quinta-feira, 8 de novembro de 2012
'Guerra contra terrorismo e narcotráfico são virtuais e facilitam neocolonialismo'
Avaliação é de Pablo González Casanova, que, aos 90 anos, é um dos intelectuais mexicanos vivos mais importantes. Autor do clássico 'La democracia en México', ele afirmou no congresso do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais que o capitalismo corporativo tenta recolonizar campo e cidades, mas a resistência de indígenas e jovens tem mostrado sua força com um novo projeto emancipador.
POR Marcel Gomes*
Cidade do México - Um dos intelectuais mexicanos vivos mais importantes, Pablo González Casanova, de 90 anos, retomou conceitos de seu clássicoLa democracia en México (1965) para defender que as guerras contra o terrorismo e o narcotráfico, nas quais seu país está engajado, são "virtuais" e "dificultam que se vejam as guerras reais que têm sido travadas".
Ao defender que "as ciências hegemônicas da globalização não são só ideologias, mas tecnologias e tecnociências para a dominação e a acumulação", o mexicano afirmou que as ferramentas de realidade virtual permitem a corporações e governos aliados conduzirem suas guerras pela recolonização do campo e das cidades - tudo em prol da maximização dos lucros.
Dom Pablo, como é chamado, realizou na noite de terça-feira (6) uma das mais aguardadas conferências do congresso do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso), promovido na capital mexicana. Na ocasião, também foi o primeiro agraciado com o Prêmio Latino-americano e Caribenho de Ciências Sociais, entregue a ele pelo secretário-executivo da Clacso, o brasileiro Emir Sader.
"Há pessoas que são notáveis por sua grande obra, há pessoas que são notáveis por seu humanismo, há pessoas que são notáveis por sua dignidade, e Pablo González Casanova representa tudo isso", exaltou Sader.
Ex-reitor da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), Dom Pablo é reconhecidamente um defensor dos direitos das populações indígenas. Autor de diversos livros no ramo das ciências sociais, debruçou-se em sua obra clássica na tarefa de demonstrar como a democracia mexicana, em termos de leis e práticas, funcionava em benefício da elite branca e mestiça, gerando a "colonização interna" das populações indígenas e pobres do país.
Foi, assim, um dos precursores da interpretação de que os governos eleitos do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que permaneceria 70 anos no poder, apenas legitimavam, na verdade, um regime autoritário.
Em sua intervenção na conferência da Clacso, Dom Pablo comentou outros desenvolvimentos das ciências também voltados para garantir a maximização dos lucros do que ele chama de "capitalismo corporativo": os sistemas de comunicação e informação, que facilitam a organização das corporações em rede; a robótica e a biorrobótica, abatendo custos produtivos; e a disseminação das sementes transgênicas, que destroem os cultivos tradicionais campesinos.
Ao desenhar esse cenário difícil, Dom Pablo brincou com a plateia: "Vocês devem estar deprimidos". Mas, em seguida, detalhou as razões para ser otimista sobre o futuro. Afirmou que novos movimentos sociais surgiram com o neoliberalismo, dos zapatistas nos anos noventa aos movimentos de juventude que ocuparam praças e ruas após a crise financeira de 2008.
"São grupos que compartilham um projeto emancipador da humanidade, organizado a partir de ideais de liberdade, pluralismo, justiça social, para todas as raças e opções sexuais, de uma democracia que combine representação com participação", explicou.
O intelectual mexicano ponderou, porém, que esse processo de lutas enfrentará contradições. "Surgirão governos de resistência e falas alternativas doutrinárias correspondentes a sonhos e leituras passadas", disse ele, para em seguida concluir: "Mas o único caminho que poderá assegurar um novo socialismo será algo que organize a soberania do povo com um governo que a respeite, e que também respeite a soberania de outros povos e outros governos".
* Viagem realizada a convite da Clacso
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