domingo, 7 de outubro de 2012

O Judiciário, a Democracia e o Povo

por Tyndaro Meirelles: 



roubartilhado do O Cachete via Gilson Sampaio

É muito legal e bonitinho pensar que o que governa o mundo são idéias, pensamentos e atitudes prenhes de bom senso e consciência. É melhor até pra dormir à noite. Mas a verdade, e que muita gente não se dá conta, é que esse mundo é uma selva e que quem manda, mesmo, é a força bruta. É isso mesmo: a porrada, o fuzil, o canhão. A Bomba! É, e sempre foi assim. Desde sempre as coisas são feitas sob a ameaça de se tomar com uma clava na cabeça ou, mais recentemente, uma “intervenção” dos EUA.

Pros que batem no peito e bradam “aqui não, aqui é democracia!” saibam que, também na democracia, vale a lei do mais forte. Os atos emanados de todo poder (legitimamente ou não constituído) são respaldados na força bruta, ou seja, na porrada! Numa ordem de despejo que um Juiz manda cumprir, por mais civilizada que seja a sociedade da qual faz parte aquele sistema jurídico, está implícito – quando não explícito – o seguinte recadinho: “ou você sai por bem ou vai sair na porrada”. Não? Tenta resistir. Está lá o aviso: “com uso de força coercitiva, se necessário...”: Porrada! Afinal, tem que se garantir que o juiz não está ali falando com as paredes. Fazer o quê?

Democracia não tem nada a haver com isso. A democracia entra nessa história é na hora de saber quem vai controlar a força bruta, ou seja, na mão de quem fica o tacape. Se não fica na mão do povo é qualquer coisa, menos democracia.

Quando a mais recente ditadura brasileira terminou, lá em 85, a comemoração foi geral e não era pra menos. O tacape nas mãos dos gorilas militares fez estragos inimagináveis e que jamais poderão ser reparados, faça-se o que se fizer. Foi, literalmente, como se diz lá Méier, “revólver na mão de macaco”: só pode dar merda. E deu! Mas acabou - pelo menos por enquanto - e é aí que a porca torce o rabo. O porrete saiu da mão dos milicos e foi pra onde? Pro povo, me dirá o incauto amigo, afinal estamos numa democracia. É... só que não.

No Brasil, naquela transição, que foi o samba do maranhense doido, não se tratou disso nem na época e nem depois e, como não existe vácuo na atmosfera e muito menos no poder, a força bruta, hoje no Brasil, é de exclusividade do Poder Judiciário. Manda prender, manda soltar, manda largar a borracha sem a menor interferência daquele agente que incomoda pacas, o tal do povo. Não é que ele tomou à força ou enganou alguém pra ficar com o porrete. Não! Simplesmente caiu ali, no colo dele. É como se o dono da casa (o povo) estivesse muito ocupado tentando fugir de um cativeiro e, enquanto isso, deixasse os destinos da casa (O Brasil) pro mordomo (o Judiciário) tomar conta e decidir. É que na ditadura foi o vigia (os milicos) que botou uma Bereta na cabeça do dono da casa (o povo) e fez todo mundo de refém, durante mais de 20 anos. Agora não tem desculpa, temos que continuar mantendo o vigia na guarita e passar a falar com o mordomo como é que a gente quer a casa. Acabou a transição!

É que aquele menino, o Montesquieu, que sacou a divisão do poder em três, baseado naquele outro rapaz, o Aristóteles, jogou as bases onde hoje se funda a República Federativa do Brasil. Tem o Poder legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Desses três, eu sei quem me representa, ou pelo menos, em quem votei pra me representar, na hora de fazer as leis (o Legislativo) e na hora de botar essas leis pra funcionar (o Executivo). Mas e na hora de decidir como e quem vai, não só julgar como, principalmente, interpretar as leis? Ninguém te perguntou nada? Nem a mim! Democracia, o amigo falou? Taí a porca, esperando alguém esticar esse rabo de uma vez.

Assim como aos militares não agradava muito essa idéia de deixar outros decidirem (no caso o povo), com os juízes não é lá muito diferente. Eles não digerem bem a possibilidade de perderem um só milímetro de poder e autoridade que subitamente adquiriram, mesmo que por meio de “herança” inesperada. Teve uma época em que se ensaiou um movimento no sentido de democratizar o Judiciário. Foi quando se passou a cogitar do tão sonhado “controle externo do judiciário”. Soou como música em diversos ouvidos democráticos. Já o pessoal da Themis esconjurava – e esconjura até hoje – fazendo o sinal da cruz. Se você não lembra, o Lula chegou a falar da famigerada “caixa preta”, o que fez com que alguns juízes e desembargadores tivessem verdadeiros ataques apopléticos. Como não tinha jeito, era, e é, uma caixa preta mesmo, pouparam todos os dedos entregando um anelzinho de lata chamado CNJ. O amigo há de convir que, pra quem falava em controle EXTERNO, a criação de um órgão do Judiciário, feito pra fiscalizar o Judiciáriocomposto quase que exclusivamente de juízes e gente do judiciário, é um anelzinho de latão com uma pedrinha de zircônia! E nem adianta citar a Dra. Eliana Calmon. Ali é a exceção que confirma a regra. É como justificar os militares, dando como exemplo o Capitão Sérgio Macaco. O CNJ tem lá seus méritos, andou um cadinzinho pra frente, mas não é disso que eu falo. Me refiro a um Judiciário que tenha a forma, o conteúdo, o espírito e a aprovação do povo a quem deve prestar serviço. Um Judiciário no qual o jurisdicionado (que é o nome feio dado ao povo por eles) se veja refletido. Um judiciário que tenha o controle que emane dele, o Povo (maiúsculas!).

Tem um livro do Dr. Gilmar Mendes (é, tive que comprar) na qual existe um trecho onde ele deixa perceber que o povo não tem que se meter em questões do Judiciário. É o tal do “cidadão ali do bar”, que pra ele é a terceira pessoa depois de ninguém. Muita gente graúda pensa igual. Só faltam dizer: “O Judiciário é pra quem pode, não pra quem quer”. Pois o povo não só quer, como pode.

Taí o gato, taí o guizo e taí o tacape. E taí também a pergunta: por que não? Se a dúvida é “como?”, vamos ao debate! Se é “quando?”, a resposta vem do Méier, também: Demorou!

A meu ver, Poder Judiciário, Justiça, julgamentos, interpretação de leis, condenações, absolvições, serventias judiciais, celeridade e morosidade de processos, audiências, taxas, emolumentos, cartórios, defensorias, promotorias, MPs, até os elevadores e escadas rolantes dos fóruns das mais longínquas comarcas, tudo, repito, tudo o que tem a haver com o Judiciário e com a Justiça é da conta do povo, sim! Aliás, parafraseando Clemenceau, político francês que no final da 1a Guerra Mundial chegou à conclusão de que a guerra seria assunto muito sério para ser tratado por generais, penso, sinceramente, que o Judiciário é um assunto muito sério para ser tratado por juízes. Sem povo, logo, sem democracia...

T.G. Meirelles
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“O STF que está condenando Genoino absolveu Fernando Collor com o argumento de “falta de provas”.”





Via Epoca

O lugar de Genoíno

Paulo Moreira Leite

Nossos crocodilos ficaram sentimentais. Em toda parte vejo lágrimas que acompanham os votos que condenam José Genoino.

Na imprensa, em conversas com amigos, ouço o comentário, em tom de solidariedade. Parece consciência pesada, em alguns casos.

Não estamos diante de um melodrama mas de uma tragédia.

Genoino está sendo condenado num julgamento marcado por incongruências, denuncias incompletas e presunções de culpa que começam a incomodar estudiosos e acadêmicos. Foi isso que explicou Margarida Lacombe, professora de Direito da UFRJ, em comentário na Globo News. Sem perder suavidade na voz, a professora falou sobre necessidade de provas contundentes quando se pretende privar a liberdade de uma pessoa. Não falou de casos concretos, não criticou. Fez o melhor: informou. Lembrou como esse ponto – a liberdade – é importante.

Vamos começar.

O STF que está condenando Genoino absolveu Fernando Collor com o argumento de “falta de provas.”

É o mesmo STF que, em tempos muito mais recentes, impediu que o país apurasse, investigasse e punisse a tortura ocorrida no regime militar.

Então ficamos assim. José Genoino, vítima da tortura que o STF impediu que fosse apurada, será condenado por corrupção, ao contrário de Fernando Collor.

Parece o Samba do Crioulo Doido do Stanislaw Ponte Preta. É. Mas não é o texto. E a “realidade brasileira”, como se dizia no tempo em que a polícia política perseguia militantes como Genoino.

Não há provas materiais contra Genoino e tudo que se pode alegar contra ele é menos consistente do que se poderia alegar contra Collor. Mas as provas da tortura são abundantes. Estão nos arquivos do Brasil Nunca Mais e em outros trabalhos. Foram arrancadas na dor, no sofrimento, na porrada, no sangue e, algumas vezes, na morte. Em plena ditadura, 1918 vítimas da tortura deixaram registros dessa violência nos arquivos da Justiça Militar. Nenhuma foi apurada e, se depender da decisão do STF, nunca será.

Collor foi beneficiado porque provas muito contundentes contra ele foram anuladas. Considerou-se, na época, que a privacidade do tesoureiro PC Farias havia sido violada quando a Polícia Federal quebrou o sigilo de um computador que servia ao esquema. Essa decisão – em nome da privacidade — salvou Collor.

Você pode dizer que os tempos eram outros e que agora não se aceita mais tanta impunidade. Aceita-se. Basta lembrar que, na mesma época, o mensalão do PSDB-MG virou fumaça na Justiça Comum. E quando Márcio Thomaz Bastos tentou mudar o julgamento do mensalão federal, alegou-se que era no STF que os crimes graves são punidos.

Vamos continuar.

Genoino está sendo condenado porque “não é plausível” que não soubesse do esquema. “Plausível”, informa o Houaiss, é sinônimo de aceitável, razoável. Olha o tamanho da subjetividade, da incerteza.

Isso porque ele assinou o pedido de empréstimo de R$ 3,5 milhões para o Banco Rural e por dez vezes refez o pedido. Não é plausível imaginar que um presidente do PT fizesse tudo isso sem saber de nada, acreditam três ministros do Supremo.

Mas fatos que são líquidos e certos não comoveram a acusação com a mesma clareza.

O empresário Daniel Dantas deu R$ 3,5 milhões para amolecer Delúbio Soares e Marcos Valério e cair nas graças do esquema. Não foram R$ 3,5 milhões subjetivos mas inteiramente objetivos.

Um pouco mais tarde, seu braço direito Carla Cicco assinou um contrato de R$ 50 milhões com as agências de Marcos Valério para transformar a turma do PT em geléia. Chegaram tarde. Depois de pagar a primeira prestação, a casa caiu e eles suspenderam o pagamento.

Como não gosto de pré-julgar, não acho que Daniel Dantas seja culpado por antecipação. Não acho mesmo. Vai ver que estava tudo lá, bonitinho. Também podia ser ajuda para o Fome Zero rsrsrsrsrs

Ou quem sabe fosse tudo para Valubio.

Mas não teria sido melhor que ele fosse ouvido no tribunal, para mostrar sua inocência?

Não teria sido uma forma de mostrar que a Justiça é cega?

Mas ela não foi.

O esquema privado do mensalão, informa a CPMI, chegou a R$ 200 milhões. Quantos empresários foram lá, dar explicações? Nenhum.

Alguém acha plausível, aceitável, razoável, que fossem inocentados por antecipação?

Não há nada “plausível” que se possa fazer com R$ 200 milhões?

Só a Telemig, que pertencia ao grupo Opportunity, de Daniel Dantas, entregou mais dinheiro às agências de Valério do que o Visanet, que jogou o petista Henrique Pizzolato na vala dos condenados logo nos primeiros dias.

O que é plausível, neste caso?

Nós sabemos – e ninguém duvida disso – que Genoino fazia política o tempo inteiro. Fez isso a vida toda, com tamanha inquietação que, numa fase andou pela guerrilha do Araguaia e, em outra, ficou tão moderado que parecia que ia preencher ficha de ingresso no PSDB.

Chegou a liderar um partido revolucionário à esquerda do PC do B e depois integrou as correntes mais à direita do PT.

Então vamos lá. É plausível imaginar que Genoino tenha ido atrás de recursos de campanha? Sim. É plausível e até natural. Basta deixar de ser hipócrita para compreender. Política se faz com quadros, imprensa, propaganda, funcionários. Isso custa dinheiro.

Isso fez dele um dirigente que subornava adversários para convencê-los a mudar de lado, como quer a acusação? Não.

Eu não acho plausível, nem aceitável nem razoável. Duvido inteiramente, aliás.

E se eu tiver errado, quero que me provem – de forma clara, contundente. Sem essas suposições, sem um quebra-cabeças que joga com a liberdade humana.

Sem fogueira de tantas vaidades.

Não chore por nós Genoino.

Alegou-se que a tortura não poderia ser apurada para preservar a transicão democrática.

A democracia avançou, as conquistas foram imensas. Mas os perseguidos, no fundo, bem no fundo, são os mesmos.

Não é um melodrama. É uma tragédia.

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