segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Grécia: paradigma das elites (de qualquer país)

Via O Diario.info
Um sintoma da corrupção na Grécia

Por que publiquei a lista Lagarde

POR Kostas Vaxevanis*


Em 2010 foi entregue ao Governo de Grécia a lista conhecida como lista Lagarde, que revela os nomes de 2.000 evasores fiscais gregos. Mas nada foi feito a seu respeito. Kostas Vaxevanis, editor chefe de Hot Doc, foi recentemente detido por a ter publicado. Para ele, é um sintoma da corrupção na Grécia.



Por que publiquei a lista Lagarde

“Quantas mais leis tenha um país, mais corrupto ele é”, costumava afirmar o historiador romano Tácito. A Grécia tem bastantes leis. De facto, tem tantas que a corrupção está garantida. Um clube exclusivo de pessoas poderosas comete actos ilegais, consegue em seguida que sejam aprovadas as leis necessárias para legalizar essas práticas, com o que obtém a amnistia e, no final, nenhum meio de comunicação revela o que na realidade aconteceu.

Enquanto escrevo, em todo o mundo se fala das aventuras de uma revista independente na Grécia, Hot Doc, da qual sou editor. A publicação na nossa revista de uma lista de presumíveis titulares de contas bancarias na Suíça e a minha posterior detenção provocaram um grande reboliço. Mas não nos meios de comunicação gregos. Há alguns meses, a Reuters e a imprensa britânica revelaram escândalos nos quais estavam implicados bancos gregos. Os media gregos, de igual forma, também não escreveram nada a esse respeito. O espaço que deveria ter sido reservado à informação sobre estes escândalos foi ocupado por anúncios pagos e patrocinados pelas mesmas pessoas que provocaram o colapso dos bancos gregos.

O caso “Lagarde” é Grécia é simplesmente a expressão extrema desta situação. Em 2010, Lagarde entregou ao então ministro de Finanças, Yorgos Papaconstantinou, uma lista de gregos titulares de contas em bancos estrangeiros. Parte destas contas eram de “dinheiro negro”, dinheiro que possivelmente não fora declarado ou que necessitava de ser branqueado. Após uma intrincada série de acontecimentos, Papaconstantinou admitiu ter perdido os dados originais, mas em compensação passou uma cópia ao seu sucessor Evangelos Venizelos, que afinal confessou tê-los detido em seu poder, mas sem que os tivesse divulgado até agora. Portanto, a lista não foi ainda objecto da investigação que se impõe.

Chantagem política e financeira

Nos dois últimos anos, o tema da nomeação das pessoas que supostamente possuem contas bancarias na Suíça tem envenenado a vida política na Grécia e tem sido objecto de chantagem nas obscuras salas do poder corrupto. Neste contexto, Hot Doc publicou 2.059 nomes de gregos que presumivelmente possuem contas em bancos suíços, sem especificar o montante dos seus depósitos nem nenhum outro dado pessoal.

E então, num acto de extrema hipocrisia, os poderes vieram recordar-nos o seu verdadeiro carácter. O fiscal de Atenas ordenou a minha detenção imediata. Como base da acusação foi mencionada a lei sobre dados pessoais. Mas na realidade nenhum dado pessoal tinha sido revelado, apenas o facto de que certas pessoas possuíam uma conta num determinado banco. Nem sequer defendêramos que estas pessoas eram culpadas, simplesmente pedíamos uma investigação.

As transacções bancarias realizam-se em público, não em segredo. Portanto, a existência de uma conta bancaria não é um dado pessoal. Um dado pessoal seria o montante e o tipo das transacções. Na Grécia, os bancos enviam envelopes com os seus logotipos, nos quais incluem dados sobre transacções; isto é, declaram a sua relação com os clientes. Em contrapartida, a publicação de uma simples lista de nomes e a petição de uma investigação foi definida como publicação de dados pessoais.

A democracia: uma raça nova e estranha

Na mitologia grega antiga, a Justiça é representada como uma mulher cega. Na Grécia moderna, ela simplesmente pestaneja e contemporiza. O estudo da lista Lagarde é muito revelador. Editores, empresários, armadores e todo o sistema do poder parecem ter transferido dinheiro para o estrangeiro. E esta informação é apenas procedente de um só banco. Entretanto, na Grécia, as pessoas procuram comida nos contentores do lixo.

Não foram todos os que provocaram a crise na Grécia. E não são todos os que estão a pagar por ela. O clube do poder, exclusivo e corrupto, tenta salvar-se a si próprio, fingindo que se esforça por salvar a Grécia. Mas na realidade, agudizam as contradições da Grécia, enquanto o país vacila à beira de um precipício.

Se na Bíblia os pecadores “filtram o mosquito e tragam o camelo” [Mateus, 23-24], na Grécia, os poderes pecadores filtram as pensões e tragam as listas para, evidentemente, as fazer desaparecer. São as listas dos seus amigos, dos seus conhecidos, dos seus favoritos e seus comparsas de trafulhice.

No país que viu nascer a democracia, como gostamos de recordar, a democracia converteu-se numa raça nova e estranha. Os que estão no poder asseguram-se de que o direito ao voto seja assumido como democracia e ao mesmo tempo negam a democracia ao abusar dos direitos que os votantes lhes conferem. E a Justiça permanece escrava da política.

*Kostas Vaxevanis, redactor-chefe de Hot Doc, foi detido e posteriormente posto em liberdade em 28 de Outubro, no dia seguinte ao da publicação pela sua revista de mais de 2.000 nomes de pessoas que tinham depositado dinheiro no banco HSBC, na Suíça. É o que é conhecido como a lista Lagarde, com o nome da antiga ministra da Economia francesa, que enviou esse documento num CD às autoridades gregas em 2010. Acusado de infringir a lei por ter publicado dados privados, o seu julgamento atrasou-se até 1 de Novembro. Os seus advogados procuraram demonstrar o cariz político do caso. Acabou por ser ilibado em julgamento.

Fonte: http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2012/oct/30/greece-democracy-hot-doc-lagarde-list

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