Não me surpreende a atitude da Fiesp em conclamar os empresários brasileiros (ou paulistas) a transferir parte da sua produção para o Paraguai, alegando como principal objetivo a competitividade, através da redução de custos com a mão de obra, com os impostos, com as tarifa de energia, etc.
Não é de hoje que parte da burguesia industrial paulista só pensa em seus próprios interesses, sem nenhuma preocupação com a “função social da propriedade”, conforme consta em nossa Carta Magna. Os exemplos são muitos: desde Mario Amato (ex-presidente da Fiesp), que ameaçava a sociedade brasileira com a previsão de que milhares de empresários iriam abandonar o Brasil caso Lula vencesse as eleições em 1989; a tentativa frustrada de fazer acordos nacionais para flexibilizar a legislação trabalhista no auge da crise de 2008, e mesmo quando lideraram a campanha contra a CPMF, que acabou retirando 40 bilhões de reais do orçamento da saúde no Brasil sem nenhuma consequência sobre a redução dos preços, como prometiam.
Tem gente que não precisa de política pública universal, gratuita e de boa qualidade na educação, na seguridade social, no transporte ou na segurança, porque têm dinheiro para pagar planos de saúde, seguranças particulares e voos de helicóptero.
Isso explica por que em muitos países das Américas, e o Paraguai é um dos exemplos, é muito difícil falar em papel do Estado na economia e nas políticas sociais: porque rico não paga imposto, porque grandes proprietários de terra e de empresas são isentos de impostos sobre os lucros, sobre a propriedade e até mesmo sobre as remessas de lucro para o exterior.
O que na verdade me surpreende é ver parcelas da esquerda latino-americana embarcando na campanha pela redução da “carga tributária”, pelas desonerações da folha de salário sem critérios e sem contrapartidas sociais – como exigência de manutenção e criação de empregos decentes –, colocando em risco o futuro da Seguridade Social (previdência, saúde e assistência social).
Mas talvez esse seja o grande sonho da Fiesp: uma região onde a carga tributária seja a menor possível, aquela capaz de atender minimamente, de maneira paternalista, apenas aos que estão em situação de extrema pobreza e condenar vários países da região, começando pelo Paraguai, a ser verdadeiras maquiladoras para ampliar os lucros das grandes empresas.
Isso nos remete à discussão que a CUT vem provocando nos últimos anos: afinal, que modelo de desenvolvimento queremos para a nosso continente? Qual o papel do Brasil nesse contexto? Qual o papel dos bancos públicos (BNDES, CEF, BB) e dos fundos de pensão? Qual o papel das empresas multilatinas?
Se for verdade que ainda existem muitas lacunas acerca de que modelo é esse que devemos construir juntos, pelo menos temos uma convicção e um consenso: sabemos o que queremos e o que não queremos.
Não queremos esse “modelo de integração” da Fiesp. Queremos uma integração produtiva que agregue valor à produção industrial da região, com investimentos em ciência e tecnologia, de modo a fazer com que as cadeias produtivas possam ser complementares entre os países da região, gerem arrecadação robusta e integrem, especialmente, as pessoas, num contexto de justiça social e de direitos humanos.
Não queremos a precarização do trabalho, nem o trabalho escravo e muito menos a informalidade e a terceirização. Queremos uma Declaração Sócio Laboral do Mercosul que unifique os direitos laborais na região pelo teto e não pelo piso. Ou seja, um conjunto de direitos trabalhistas que garanta que a melhor legislação existente na região, a mais benéfica para os trabalhadores, seja considerada como objetivo a ser alcançado por todos os países em um determinado período de tempo.
Concluo com uma constatação que pode ter passado despercebida para muitos no tal “estudo” da Fiesp. A entidade afirma que uma calça jeans no Brasil tem um custo de produção, na média, em torno de 7 dólares, e que no Paraguai esse custo cairia para algo como 5 dólares.
Pois bem, basta uma simples busca na internet para ver quanto custa para o consumidor final uma calca jeans no Brasil da marca Hering (citada pela FIESP) – varia de US$ 40 a US$ 50, dependendo do modelo (pelo câmbio comercial vigente no último dia 19).
Pois bem, uma margem de lucro, na média, de 504%, ou 38 dólares por unidade produzida. Notem que no tal “estudo” fala-se em custos de salários, de direitos trabalhistas (que eles insistem em chamar de “encargos”), e de impostos. Porém, atentem para a diferença entre o custo de produção e o preço final ao consumidor. Uma margem de lucro estratosférica, muito superior ao peso dos impostos, ainda mais considerando que o exemplo em questão pode ser adquirido por intermédio da internet, cujos custos de comercialização e distribuição são menores.
Lanço aqui uma proposta: muito se tem falado da necessidade de que os consumidores brasileiros saibam quanto pagam de imposto em cada produto. Pois bem, nós queremos também publicitar o lucro que cada empresa está ganhando com cada produto.
Com a palavra nossos deputados e senadores e nossos ministérios da Fazenda e da Indústria e Comércio.
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