A França é um dos países onde mais se paga imposto do mundo. Cerca de 45% da renda dos franceses vai direto para os cofres públicos, contra 36% da renda dos brasileiros. No país europeu, quem ganha pouco ou nada pode contar com diversas ajudas sociais, inclusive uma espécie de bolsa-família, com a diferença de ser um valor razoável (cerca de 400 euros por mês, aproximadamente mil reais). O inverso também acontece e quem ganha muito é obrigado a pagar mais imposto. Quanto maior a renda, maior é a contribuição fiscal. E mesmo assim, através da evasão, os mais afortunados acabam pagando bem menos do que deveriam.
Um projeto de lei do presidente François Hollande que taxa temporiariamente em 75% os mais ricos do país (a porcentagem não é sobre toda a renda, mas sobre a parcela que ultrapassa a barreira do milhão de euro) foi rejeitado pelo Conselho Constitucional por um problema técnico, mas deve ser retomado. A medida foi uma promessa de campanha em resposta às iniciativas na contra-mão da distribuição de renda adotada pelos últimos governos de direita, que haviam diminuído progressivamente o peso fiscal sobre fortunas.
A administração Sarkozy chegou a baixar o “escudo fiscal” dos milionários para 50% e causou grande divergência de opinião entre a população. De um lado os que achavam justo a elite econômica dividir a fortuna, do outro quem argumentava que taxas tão altas fariam os ricos fugir para outros países.
Hollande, o sucessor de esquerda, prometeu inverter a situação. Chegou ao poder logo depois do escudo fiscal ter sido retirado e estabeleceu uma taxa extra para quem ganhasse mais de 1,3 milhão de euros, para tentar compensar a evasão fiscal dos anos anteriores. O resultado foram quase 12 mil famílias ricas pagando mais de 75% de imposto no ano passado. Mais impressionante ainda, 8.010 delas pagaram mais de 100%, ou seja, mais do que ganharam no ano fiscal, como publicou o jornal Les Echos.
Isso acontece muitas vezes porque o patrimônio de algumas famílias é maior que sua renda. Por isso, mesmo antes do governo Hollande o imposto destas famílias já ultrapassava os 100%. No ano de 2011 foram mais de cinco mil pessoas neste caso. A diferença é que antes, com a lei do escudo fiscal de 50%, elas poderiam pedir a redução e agora terão que pagar a integralidade.
A batalha fiscal dos milionários está longe de terminar. O Conselho Constitucional rejeitou a proposição dos 75% alegando uma “quebra da igualdade perante os encargos públicos”. Na verdade, a lei foi mal formulada. Por exemplo, a regra poderia não ser aplicada em uma família onde duas pessoas ganhassem 900 mil euros anuais cada uma, mas seria obrigatória em outra cuja uma parte do casal ganhasse 1,2 milhão e a outra parte não tivesse renda.
As más línguas dizem que foi um erro técnico proposital da administração Hollande para conseguir sair da saia justa de uma promessa de campanha difícil de ser cumprida. Desagradar poderosos é complicado, mesmo sendo um presidente de esquerda. Por outro lado ele não pode enfurecer seu eleitorado, pois pesquisas apontam que 60% dos franceses é a favor da alta taxação dos mais ricos.
Enquanto isso alguns milionários dão chilique, como o ator Gerard Depardieu, que recebeu um passaporte russo depois de reclamar dos altos impostos franceses e se tornou um personagem ridicularizado pelos próprios conterrâneos. Além da nacionalidade, o ator ganhou um imóvel na cidade de Mordóvia e deve abrir um restaurante em breve por lá. Mas mudar de país que é bom, nada. Depardieu continua morando em Néchin, vilarejo belga a cinco minutos de carro da França. Abrir mão dos impostos tudo bem, mas da qualidade de vida já é outra história. Quando será que ele vai notar que as duas coisas estão relacionadas?
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