quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A MÃO ESTENDIDA DE CHAVEZ







por Mauro Santayana




“Pode não ser para amanhã - dizia o professor Afonso Arinos, quando presidia à Comissão de Estudos Constitucionais, em 1986 -, mas o mundo caminha para a esquerda”. A vitória de Chávez na Venezuela, e os resultados eleitorais no Brasil, parecem dar razão ao intelectual e político mineiro que, a partir de certo trecho da vida, abandonou a visão conservadora do mundo. Uma frase definidora de sua revisão ideológica foi a de que as favelas de nosso tempo são as senzalas do passado.

A política não se faz aos pulos, da mesma maneira que natura non facit saltus: para chegar à esquerda, é preciso passar pelo centro. Chávez jamais escondeu seus projetos e suas idéias. É provável que, se estivesse vivo, Bolívar – grande herói da independência hispano-americana e paladino da ascensão dos mestiços ao poder – não comungasse dos mesmos ideais socialistas do líder de hoje. Uma coisa era o mundo de 1810, outra o mundo de nossos dias. Como sabemos, Marx nasceu em 1818. Alem disso, Chávez não é rigorosamente um marxista e tampouco pode ser identificado como intelectual. Ele, como Lula e, bem antes, Josip Tito, são homens do povo, conduzidos pela consciência de classe, diante do sofrimento e da injustiça.

O processo eleitoral da Venezuela é o mais fiscalizado do mundo. Os próprios norte-americanos, que gostariam de ver Chávez longe do poder, e que enviam regularmente seus observadores quando há eleições no país, são forçados a reconhecer a lisura do sistema. Chávez, apesar de seus arroubos oratórios, que se inspiram na particular visão do mundo dos mestiços andinos, é um homem lúcido. A enfermidade deve tê-lo feito refletir sobre a sua responsabilidade diante do futuro, e na necessidade de não legar aos pósteros uma nação dividida em duas facções.

Em razão disso, tomou uma atitude inusitada: em lugar de esperar que o vencido, Capriles, o cumprimentasse pela vitória, telefonou para o adversário, com quem manteve uma conversação amistosa, e, em seguida, estendeu sua mão à oposição, propondo o entendimento para vencer as dificuldades do país.

Chávez, como reiterou, não renunciou ao projeto de “socialismo bolivariano”, mas tampouco demonstrou pressa em implantá-lo. Ele está profundamente preocupado com a espiral da violência em seu país, e sabe que é preciso mobilizar toda a sociedade, a fim de evitar a mexicanização da Venezuela. É a mesma preocupação que parece mover o Presidente Juan Manuel Santos, da Colômbia, na busca do entendimento com as Farc. Essa é a plataforma para a civilidade do debate político.

Em nosso país, pelo menos até agora, a direita recuou em várias regiões. Não é exagero concluir que o eleitorado deu um passo em direção à esquerda. É essa consciência do possível, diante da ameaça de que a criminalidade organizada ocupe o Estado, que parece despertar em nosso continente.

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