domingo, 10 de março de 2013

Hugo Chávez, o menino pobre de Sabaneta


Antiimperialista, antineoliberal, começou a fazer o milagre de construir os alicerces da utopia em um país que, do ponto de vista imaginário, estava mais perto de Miami do que de Havana. Fabulador incansável, Chávez sonhou reviver o ideal socialista quando muito poucos queriam falar dele. E o fez, para não trair nunca sua infância de menino pobre de Sabaneta. 

Luis Hernández Navarro, do La Jornada via CartaMaior
Hugo Chávez foi um personagem de carne e osso saído da mais fantasiosa novela de Gabriel García Márquez. Menino pobre de Sabaneta (capital do estado de Barinas) que jurou não trair sua infância de escassez e precariedade, aprendeu desde muito cedo a semear e vender guloseimas. Filho de professores de ensino fundamental que cresceu com sua avó Rosa Inês e outros dois de seus irmãos, viveu em uma casa de palma, com parede e piso de terra, que alagava com a chuva. Uma criança que sonhava em ser pintor e que trazia na alma a fantasia de jogar beisebol nas Grandes Ligas, alimentou-se toda sua vida de suas origens humildes.

Pela mão de sua avó, que chamava de Mamá Rosa, aprendeu a lei e escrever antes de entrar no primeiro ano. Ao lado dela tomou conhecimento das injustiças desse mundo e conheceu as dificuldades econômicas e a dor, mas também a solidariedade. Dos lábios dela, extraordinária narradora, recebeu suas primeiras lições de história da pátria, mesclada com lendas familiares.

O menino Hugo Chávez viajou pelo mundo através das ilustrações e das histórias que leu em quatro grandes tomos da Enciclopédia Autodidata Quillet, presente de seu pai. No sexo ano, foi escolhido para fazer um discurso ao bispo González Ramírez, o primeiro a chegar à sua comunidade. Desde então, encontrou o gosto de falar em público e, os demais, o interesse por escutá-lo.

Seu ídolo foi Isaías “Chicote” Chávez, lançador nas Grandes Ligas. Nunca o viu, mas imaginava como era ao escutar as partidos pelo rádio. No dia em que seu herói morreu em um acidente aéreo, o jovem Hugo, de 14 anos de idade, viu o mundo cair sobre sua cabeça.

Para ser como o “Chicote”, o jovem entrou no exército. Graças a suas qualidades no beisebol, as portas da Academia Militar se abriram para ele em 1971. Quatro anos depois se graduou como subtenente e licenciado em ciências e artes militares, com um diploma em contrainsurgência, com uma bússola que marcava como seu norte o rumo do caminho revolucionário.

Sua tomada de consciência foi um processo longo e complexo, no qual se combinaram leituras, conhecimento de personagens chave e acontecimentos políticos na América Latina. Em mais um dos episódios de realismo mágico que marcaram sua vida, em 1975, em uma operação o subtenente Chávez encontrou na Marqueseña, Barinas, um Mercedes Benz preto escondido no monte. Ao abrir o porta-malas encontrou um arsenal subversivo composto por livros de Karl Marx e Vladimir Ilich Lenin, que começou a ler.

Na forja de suas atitudes políticas, incluiu, decisivamente, seu irmão maior Adán, militante do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), e sua participação em um experimento educacional das forças armadas chamado Plano Andrés Bello, preocupado em dotar os militares de uma formação humanista. Do mesmo modo, foi chave em sua formação política o descobrimento de Simón Bolívar e a voracidade intelectual de Chávez que o levou a ler todo e qualquer texto que encontrou sobre a biografia e o pensamento do líder. Mais adiante, seria definitiva nele a influência de Fidel Castro, a quem tratou como se fosse seu padre.

A derrubada de Salvador Allende em 1973 provocou nele um grande desprezo em relação aos militares da estirpe de Augusto Pinochet, tão espalhados pela América Latina. Por outro lado, o conhecimento da obra do panamenho Omar Torrijos e do peruano Juan Velasco Alvarado mostrou a ele a existência de outro tipo de forças armadas, de vocação nacionalista e popular, tão diferente dos gorilas formados na Escola das Américas.

Rebelde ante o atropelo, descobriu na prática os abusos e a corrupção de seus comandantes e decidiu enfrentá-los como pode. “Eu vim ao Palácio pela primeira vez – contava Chávez – para buscar uma caixa de whisky para a festa de um oficial”. Para removê-los, no aniversário da morte de Simón Bolívar em 1982, um pequeno grupo de oficiais do corpo castrense, entre os quais se encontrava Chávez, fez o juramento de Samán de Güere, fundando o Movimento Bolivariano Revolucionário 200 (MBR 200).

Quase sete anos mais tarde ocorreu um levante espontâneo nos bairros pobres de Caracas contra as medidas de austeridade do governo de Carlos Andrés Pérez. O “caracazo” foi reprimido a sangue e fogo. A rebelião popular deu um grande impulso ao movimento dos militares bolivarianos.

Em 1992, Chávez e sues companheiros se rebelaram com armas na mão. A quartelada fracassou e Chávez foi preso. Diante dos meios de comunicação, assumiu a responsabilidade, Sua popularidade e ascendência política a partir de então só aumentaram. Ao ser libertado, sua presença política cresceu aceleradamente ante o colapso do sistema político tradicional. Nas eleições presidenciais de 1998 triunfou com uma votação de 56%. A partir desse momento nada conseguiu pará-lo. Ganhou quase todas as eleições e referendos dos quais participou, ao mesmo tempo em que sobreviveu milagrosamente a um golpe de estado e a um lockout petroleiro.

Ao longo dos quase 20 anos em que conduziu o Estado venezuelano, o tenente coronel refundou seu país, o descolonizou, tornou visíveis os invisíveis, redistribuiu a renda petroleira, combateu o analfabetismo e a pobreza, elevou incrivelmente os índices da saúde, aumentou o salário mínimo e fez a economia crescer. Ao mesmo tempo, no cenário internacional, fortaleceu o polo dos países petroleiros em relação ao poder das grandes companhias privadas, ajudou a derrotar o projeto de uma área de livre comércio para as Américas impulsionado desde Washington, criou um projeto alternativo de integração continental e assentou as bases para um socialismo do século 21.

Hugo Chávez foi um formidável comunicador, um incansável contador de histórias, um educador popular. Seus relatos, herança dos contos que Mamá Rosa contava em sua infância, mesclava história do país, leituras teóricas, anedotas pessoais, com frequência em tempo presente. Em todas elas, o senso de humor estava presente. “Se tua mulher te pede que te atires pela janela” – dizia, jocoso – “é hora de mudar a planta baixa”.

Suas narrações seguiam o modelo clássico das sonatas musicais, nas quais dois temas contrastantes se desenvolvem em tonalidades vizinhas. Em seus discursos lançava mão da poesia e do canto. “Eu canto muito mal – se justificava -, mas, como disse aquele paisano, Chávez canta mal, mas canta bonito”, para, na continuação, interpretar uma canção rancheira ou uma balada.

Antiimperialista, antineoliberal, começou a fazer o milagre de construir os alicerces da utopia em um país que, do ponto de vista imaginário, estava mais perto de Miami do que de Havana. Fabulador incansável, Chávez sonhou reviver o ideal socialista quando muito poucos queriam falar dele. E o fez, para não trair nunca sua infância de menino pobre de Sabaneta.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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