terça-feira, 9 de outubro de 2012

NOAM CHOMSKY: Na sombra de Hiroshima





Via O Diario.info

Noam Chomsky



Depois de Hiroshima, não foram poucas as vezes em que o mundo esteve à beira de nova catástrofe nuclear. E não foram poucas as vezes em que os EUA conduziram deliberadamente a uma tal situação, tomando para si o direito exclusivo de colocar mísseis onde lhe convenha, e ameaçando ou agredindo quem tenha a veleidade de tentar defender-se. A sombra que paira sobre o Médio Oriente contém toda a ameaça de uma tragédia desse tipo.



O 6 de Agosto, aniversário de Hiroshima, deveria ser um dia de sombria reflexão, não apenas acerca dos terríveis aspectos dessa data em 1945, mas também sobre o que revelaram: que os seres humanos, na obstinada procura de meios para aumentar a sua capacidade de destruição, tinham finalmente conseguido encontrar uma forma de se aproximar do limite final. As iniciativas em memória desse dia têm este ano um significado especial. Têm lugar pouco antes do 50º aniversário do “momento mais perigoso da história humana”, nas palavras de Arthur M. Schlesinger Jr, historiador e assessor de John F. Kennedy, referindo-se à crise dos misseis cubanos. Graham Allison escreve na edição actual de Foreign Affairs que Kennedy “ordenou acções que sabia irem aumentar o risco não só de uma guerra convencional, mas também de um confronto nuclear” com uma probabilidade que ele considerava de talvez 50 por cento, cálculo que Allison considera realista. Kennedy declarou um alerta nuclear de alto nível que autorizava “aviões de la OTAN, tripulados por pilotos turcos (ou outros), a descolar, voar até Moscovo e deixar cair uma bomba”. Ninguém ficou mais surpreendido com a descoberta dos misseis em Cuba do que os homens encarregados de misseis semelhantes que os Estados Unidos tinham instalado clandestinamente em Okinawa seis meses antes, seguramente apontados à China, em momentos de crescente tensão. Kennedy empurrou o presidente soviético Nikita Krutschov “até à própria beira da guerra nuclear, ele debruçou-se sobre essa beira e faltou-lhe o estômago para isso”, segundo o general David Burchinal, nessa altura alto oficial do pessoal de planeamento do Pentágono. Não se poderá contar sempre com tal contemporização. Krutschov aceitou uma fórmula proposta por Kennedy pondo fim a uma crise que estava a ponto de se converter em guerra. O elemento mais audacioso da fórmula, escreve Allison, era “uma cedência secreta que prometia a retirada dos misseis estado-unidenses na Turquia num prazo de seis meses após a superação da crise”. Tratava-se de misseis obsoletos que estavam a ser substituídos por submarinos Polaris, muito mais letais. Em poucas palavras, e correndo até o alto risco de uma guerra de inimaginável destruição, considerou-se necessário reforçar o princípio de que os Estados Unidos têm o direito unilateral de instalar misseis nucleares seja onde for, alguns apontando à China ou às fronteiras da Rússia, que antes disso nunca tinha instalado misseis fora da URSS. Foram apresentadas justificações, está claro, mas não creio que aguentem uma análise séria. Como princípio associado a este estava que Cuba não tinha direito de possuir misseis para defesa própria contra o que parecia ser uma iminente invasão dos Estados Unidos. Os planos para os programas terroristas de Kennedy - Operação Mangoose (mangusto) - estabeleciam uma “revolta aberta e o derrubamento do regime comunista” em Outubro de 1962, mês da crise dos misseis, com o reconhecimento de que “o êxito final requererá uma intervenção decisiva dos Estados Unidos”. As operações terroristas contra Cuba são habitualmente descartadas pelos comentadores como “travessuras insignificantes da CIA”. As vítimas, como é de supor, vêm as coisas de forma bastante diferente. Pelo menos podemos ouvir as suas palavras em “Vozes do outro lado: Uma história oral do terrorismo contra Cuba”, de Keith Bolender.

Os acontecimentos de Outubro de 1962 são amplamente aclamados como a melhor hora de Kennedy. Allison apresenta-os como “um guia sobre como sustentar a tensão e o perigo em conflitos, manejar as relações das grandes potências e tomar decisões acertadas acerca da política exterior em geral”. Em particular, nos conflitos actuais com Irão e China.

O desastre esteve perigosamente próximo em 1962 e não tem havido escassez de graves riscos desde então. Em 1973, nos últimos dias da guerra israelo-árabe, Henry Kissinger lançou um alerta nuclear de alto nível. A India e o Paquistão já estiveram muito próximos de um conflito atómico. Tem havido inumeráveis casos em que a intervenção humana fez abortar um ataque nuclear momentos antes do lançamento de misseis em resultado de falsas informações oriundas de sistemas automatizados. Há muito em que pensar no dia 6 de Agosto. Allison une-se a muitos outros ao considerar que os programas nucleares do Irão constituem a crise actual mais severa, “um desafio ainda mais complexo para os formuladores da política dos Estados Unidos do que a crise dos misseis cubanos”, devido à ameaça de um bombardeamento israelita. A guerra contra o Irão está já em processo, incluindo o assassínio de cientistas e pressões económicas que atingiram o nível de “guerra não declarada”, segundo o critério de Gary Sick, especialista em Irão. Existe um grande orgulho acerca da sofisticada ciberguerra dirigida contra o Irão. O Pentágono considera a ciberguerra como “acto de guerra”, que autoriza a “responder mediante o emprego de força militar tradicional”, informa o The Wall Street Journal. Com a excepção usual: quando os Estados Unidos ou um seu aliado são quem a leva a cabo. A ameaça iraniana foi definida pelo general Giora Eiland, um dos máximos planificadores militares de Israel, “um dos pensadores mais engenhosos e prolíficos que (as forças militares israelitas) já produziram”. Das ameaças que define, a mais credível é de que “qualquer confronto nas nossas fronteiras terá lugar sob um guarda-chuva nuclear iraniano”. Em consequência, Israel poderia ver-se obrigado a recorrer à força. Eiland está de acordo com o Pentágono e os serviços de inteligência dos Estados Unidos, que consideram a dissuasão como a maior ameaça que o Irão coloca. A actual escalada da “guerra não declarada” contra o Irão aumenta a ameaça de uma guerra acidental em grande escala. Alguns perigos foram ilustrados o mês passado, quando um barco estado-unidense, parte da enorme força militar no Golfo, disparou contra uma pequena embarcação de pesca, matando um membro da tripulação indu e ferindo outros três. Não seria necessário muito para iniciar outra guerra importante. Uma forma sensata de evitar as temidas consequências é procurar “a meta de estabelecer no Médio Oriente uma zona livre de armas de destruição massiva e de todos os misseis necessários para o seu lançamento, e o objectivo de uma proibição global sobre armas químicas” – que é o texto da Resolução 689 de Abril de 1991 do Conselho de Segurança, que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha invocaram no seu esforço por criar uma ténue cobertura para a sua invasão do Iraque, 12 anos mais tarde. Essa meta tem sido um objetivo árabe-iraniano desde 1974 e nos dias de hoje tem um apoio global quase unânime, pelo menos formalmente. Uma conferência internacional para debater formas de levar a cabo um tal tratado pode ter lugar em Dezembro. É improvável que progrida, a menos que haja um apoio público massivo no Ocidente. Se a importância desta oportunidade não for compreendida alargar-se-á uma vez mais a fúnebre sombra que tem obscurecido o mundo desde aquele terrível 6 de Agosto.

Fonte: www.jornada.unam.mx/2012/08/05/index.php?section=opinion&article=022a1mun

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