do Irã News
M K Bhadrakumar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/NK17Ak03.html
Com as tensões aumentando hora a hora, dia a dia, e tropas e tanques israelenses avançando ameaçadoramente contra Gaza, o mundo começa a ver a língua bífida do presidente dos EUA Barack Obama.
Gaza vai-se convertendo em teste limite do que Obama diz ser como estadista e do que não pode ser, se se considera a realidade política.
Não existe, para Obama, linha de fuga pela qual escapar da realidade que ele insiste em não ver, metendo a cabeça no buraco, feito avestruz, desde o dia em que deixou o Cairo em 2009, depois de fazer ali discurso magnífico sobre a questão palestina.
Os eventos da última semana em Gaza mostram que, a menos que Obama manifeste coragem política – e integridade moral, como estadista – para enfrentar a questão palestina, toda a sua conversa sobre ‘nova agenda’ para o Oriente Médio é e continuará a ser pura bobagem.
Além do mais, a assimetria de suas prioridades para o Oriente Médio começa a aparecer aí, à vista de todos. Na essência, Obama começa a ser visto como inventador de frases sobre Síria e Irã, exclusivamente para tentar fugir da única questão que poderia fazer alguma diferença no contato entre os EUA e o mundo muçulmano.
O primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu já desmascarou Obama e está forçando um ‘reset’ das relações entre ambos, mesmo antes de o presidente dos EUA iniciar seu segundo mandato na Casa Branca.
Obama sempre pode esconder-se por trás de sua retórica melíflua e, nos EUA, não tem de enfrentar opinião pública adversa. Sequer será chamado às falas por seus aliados europeus.
Onde o motor engasga
O paradoxo é que a crise em Gaza irrompe justamente quando parecia que as coisas se encaminhavam para um possível novo acordo entre EUA e Egito, incluindo empreitada conjunta, dos dois países, para encaminhar solução rápida para a “mudança de regime” na Síria.
Uma equipe de técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) passou 15 dias no Cairo negociando um empréstimo de US$4,8 bilhões de que o Egito muito precisa para remendar as finanças. Já com os jatos israelenses atacando Gaza impiedosamente, e com o Hamás implorando ajuda ao presidente Mohamed Morsi do Egito, o FMI anunciou na 4ª-feira que “a missão permanecerá no Cairo por mais alguns dias, onde continuará trabalhando para firmar os progressos já obtidos.”
Normalmente o FMI espera que os estados tomem por sua iniciativa as primeiras medidas de algum plano de reformas econômicas, antes de conceder empréstimos, mas Morsi sabe que sempre se podem criar exceções; e que quem decide é Washington.
Também do ponto de vista de Obama, a nova guerra contra Gaza aparece no pior momento, abalando todo o seu esquema montado para a Síria para os próximos meses. Depois de muito trabalho durante cinco dias de agonia em Doha, o ex-embaixador dos EUA na Síria Robert Ford e o ex-deputado sírio Riad Self conseguiram, sabe-se lá como, montar uma Coalizão Nacional Síria [orig. Syrian National Coalition (SNC)] no fim da semana.
Várias vezes pareceu que Ford não conseguiria tirar o coelho da cartola, e os anfitriões qataris tiveram, literalmente, de se intrometer e chantagear algumas das figuras chaves dos grupos da oposição síria, para obrigá-los a desistir e alinhar-se ao roteiro que Ford trouxera diretamente de Washington.
A situação era grave e a urgência, absoluta. Formar a Coalizão era precondição necessária para a nova reunião dos tais “Amigos da Síria”, em Tóquio, onde a dita “comunidade internacional” reconhecerá a nova oposição síria.
Morsi já fora seduzido, quando os Irmãos da Fraternidade Muçulmana na Síria foram premiados com o comando, na nova Coalizão. Qatar e Turquia acrescentaram, cada um, mais US$2 bilhões de ajuda para o governo de Morsi. O plano de jogo inclui instalar no Cairo o quartel-general da nova Coalizão síria. O ministro de Relações Exteriores da Turquia Ahmet Davutoglu visitou o Cairo na 4ª-feira, e conversou com Morsi: disse o que se espera dele enquanto Obama providencia o início de operação de sua ‘nova agenda’ para a Síria.
Portanto, Netanyahu claramente agiu para fazer o motor engasgar, para fazer parar toda essa operação, literalmente. E absolutamente não está brincando. Os novos ataques de Israel contra Gaza obrigam a ver que a nova Coalizão síria não tem importância alguma; que a verdadeira batalha no Oriente Médio Muçulmano não se trava na Síria nesse momento, mas na Palestina – aliás, como sempre.
Mas o que mais interessa a Netanyahu é atacar Obama noutro ponto: Netanyahu ataca Gaza com vistas a destruir a credibilidade de Obama, agora que ele se prepara para conversações com o iranianos, previstas para acontecerem só entre EUA e Irã. Na primeira conferência de imprensa depois da eleição, na 4ª-feira, Obama disse que planeja “trabalhar nos próximos meses para ver se conseguimos abrir um diálogo” com Teerã, “e ver se resolvemos essa questão [nuclear]”.
Obama falou em tom claramente conciliatório e disse que não ficaria preso “a formalidades diplomáticas ou de protocolo” e que “se o Irã estiver seriamente disposto a resolver isso, haverá meio para resolver.”
Hoje, com tropas israelenses marchando contra Gaza, Obama será visto em todo o mundo árabe como homem de promessas ocas. E Netanyahu aparece como o homem que dá as cartas no Oriente Médio, pouco mais de um mês antes das próximas eleições parlamentares, às quais concorre em aliança com o partido Yisrael Beiteinu de Avigdor Lieberman e que espera vencer, em janeiro. Os grupos mais linha-dura da política israelense navegam a onda de apoio popular a Netanyahu-Lieberman, defensores da “Grande Israel”.
Duelo emocionante
Como já se viu claramente, Obama foi obrigado a voltar ao discurso de sempre, à política norte-americana de só ver o lado israelense, à velha prática de culpar o Hamás por ter iniciado a atual crise, justificando Israel que, como sempre teria “o direito de defender-se”.
Mais fundamentalmente, contudo, há aí todos os ingredientes para que a coisa converta-se em duelo Obama versus Netanyahu – que terá impacto prolongado na sempre precária alquimia entre ambos, e que se estenderá por todo o segundo mandato de Obama.
Obama talvez nem goste de ver que Netanyahu conseguiu encaixar um direto, mas, em termos realistas, sabe que a Câmara de Deputados controlada pelos Republicanos no Congresso dos EUA só aceitará decisões que impliquem 100% de apoio a Israel na atual crise.
Obama pode também dar adeus às esperanças de conseguir construir algum consenso no Congresso dos EUA para fazer avançar uma agenda, de segundo mandado, que se constitua no legado histórico de seu governo – o ‘despenhadeiro fiscal’, reforma do sistema tributário, imigração, energia, mudança climática, desarmamento etc. –, se não conseguir encontrar meio para superar o teste crucial do apoio incondicionado a Israel.
Aí, precisamente, Obama encontrará gravíssima dificuldade com Teerã. A questão é que a centralidade da questão palestina nas políticas regionais do regime islâmico de Teerã nem sempre é perfeitamente visível e compreendida, quando se extraem conclusões superficiais sobre o que motiva o Irã a buscar tão empenhadamente (e legitimamente) a posição de potência regional.
O regime de Teerã, como praticamente todo o mundo muçulmano, tem profunda simpatia pela causa dos palestinos e considera inadmissível e genuinamente inaceitável qualquer ataque contra Gaza.
Na prática, a única coisa que Obama pode fazer hoje é exigir que Morsi do Egito ponha o Hamás sob rédea curta. Desnecessário dizer que Obama, mais uma vez, como que instintivamente, comete o grave erro de seguir a linha pragmática e de deixar-se ver, mais uma vez, como aliado, ombro a ombro, de Israel.
Setores influentes dentro do establishment iraniano já vêm dizendo, há algum tempo, que Obama é fraco demais para, sozinho, negociar questões cruciais com Teerã, no que tenha a ver com o programa nuclear. Além disso, Teerã também desconfia que a verdadeira agenda dos EUA é enfraquecer o Irã, impondo à Síria um acordo do tipo Taif (como no Líbano e no Iraque), o que também ajudaria Israel a reconquistar a posição de dominação na região.
Em resumo, Netanyahu pode já ter conseguido bombardear qualquer otimismo que Obama tenha gerado sobre o “diálogo direto” entre EUA e Irã. Resultado disso, Obama já está de mãos e pernas atadas, antes mesmo de iniciar o segundo mandato. Netanyahu virou a mesa sobre Obama: resposta a todos os olhares e movimentos de desprezo que recebeu de Washington nos últimos meses.
Não há nem sombra de dúvida de que – e foi jogada brilhante –, Netanyahu conseguiu expor as mais profundas contradições que há na mal alinhavada estratégia de Obama para o Oriente Médio.
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