trabalhou a idéia da auto-delação falsa, como a suprema dedicação ideológica, em seu livro maior, “O Zero e o Infinito” (Darkness at Noon), sobre o mecanismo psicológico dos velhos bolcheviques levados à prisão e alguns à morte, nos processos de Moscou, movidos por Stalin.

Embora se tratasse, como se tratou, de uma obra de ficção, o livro de Kostler foi visto como uma denúncia, ou uma “delação”, dependendo do ponto de vista do leitor, sabendo-se que o grande escritor fora militante do partido em sua juventude.

Como se sabe, o personagem de Koestler, Rubachov, se baseia em Bukharin, que se confessou culpado e, com outros do mesmo estofo, foi fuzilado. Todos eles morreram, - como confessaria mais tarde Artur London, vítima do processo Slansky, semelhante, na Tchecoeslováquia - porque acreditavam que, ao se inculparem, defendiam a liderança de Stalin, no momento de grande perigo para o país, o regime e a utopia de uma sociedade sem classes.

Os comunistas de Moscou e de Praga, já nos anos 50, se sacrificaram em nome de uma causa que lhes era nobre. Assim são os que admitem denuncias, para impedir tragédias maiores, como o personagem Kilpatrik, de Jorge Luis Borges, em Tema del traidor y del héroe, que trata da Irlanda rebelde no século 19.

Outra coisa é essa delação premiada, que os americanos inventaram, e que estamos adotando no Brasil. Quando alguém participa, direta e voluntariamente, de um grupo, para essa ou aquela atividade, e trai - a não ser sob tortura - não pode ser visto como uma pessoa honrada. Nos processos de Moscou e de Praga, conforme o depoimento de London, emL’aveu, as pessoas se entregavam individualmente ou, mediante prévios entendimentos entre si, em pequenos grupos.

Nas delações premiadas, o objetivo do delator é salvar a própria pele – em alguns casos recebendo identidade falsa, e proteção permanente do Estado, em lugar desconhecido, em troca da entrega de almas e corpos. Não há ideologias em jogo, não há nações em jogo, não há crenças em jogo. Há, e só, um comportamento que se aproxima da abjeção.

Temos, no Brasil, delatores em nossa história recente, que são lisonjeados pela direita, porque a ela serviram, e bem, cada um a seu jeito e em seu tempo. Todos os escândalos políticos em nosso país, nos últimos tempos, surgiram quando alguns dos envolvidos foram apanhados com a mão na cumbuca, e, para se salvarem, delataram outros, com provas ou sem elas, e quase sempre com mentiras.

São esses “santos” de última hora que são agraciados com o perdão dos juízes e o aplauso da imprensa conservadora e engajada.

O destino dos reis é perderem suas cabeças

 



A última patacoada do STF, produzindo uma crise entre os poderes, me fez pensar o seguinte: a observação diária da política brasileira é uma atividade psicologicamente desgastante. Não seria melhor deixarmos pra lá? Não seria melhor deixarmos que os debates políticos seguissem sem a interferência nossa, nós, os liliputianos das redes sociais? Afinal, o que ganhamos com isso a não ser insultos públicos lançados pela grande mídia? Merval Pereira, por exemplo, volta meia tenta mexer com nossos brios, ao descrever o movimento antihegemônico da blogosfera como fruto de mais um mensalão petista. Um ministro do Supremo, Gilmar Mendes, abriu processo contra um dos nossos, o querido ator José de Abreu. E os homens mais ricos e poderosos do país perseguem nossas modestas lideranças, que são os blogueiros que mais acessamos e gostamos, tentando lhes destruir a golpes de chicanas jurídicas.
De vez em quando, passaríamos a vista, furtivamente, na capa dos jornais; mas não arriscaríamos nossa paz de espírito numa briga de gigantes que parece se dar tão longe do cidadão comum.
A sensação é de total desamparo. Temos um Congresso acovardado, um STF reacionário, uma mídia extremamente agressiva e conservadora, um Executivo ausente e silencioso.

Culminando esse processo, ainda temos que lidar com uma nova modinha nas redes. Figuras posudas, uns por ingenuidade, outros por arrogância, todos por vaidade, tentam chamar a atenção elegendo a blogosfera “progressista” como inimiga, sondando-lhe os mínimos tropeços para lhe causar danos. Estes formam uma espécie de quinta-coluna: travestem-se de esquerda – de preferência ultra-esquerda – para melhor servir ao status quo. Compreende-se, embora não se perdoa. Sua postura lhes franqueia espaços na mídia, ou lhes granjeiam migalhas de popularidade na web.
Não faríamos nada disso, naturalmente, não fossem as compensações de ordem espiritual; ou para usar um termo mais republicano, compensações de ordem moral e cívica. É um tanto inexplicável, isso. Por outro lado, é algo perfeitamente lógico. Afinal, não haveria nenhuma demanda por democracia não possuíssemos, no interior de nós mesmos, este anseio por interferir e controlar nosso próprio destino, não apenas individualmente mas também socialmente.
Ah, a blogosfera. Já nasceu decadente, esfarrapada, irritadiça, cansada! E no entanto, incrivelmente, tornou-se a última aldeia gaulesa à resistir ao império romano! Com blogs mal diagramados, gerenciados na maioria por indivíduos com escassos conhecimentos tecnológicos, com designs cafonas, poluídos por cores berrantes, propagandas inúteis (que não dão um centavo) e quase sempre anunciando, com ingenuidade inacreditável, suas preferências partidárias – eis a “rede de blogs” onde desembocam as derradeiras esperanças do espírito democrático!
Não há como negar o heroísmo da empreitada!
Agora, por exemplo, lidamos com aquele que, talvez, seja nosso maior desafio: entender os últimos movimentos do xadrez político. A oposição conservadora-midiática, depois de perder muitas peças com a derrota eleitoral no ano passado, sobretudo em São Paulo, conseguiu mobilizar um poderoso ataque ao instrumentalizar o julgamento do mensalão e seduzir a maioria dos ministros do STF.
O editorial da Folha, criticando o STF nessa última decisão, de cassar o mandato de parlamentares, não passa de jogo de cena. O texto é confuso justamente por isso. Uma crítica superficial, motivada antes pelo receio de que, algum dia, o STF se insurja contra aliados, do que por uma preocupação genuína com a quebra de um princípio basilar da nossa democracia: a soberania do povo, que se corporifica na inviolabilidade do mandato de um parlamentar.
Alguns lançam ataques vulgares. “O Congresso estará desmoralizado se houver ali um representante condenado pela justiça! Como explicar para o homem comum que um preso possa ao mesmo tempo ser deputado federal!”
Ora, agora mesmo Elio Gaspari – que joga em todos os times – nos contou que, recentemente (em 1998), a justiça americana autorizou o condenado a prisão domiciliar Jay Kim, que era deputado federal nos EUA, a apenas sair de casa para ir ao Congresso, portando uma tornozeleira eletrônica! Na eleição seguinte, foi cassado, como deve ser, pelos eleitores. A informação de Gaspari, para início de conversa, desmente a grosseira observação de Joaquim Barbosa, quando rebateu Lewandowski, dizendo que isso jamais aconteceria nos EUA, porque, em virtude do poder dos “meios de comunicação”, o parlamentar condenado renunciaria antes.
O medo dos ministros do STF e da mídia é que algum parlamentar condenado use a tribuna para atacar a lisura e imparcialidade do julgamento do mensalão. Entretanto, esta tribuna foi concedida aos representantes do povo justamente para isso: para que falem, para que expressem ideias que, erradas ou não, são o que de melhor possuímos para avaliar a opinião soberana da população brasileira.
A impressão que temos é que eles ganharam essa batalha. Talvez tenham ganho mesmo. A paranóia em torno da criação de uma frente golpista formada por mídia e judiciário, as únicas duas grandes instâncias de poder que não são mediadas pelo sufrágio universal, apenas se agravou.
Permitam-me, todavia, repetir um clichê: é pouco antes do amanhecer que a noite parece mais escura. A vitória deles foi pírrica, porque se desgastaram enormemente, enquanto nós, os liliputianos, ganhamos força. E a nossa miséria, por sua vez, ganhou uma nova injeção de nobreza, porque cresceu a nossa consciência sobre ela. Como dizia Pascal: “O homem sabe que é miserável. Ele é, pois, miserável, de vez que o é; mas é bem grande, de vez que o sabe.”
A gente agora tem uma consciência agudamente dolorosa sobre nossa miséria, porque é realmente uma miséria que o voto de mais de 140 milhões de eleitores de repente não valha mais que a opinião arbitrária, truculenta e anticonstitucional de meia dúzia de ministros do Supremo Tribunal Federal. Deparamos com uma terrível falha democrática, e teremos desde hoje que lidar com mais esse perigo, com mais esse adversário da vontade soberana do povo. Porque um STF autocrático é como um rei absolutista. Se tivermos a sorte de haver juízes bons e comprometidos com a democracia, bem estar social, harmonia entre poderes e estabilidade política, nada melhor do que um STF ultrapoderoso. Se calhar termos juízes corruptos, incompetentes ou manipuláveis por uma mídia antitrabalhista, veremos o desenvolvimento do mais refinado e canalha golpe de Estado da modernidade. Os exemplos de Honduras e Paraguai nos mostram que esse tipo de golpe consegue, facilmente, afirmar-se moral e politicamente, em vista dos apoios que recebe dos poderosos conglomerados midiáticos latinos e do ultrabilionário conservadorismo norte-americano.
Por isso, não adianta tentarmos nos consolar com a esperança que Dilma indicará um juiz melhor que os anteriores. O problema não é sobre o caráter em si dos juízes e sim amarrar o destino de uma democracia aos altos e baixos de indivíduos que não passaram pelo crivo salutar do sufrágio. Temos que ampliar e oxigenar o STF. Adaptá-lo a uma democracia que é hoje quatro ou cinco vezes maior do que há quarenta anos. É preciso discutir como aperfeiçoar o STF, como deixá-lo mais democrático, fazer com que se torne o que deve ser: uma instância em prol da democracia, e não um órgão frágil, facilmente instrumentalizado por chantagens, ameaças e demais armas de persuasão de grupos de mídia.
Nada mais divertido (embora trágico), portanto, que esse golpe, gestado conscientemente por um lado, mas sobretudo sem que os próprios protagonistas tenham noção exata do que fazem (visto que se trata de um movimento natural dessa força escura, brutal e totalitária que movimenta o capitalismo), nada mais curioso que um punhado de blogueiros, com seus exércitos de talentosos comentaristas, intervenha e atrapalhe seu desenvolvimento. A explicação é que a força da blogosfera não reside em seus frágeis atores, mas na justiça histórica que torna sua existência necessária. Quanto mais o golpismo midiático se fortalece, mais se fortalecerá a sua sombra: o antigolpismo democrático. É uma lei acima inclusive das leis, porque fundamentada na fome de independência e liberdade do espírito humano, e não numa sempre precária constituição escrita. Eles podem aplicar os golpes que quiserem. Haverá sempre resistência. O destino dos reis é perderem suas cabeças.