do IANotícia por Fabio Venturini
Na noite do dia 29 de outubro estava no meio de uma aula. Alguns alunos se levantaram e saíram apressados. Fiz aquela cara de professor que cobra algum respeito acadêmico e uma garota disse quase sem virar: “preciso ir embora, depois explico”.
Uma outra professora aparece à porta com feição assustada e diz: meus alunos que moram na Cidade Tiradentes estão desesperados para ir embora porque vai ter toque de recolher.
Depois da aula fui para casa. Um grupo de homens conversava com um vizinho e o vigia da rua. Tive que ficar à frente de casa para tentar consertar o portão que deu problemas. O vigia se aproximou e começou a conversa dos nossos tradicionais papos sobre futebol.
Pouco depois um homem numa motocicleta chama o vigia para avisar que teve a informação de um plano para promover arrastão nas casas da rua (muitos dos vizinhos são policiais civis ou militares).
O vigilante me contou preocupado, pois os homens que conversavam pouco antes com um dos vizinhos estavam todos (bem) armados. Contei o ocorrido na faculdade e ele ficou mais preocupado ainda.
Sugeri ligar para o 190, mas ele descartou pois em São Paulo o serviço é atendido por secretária eletrônica e não dá para contar com ele, especialmente em casos de emergência. Julgou melhor ligar diretamente para o posto policial mais próximo caso visse algo que justificasse uma preocupação maior, pois, segundo ele, “a guerra entre polícia e PCC está pegando mais na Zona Leste”.
Tranquei o portão, entrei e montei guarda dentro de casa até o meio da madrugada (afinal, a surpresa é o fator determinante do combate e eu não queria ser surpreendido). Por volta de 2h30, as muitas casas de vizinhos policiais que estavam com luzes acesas foram paulatinamente se apagando.
Pela manhã a aluna que não quis se explicar na noite anterior iniciou uma conversa pelo Facebook:
– Fabio, desculpe-me por ter saído correndo ontem. Estava tendo toque de recolher lá perto de casa e minha mãe ligou para me avisar.
– Tudo bem, fiquei sabendo. Houve algum estresse mais forte?
– Só de madrugada mesmo, mas eu já estava em casa. Mataram dois meninos e queimaram um ônibus. Tudo porque morreu um cara do PCC.
– Onde queimaram o ônibus?
– Perto do Jardim Elba.
– Estou fazendo uma coluna. Posso usar essa informação?
– Pode sim.
– Ontem na Zona Norte também tinha um pessoal armado rodando pelas ruas.
– Os policias lá perto de casa fecharam todas as bases de rua e se esconderam na delegacia, com medo dos bandidos.
– Faz tempo que eles estão em guerra. A gente fica no meio.
– E na TV não passa nada sobre isso, né?
– Eu passei a noite montando guarda e ninguém falou nada. Nem site, nem rádio.
– Eu pesquisei para ver se achava algo e também não encontrei.
– A se o governo fosse de outro partido…
E a conversa se enveredou para os privilégios que partido A desfruta em detrimento do partido B, especialmente em anos pares.
Sim, existe uma guerra entre policiais e crime organizado na cidade de São Paulo que tem a população e a missão constitucional das polícias apenas como pano de fundo. Morre um bandido, passam-se dois policiais, que são vingados com quatro pessoas identificadas na ocorrência como traficantes.
Um bar é todo metralhado, um ônibus é queimado. Homens à paisana circulam pela cidade, comandos do crime determinam toque de recolher. A cada 24 ou 48 horas dezenas de pessoas morrem em situações mal explicadas. Os bandidos não cumprem a lei, mas é isso que se espera deles. Já das polícias, não.
As polícias não cumprem outro papel a não ser oprimir a população politicamente. Policiais andam com medo, criminosos idem. Já não são opostos e se tornaram alteregos.
São Paulo vive um estado de exceção, estado de guerra. Apenas não se noticia. Enquanto a população serve de massa de manobra entre criminosos dentro e fora da lei, o governador manda “ir para cima de bandido”.
O silêncio comunicativo é o pior dos cúmplices.
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