As cidades não tinham polícia, porque
havia um alto grau de igualdade social, que dava às pessoas um sentimento de
responsabilidade mútua.
Por David Whitehouse
Na Inglaterra e EUA a polícia
apareceu no intervalo de poucas décadas, aproximadamente entre 1825 e 1855. A
nova instituição não era uma resposta ao aumento da criminalidade, e não tinha
uma intenção verdadeira de experimentar novos métodos de lidar com o crime. A
forma mais comum com que as autoridades tiveram que resolver um crime, antes e
depois do surgimento da polícia, continuou sendo a delação de uma pessoa por
outra.
Além disso, o crime é um ato
individual, e as elites dominantes que inventaram a polícia estavam tentando
responder aos desafios colocados pela ação coletiva. Em suma, as autoridades
criaram a polícia para lidar com um grande e desafiador movimento de massas.
Foi o caso
- das greves na Inglaterra
– dos tumultos no norte dos Estados Unidos
– e da ameaça de insurreição de escravos no sul do mesmo país.
– dos tumultos no norte dos Estados Unidos
– e da ameaça de insurreição de escravos no sul do mesmo país.
Por isso, a polícia é uma resposta
para as massas, e não para o crime.
Vou me concentrar em estabelecer quem
eram essas massas e como elas se tornaram uma ameaça, um desafio. Veremos que
uma das dificuldades enfrentadas pelos governantes, além do desenvolvimento da
polarização social nas cidades, foi a demolição dos velhos métodos de
supervisão pessoal da população trabalhadora. Nestas décadas, o Estado entrou
em cena para emendar esta fratura social.
Veremos como, no Norte, a invenção da
polícia era apenas uma parte do esforço estatal para controlar e moldar a força
de trabalho em uma base diária. Os governos também expandiram seus sistemas de
assistência social para regular o mercado de trabalho, e desenvolveram o
sistema de educação pública para controlar a mentalidade dos trabalhadores. Vou
relacionar estes pontos ao trabalho da polícia mais tarde, mas vou focar
principalmente em como a polícia foi desenvolvida em Londres, Nova York,
Charleston (Carolina do Sul) e Filadélfia.
Para se ter uma ideia do que há de
especial na polícia moderna, nos ajudará falar sobre a situação quando o
capitalismo estava apenas começando. Especificamente, vamos ver como eram as
cidades comerciais do período medieval, em torno de mil anos atrás.
A classe dominante desse tempo não
residia nas cidades. Os senhores feudais estavam assentados na zona rural. Eles
não dispunham de uma polícia. Eles poderiam reunir forças armadas para
aterrorizar os servos – que eram semi-escravos – ou poderiam fazer a guerra
contra outros nobres. Mas essas forças não eram profissionais e nem em tempo
integral.
A população das cidades era em sua
maioria servos que tinham comprado sua liberdade, ou simplesmente fugido de
seus mestres. Eles eram conhecidos como burgueses, o que significa residente
das cidades (burgos). Foram pioneiros na implementação de relações econômicas
que mais tarde ficaram conhecidas como capitalismo.
Para o propósito da nossa discussão,
digamos que um capitalista é alguém que usa o dinheiro para ganhar mais
dinheiro. No começo, os capitalistas dominantes eram comerciantes. Um
comerciante usa o dinheiro para comprar mercadorias a fim de vendê-los por mais
dinheiro. Há também os capitalistas que lidam apenas com dinheiro – banqueiros
– que emprestam certa soma com o objetivo de obter de volta um montante maior.
Eles também podem ser artesãos, que
compram materiais e fazem alguma coisa, por exemplo sapatos, para serem
vendidos por mais dinheiro. No sistema de guildas, um mestre artesão
supervisionava e trabalhava com os trabalhadores e aprendizes. Os mestres se
aproveitavam de seu trabalho, então havia exploração, mas os trabalhadores e
aprendizes tinham esperanças razoáveis de que eles também se tornariam mestres.
Portanto, as relações de classe nas cidades foram bastante fluídas,
especialmente em comparação com as relações entre nobres e servos. Além disso,
as guildas operavam de maneiras que limitavam a exploração, de modo que eram os
comerciantes quem realmente acumulava capital no período.
Na França, durante os séculos XI e
XII, essas cidades eram conhecidas como comunas. Eram incorporadas ao status de
comuna sob certas condições, às vezes com a permissão de um senhor feudal, mas
geralmente eram vistas como entidades autogovernadas ou, inclusive, como
cidades-estado.
Mas elas não tinham policiais.
Dispunham de seus próprios tribunais, e um pequeno exército formado pelos
próprios moradores. Estas forças não se encarregavam de acusar a ninguém. Se se
roubava ou se sofria um ataque, ou se era enganado em um negócio, então o
cidadão, como vítima, levantava as acusações.
Um exemplo dessa justiça
faça-você-mesmo, um método que durou séculos, era conhecido como a gritaria. Se
você estivesse em um mercado e via alguém roubando, a testemunha deveria gritar
“Ladrão, ladrão!” e perseguir o acusado. O costume era que as pessoas que
vissem isso se somariam à gritaria e também correriam atrás do ladrão.
As cidades não tinham polícia, porque havia um alto
grau de igualdade social, que dava às pessoas um sentimento de responsabilidade
mútua. Ao longo dos anos, o conflito de classes se intensificou nas cidades,
mas ainda assim permaneceram unidas, graças ao antagonismo comum contra o poder
dos nobres, e continuaram com seus laços de responsabilidade mútua.
Durante séculos, os franceses
mantiveram e idealizaram recordações dessas primeiras cidades comunas,
comunidades autogovernadas de igual para igual. Portanto, não é surpreendente
que em 1871, quando os trabalhadores tomaram Paris, a batizaram como Comuna.
Mas demos um salto histórico grande demais para o tema que nos ocupa.
O capitalismo foi experimentando
importantes mudanças à medida que estava crescendo no ventre da sociedade
feudal. Primeiro, o tamanho da propriedade do capital cresceu. Lembremos que
esta é a questão: converter pequenas pilhas de dinheiro em lotes maiores. O
volume de capitais começou a crescer astronomicamente durante a conquista do
continente americano, conforme o ouro e a prata eram saqueados do Novo Mundo e
os africanos eram sequestrados para trabalhar nas plantações.
Cada vez mais e mais coisas eram
produzidas para a venda nos mercados. Os perdedores na competição do mercado
começaram a perder sua independência como produtores e tiveram que ser
empregadas como trabalhadores assalariados. Mas em lugares como a Inglaterra, a
força que impulsionava as pessoas a procurar trabalho assalariado era o Estado,
que estava expulsando os camponeses da terra.
As cidades iam crescendo à medida que
esse camponeses chegavam do campo como refugiados, enquanto a desigualdade
nelas aumentava. A burguesia capitalista tornou-se uma camada social ainda mais
distinta dos trabalhadores do que costumava ser. O mercado causava um efeito
corrosivo sobre a solidariedade das guildas, algo que trataremos com mais
detalhe quando falarmos de Nova York. As oficinas eram maiores do que nunca, e
um patrão inglês podia ter sob seu comando dezenas de trabalhadores. Agora
estamos falando de um período em torno de meados do século XVIII, o período
imediatamente anterior ao início da autêntica industrialização.
Ainda não havia polícia, mas as
classes ricas empregavam cada vez mais violência para reprimir a população
pobre. Às vezes se ordenava ao exército que disparasse contra as massas
rebeldes, e por vezes os juízes locais prendiam os líderes e os enforcavam. A
luta de classes começou a se intensificar, mas as coisas começam realmente a mudar
com o impulso da Revolução Industrial na Inglaterra.
Enquanto isso, a França estava
passando por sua própria revolução política e social, que começou em 1789. A
resposta da classe dominante britânica foi de pânico dos trabalhadores
britânicos seguirem o caminho francês. Sindicatos e encontros de mais de 50
pessoas foram tornados ilegais.
No entanto, os trabalhadores ingleses
participaram de manifestações e greves cada vez mais extensas entre 1792 e
1820. A resposta da classe dominante foi o envio do exército. Mas o exército só
pode fazer duas coisas, e nenhuma é boa. Eles podem se recusar a atirar, e as
massas continuam a fazer o que estavam fazendo. Ou eles podem disparar contra a
multidão e produzir mártires trabalhadores.
É exatamente o que aconteceu em Manchester em 1819.
Os soldados foram enviados contra uma multidão de 80.000, ferindo centenas e
matando onze. Em vez de submeter as massas, esses eventos, conhecidos como o
Massacre de Peterloo, provocou uma onda de greves e protestos.
Até mesmo a tática clássica de
enforcar os líderes do movimento começou a sair pela culatra. Uma execução
poderia exercer um efeito negativo sobre uma centena de pessoas, mas agora os
reunidos para apoiar ao condenado eram cinquenta mil, e as execuções
encorajava-os a lutar. O crescimento das cidades britânicas, e o crescimento
dentro delas da polarização social (ou seja, duas mudanças quantitativas),
começaram a produzir explosões de luta qualitativamente diferentes.
A classe dominante necessitava de
novas instituições para controlar isso. Uma delas foi a polícia de Londres,
fundada em 1829, apenas dez anos depois de Peterloo. A nova força policial foi
projetada especificamente para aplicar violência não letal contra as massas,
para quebrá-las e deliberadamente evitar que surgissem mártires. No entanto,
qualquer força organizada para implantar violência rotineiramente acabará
alguma vez matando. Mas para cada assassinato policial há centenas ou milhares
de atos de violência policial que não são letais, calculados e calibrados para
produzir intimidação e evitar uma resposta coletiva furiosa.
Quando a polícia de Londres não
estava concentrada em esquadrões para controlar a multidão, se espalhava pela
cidade para controlar a vida cotidiana dos pobres e da classe trabalhadora.
Aqui se reúnem já as funções da polícia moderna: a forma dispersa de vigilância
e intimidação, chamada luta contra o crime, e a forma concentrada de atividade
contra greves, tumultos e grandes manifestações de massa.
Esse último ponto é o motivo para o
qual foi criada, para lidar com as massas, mas o que vemos na maior parte do
tempo é a presença da guarda. Antes de falarmos sobre a evolução da polícia em
Nova York quero explorar as conexões entre essas duas formas de trabalho
policial.
Vou começar com o tema geral da luta de classes em torno da
utilização do espaço público. É uma questão muito relevante para os
trabalhadores e os pobres. Os espaços abertos são importantes para os
trabalhadores:
- para trabalhar
- para diversão e entretenimento
- para viver, se você não tem uma casa
… e para a política
Em primeiro lugar, o trabalho. Enquanto prósperos comerciantes
podem controlar espaços fechados, aqueles sem meios são vendedores ambulantes.
Os comerciantes assentados os viam como concorrentes e chamavam a polícia para expulsá-los.
Os vendedores de rua também são ótimos fornecedores de
mercadorias roubadas, pela sua mobilidade e anonimato. Não foram apenas os
batedores de carteira e ladrões que fizeram uso dos vendedores de rua desta
maneira. Os servos e os escravos da classe média também roubavam seus mestres e
passavam os bens para os vendedores locais. (Aliás, em Nova York havia
escravidão até 1827). O roubo da riqueza das confortáveis casas da cidade é
outra razão pela qual a burguesia exigia a ação contra vendedores ambulantes.
A rua também era o lugar onde os trabalhadores passavam seu
tempo livre, porque suas casas não eram confortáveis. Era o lugar onde se
desenvolvia a amizade e se podia encontrar diversão gratuita e, dependendo da
época e do lugar, podia fazer contato com a dissidência política ou religiosa.
O historiador marxista E. P. Thompson resumiu tudo isso quando escreveu que a
polícia do século XIX era:
“[…] Imparcial, tentando retirar das ruas com equanimidade
os traficantes de rua, mendigos, prostitutas, artistas de rua, piquetes,
crianças que jogavam futebol e oradores socialistas. O pretexto era muitas
vezes uma denúncia de interrupção do comércio recebida de um comerciante”.
Em ambos os lados do Atlântico, a maioria das detenções estava
relacionada a delitos sem vítimas, ou crimes contra a ordem pública. Outro
historiador marxista, Sidney Harring destaca: “A definição criminológica de
‘delitos de ordem pública’ é perigosamente próxima da descrição dada pelo
historiador das ‘atividades da classe trabalhadora em seu tempo livre’”.
A vida ao ar livre era (e é) especialmente importante para a
política da classe trabalhadora. Os políticos do sistema e os empresários podem
se reunir em locais e tomar decisões que têm grandes consequências porque estão
no comando de burocracias e forças de trabalho. Mas quando os trabalhadores se
reúnem e tomam decisões sobre como mudar as coisas, normalmente não têm muito
impacto a menos que possam reunir seguidores na rua, seja para uma greve ou uma
manifestação. A rua é o campo de provas para boa parte da política dos
trabalhadores, e a classe dominante sabe disso muito bem. Por isso eles colocam
a polícia na rua como um contrapeso quando a classe trabalhadora mostra sua
força.
Podemos ver agora a relação entre as duas principais formas de
atividade policial, as patrulhas de rotina e o controle de multidões. A
patrulha de rua acostuma a polícia a usar a violência e a ameaça de violência.
Isto os prepara para a repressão em grande escala, que é necessária quando os
trabalhadores e os oprimidos se levantam em grupos maiores. Não é apenas uma
questão de pegar prática com armas e táticas. O trabalho da patrulha de rua é
crucial para criar um estado de espírito na polícia que a faça assimilar que
sua violência é para um bem maior.
O trabalho de rua também permite aos oficiais descobrir quais
policiais ficam mais confortáveis em causar danos, atribuindo a estes as linhas
de frente quando há enfrentamentos. Ao mesmo tempo, o “bom policial” com o qual
nos cruzamos desempenha um papel fundamental de “relações públicas” para
encobrir o trabalho brutal que tem de ser feito pelos “maus policiais”. O
trabalho de rua também é útil em períodos de agitação política, porque a
polícia já esteve nos bairros tentando identificar os líderes e os radicais.
Vamos voltar agora na narrativa histórica para falar de
Nova York.
Começarei com um par de perguntas sobre as tradições das massas
antes da revolução. Durante o período colonial, podiam ocorrer, por vezes,
tumultos, mas muitas vezes se formalizavam de modo que a elite colonial poderia
aprovar ou pelo menos tolerar. Havia algumas festas que caíam na categoria de
“distúrbios”, onde as relações sociais se invertiam e os estratos baixos podiam
fazer como se estivessem acima. Para as classes subordinadas era uma maneira de
liberar a pressão, satirizando seus amos, mas ao mesmo tempo reconhecendo o
direito da elite de comandar em todos os outros dias do ano. Esta tradição de
desordem simbólica era especialmente perceptível em torno do Natal e nas
vésperas do Ano Novo. Mesmo os escravos eram autorizados a participar.
Havia também a comemoração do Dia do Papa, durante o qual os
membros da maioria protestante desfilavam com efígies, incluindo uma de Papa,
queimando todas elas ao final. Era uma pequena provocação sectária, sempre em
um bom ambiente, aprovada pelos patrícios da cidade. O Dia do Papa nunca acabou
em violência contra os católicos, porque eram apenas algumas centenas em Nova
York, e não havia nenhuma igreja católica antes da revolução.
Essas tradições eram muito barulhentos e até mesmo tumultuosas,
mas tendiam a reforçar a ligação entre as classes mais baixas e a elite, e não
a quebrar esse vínculo.
Esses estratos baixos também estão ligados à elite pela
supervisão pessoal constante. Isso afetava aos escravos e aos servos
domésticos, é claro, mas os aprendizes e artesãos assalariados também moravam
na própria casa do mestre. Por conseguinte, os grupos de subordinados não
andavam pela rua a qualquer hora. Na verdade, houve por um tempo um decreto
colonial que dizia que os trabalhadores só podiam estar nas ruas para ir e
voltar do trabalho.
Esta situação colocava os marinheiros e diaristas como elementos
mais conflitivos, sem vigilância. Mas os marinheiros passavam a maior parte do
tempo perto do porto e os diaristas, ou seja, os trabalhadores assalariados,
ainda não constituíam um grupo muito numeroso.
Nestas circunstâncias, em que a maioria das pessoas já estava
vigiada durante o dia, não era necessária uma força policial regular. Houve uma
vigilância noturna, a fim de combater o vandalismo, prendendo qualquer pessoa
negra que não pudesse provar que não era um escravo. Esta vigilância não era
profissional. Todos tinham o seu trabalho durante o dia, girando neste trabalho
temporariamente, por isso não patrulhavam de forma regular, e todo mundo odiava
essa tarefa. Os ricos pagavam substitutos e se livravam da tarefa.
Durante o dia exerciam-na um pequeno número de policiais, mas
não patrulhavam. Eram oficiais de justiça que executavam ordens judiciais, tais
como intimações e notificações de detenção. Eles não exerciam trabalho de
detetive. No século XVIII e no século XIX o sistema foi baseado em informantes
civis para os quais se prometia uma parte da multa que o infrator tivesse que
pagar.
O período revolucionário mudou muitas coisas com respeito ao
papel das massas e a relação entre as classes. Na década de 1760, juntamente
com a agitação contra a Lei do Selo, a elite de comerciantes e proprietários
apoiou novas formas de mobilização popular. Ocorreram novas manifestações e
motins poderosos que usaram as tradições, de forma evidente no uso de efígies.
Em vez de queimar o Papa, se queimava o governador ou o Rei George.
Não tenho tempo para entrar em detalhes sobre o que eles
fizeram, mas é importante ressaltar a composição classista dessas massas.
Podiam estar presentes membros da elite, mas seu corpo principal era composto
por trabalhadores qualificados, conhecidos coletivamente como mecânicos. O que
significa que um mestre poderia estar na manifestação juntamente com seus
assalariados e aprendizes. As pessoas de maior nível social tendiam a
contemplar o mestre artesão como o tenente capaz de mobilizar o resto dos
mecânicos.
À medida que o conflito com a Inglaterra se intensificava, os
mecânicos se radicalizavam e se organizavam de forma independente da elite
colonial. Houve atrito entre a mecânica e a elite, mas nunca se chegou a uma
ruptura completa.
E, naturalmente, quando os britânicos foram derrotados e as
elites estabeleceram seu próprio governo, já haviam ocorrido muitas agitações
de rua. Continuaram se dando rebeliões e distúrbios nos recém-independentes
Estados Unidos, mas foram tomando novas formas, em parte porque o desenvolvimento
econômico estava quebrando a própria unidade dos mecânicos.
Voltaremos agora àqueles desenvolvimentos que se seguiram à
revolução, alterações que produziram uma nova classe trabalhadora, saída de um
amontoado de elementos sociais conflitantes.
Começaremos com os trabalhadores qualificados. Mesmo antes da
revolução, a divisão entre mestres e assalariados tinham se agudizado. Para
entender isso, temos de olhar mais de perto a persistente influência do sistema
de guildas (corporações); formalmente as corporações não existiam nos Estados
Unidos, mas algumas das suas tradições seguiam vivas entre esses trabalhadores.
As velhas guildas eram essencialmente cartéis, sindicatos de
trabalhadores que tinham o monopólio em um ofício particular que lhes permitia
dirigir o mercado. Eles podiam estabelecer preços obrigatórios para os seus
bens e até mesmo decidir com antecedência o tamanho do mercado.
O mercado dirigido permitia certa estabilidade de relações entre
os trabalhadores do mesmo ramo. Um mestre adquiria um aprendiz como um servente
a prazo fixo, em troca da promessa a seus pais de ensinar-lhe um ofício e
proporcionar-lhe alojamento e alimentação por sete anos. Os aprendizes se
graduavam para ser oficiais assalariados, mas muitas vezes continuavam a
trabalhar para o mesmo mestre, uma vez que não houvesse espaço para que eles
pudessem se tornar mestres. Os assalariados recebiam seus salários
correspondentes com contratos de longo prazo. Isto significava que recebiam o
pagamento apesar das variações sazonais na carga de trabalho. Mesmo sem a
estrutura formal das corporações, muitas de suas relações habituais seguiam
funcionando ainda no período pré-revolucionário.
Entre 1750 e 1850, no entanto, esta estrutura corporativa nos
ofícios entrou em colapso, devido ao fato de que a relação externa (o controle
do mercado pelo artesão) também estava se quebrando. O comércio procedente de
outras cidades ou de ultramar minava a capacidade do mestre de estabelecer
preços, de tal modo que as oficinas tiveram que competir, de uma maneira que
hoje nos é muito familiar.
A concorrência levou os mestres a se parecerem cada vez mais com
os empresários, buscando inovações que economizassem trabalho e tratando a seus
trabalhadores como assalariados à sua disposição. As empresas se tornaram
maiores e mais impessoais, parecidas com as fábricas, com dezenas de
funcionários.
Nas primeiras décadas do século XIX os trabalhadores não só
estavam perdendo seus contratos de longo prazo, mas também seu alojamento nas
instalações dos mestres. Os aprendizes tomaram isso como uma experiência
libertadora, como jovens que escapavam da autoridade de seus pais e de seus
mestres. Livres para ir e vir como quisessem, podiam se encontrar com mulheres
jovens e criar a sua própria vida social com seus pares. As mulheres
trabalhadoras estavam empregadas principalmente no serviço doméstico de vários
tipos, a menos que fossem prostitutas.
A vida ao ar livre se transformava, à medida que estes jovens se
misturavam com outras camadas da população, incluindo a classe operária
crescente.
Esta mistura não era sempre pacífica. Imigração católica
irlandesa começou a se expandir depois de 1800. Até 1829, havia cerca de 25.000
católicos na cidade, um em cada oito pessoas. Os irlandeses estavam segregados
por bairros, muitas vezes vivendo junto dos negros, que eram agora 5% da
população. Em 1799 os protestantes queimaram uma imagem de St. Patrick, e os
irlandeses responderam. Estas batalhas se repetiram nos anos seguintes, e
estava claro para os irlandeses que os guardas e vigias eram contra eles.
Assim, antes mesmo da existência de forças policiais modernas,
os legisladores estavam levando a cabo uma discriminação racial. As elites
cidadãs notaram a falta de respeito dos irlandeses para com os guardas, a sua
franca combatividade, e responderam aumentando o número de guardas e orientando
melhor suas patrulhas. Isto foi acompanhado por um aumento da atenção da
polícia para com os africanos, que viviam nas mesmas zonas e muitas vezes
tiveram a mesma atitude em face das autoridades.
Mas na base das divisões raciais e sectárias estava a
concorrência econômica, já que os trabalhadores irlandeses eram geralmente
menos qualificados e ganhavam salários mais baixos do que os trabalhadores
técnicos. Ao mesmo tempo, os mestres estavam tentando desqualificar os
trabalhos nas oficinas. Desse modo, os aprendizes anglo-americanos passaram a
formar parte de um verdadeiro mercado de trabalho depois de perder seus
contratos de longo prazo. Quando isso aconteceu, eles descobriram que estavam
apenas uma etapa acima dos imigrantes irlandeses na escala salarial.
Os trabalhadores negros, que estavam envolvidos no serviço
doméstico ou trabalhavam como operários, por sua vez, estavam um ou dois níveis
abaixo dos irlandeses.
Ao mesmo tempo, a velha fração não qualificada de assalariados,
que trabalhava nas docas e na construção, crescia com o aumento do comércio e
da construção após a Revolução.
Em resumo, a população foi aumentando rapidamente. Nova York
tinha 60.000 habitantes em 1800, em 1820 havia dobrado de tamanho. Em 1830,
Nova York tinha mais de 200.000 habitantes, e 312.000 em 1840.
http://www.passapalavra.info/2015/09/105964
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