A Verdade entrevistou
Grover Furr, professor da Universidade de Montclair, no Estado de Nova Jersey,
EUA, e autor do livro Antistalinskaia Podlost (“A infâmia
antistalinista”), lançado recentemente em Moscou, na Rússia. Grover Furr é
ph.D. em literatura comparada (medieval) pela Universidade de Princeton, e,
desde 1970, ensina na Universidade de Montclair, sendo responsável pelos cursos
de Guerra do Vietnã e Literatura de Protesto Social, entre outros. Suas
principais áreas de pesquisa são o marxismo, a história da URSS e do movimento
comunista internacional e os movimentos políticos e sociais. Nesta entrevista,
o professor Grover fala de sua pesquisa e afirma que “60 de 61 acusações
que o primeiro-ministro Nikita Kruschev fez contra Stálin são
comprovadamente falsas”.
A Verdade – Recentemente, um grande
número de livros tem sido publicado atacando a pessoa e a obra de Josef Stálin.
Como o senhor explica a intensificação desse antistalinismo nos EUA e no mundo?
Grover Furr – Desde o fim
da década de 1920, Stálin tem sido o maior alvo do anticomunismo ideológico e
acadêmico. Leon Trótsky atacava Stálin para justificar sua própria incapacidade
de ganhar as massas trabalhadoras da União Soviética [URSS]. A verdadeira causa
da derrota de Trótsky é que sua interpretação do marxismo – um tipo de
determinismo econômico extremado – predizia que a revolução estava fadada ao
fracasso a não ser que fosse seguida por outras revoluções nos países
industrialmente avançados. Mas a liderança do Partido preferiu o plano de
Stálin para primeiro construir o socialismo em um só país. As ideias de Trótsky
tiveram (e ainda têm) uma grande influência sobre todos aqueles declaradamente
capitalistas e anticomunistas. Os historiadores trotskistas são muito bem
acolhidos pelos historiadores capitalistas. Pierre Broué e Vadim Rogovin, os
mais proeminentes historiadores trotskistas das últimas décadas, já foram
louvados e ainda são frequentemente citados por historiadores abertamente
reacionários. Muitos na liderança do Partido em 1930 combateram Stálin quando
este lutava por democracia interna no Partido e, especialmente, por eleições
democráticas para os sovietes. As grandes conspirações da década de 1930
revelaram a existência de uma ampla corrente de oposição às políticas
associadas a Stálin. Essas conspirações de fato existiam: os oposicionistas
realmente estavam tentando derrubar o partido soviético e assassinar a
liderança do governo, ou tomar o poder liderando uma revolta na retaguarda, em
colaboração com os alemães e os japoneses. Nikolai Ezhov, líder da NKVD (o
Comissariado do Povo para Assuntos Internos), tinha sua própria conspiração
direitista, incluindo colaboração com o Eixo. Visando aos seus próprios fins;
ele executou centenas de milhares de cidadãos soviéticos completamente
inocentes para minar a confiança e a lealdade ao governo soviético. Quando
Stálin morreu, Kruschev e muitos líderes do Partido viram que poderiam jogar a
culpa por essas grandes repressões em cima de Stálin. Eles também inventaram
muitas outras mentiras escancaradas sobre Stálin, Lavrentii Béria e pessoas
próximas aos dois. Quando, bem mais tarde (1985), [Mikhail] Gorbachev assumiu o
poder, ele também percebeu que as suas “reformas” capitalistas – o
distanciamento do socialismo em direção a relações capitalistas de mercado–
poderiam ser justificadas se sua campanha anticomunista fosse descrita como uma
tentativa de “corrigir os crimes de Stálin”. Essas mentiras e histórias de
horror permanecem como a principal forma de propaganda anticomunista, hoje, no
mundo. A tendência é que elas se intensifiquem, pois os capitalistas estão
diminuindo os salários e retirando benefícios sociais dos trabalhadores,
caminhando em direção a um exacerbado nacionalismo, ao racismo e à guerra.
A Verdade – O que o levou a se
interessar pela história da URSS?
Grover Furr – Quando
estava na faculdade, de 1965 a 1969, eu fazia protestos contra a guerra dos EUA
no Vietnã. Um dia, alguém me disse que os comunistas vietnamitas não poderiam
ser “caras legais” porque eram todos “stalinistas”, e “Stálin tinha matado
milhões de pessoas inocentes”. Isso ficou na minha cabeça. Foi provavelmente
por isso que, no início da década de 1970, li a primeira edição do livro O
grande terror, de Robert Conquest. Fiquei impressionado quando o li! Mas eu
já tinha um certo domínio do russo e podia ler neste idioma, pois já vinha
estudando literatura russa desde o ensino médio. Então examinei o livro de
Robert Conquest com muito cuidado. Aparentemente ninguém ainda havia feito
isso! Descobri, então. que Conquest fora desonesto no uso de suas fontes. Suas
notas de rodapé não davam suporte a nenhuma de suas conclusões “anti-Stálin”.
Ele basicamente fez uso de qualquer fonte que fosse hostil a Stálin,
independentemente de se era confiável ou não. Decidi, então, escrever alguma
coisa sobre o “grande terror”. Demorou um longo tempo, mas finalmente foi
publicado em 1988. Durante este tempo estudei as pesquisas que estavam sendo
feitas por novos historiadores da URSS, entre os quais Arch Getty, Robert Thurston
e vários outros.
A Verdade – Seu livro Antistalinskaia
Podlost (“A infâmia anti-stalinista”) foi recentemente publicado em
Moscou. Conte um pouco sobre ele.
Grover Furr – Há
aproximadamente uma década fiquei sabendo da grande quantidade de documentos
que estavam sendo revelados dos antigos arquivos secretos soviéticos, e comecei
a estudá-los. Li em algum lugar que uma ou duas das declarações de Kruschev em
sua famosa “fala secreta”, de 1956, foram identificadas como falsas do início
ao fim. Daí, pensei que poderia fazer algumas pesquisas e escrever um artigo
apontando alguns outros erros de seu pronunciamento da “sessão secreta”. Nunca
esperei descobrir que tudo o que Kruschev disse – 60 de 61 acusações que ele
fez contra Stálin e Béria – eram comprovadamente falsas (não pude encontrar
nada que comprovasse a 61ª)! Percebi que este fato mudava tudo, uma vez que
praticamente toda a “história” anticomunista desde 1956 se baseia ou em
Kruschev ou em escritores de sua época. Verifiquei que a história soviética do
período de Stálin que todos aprendemos era completamente falsa. Não apenas “um
erro aqui e outro ali”, mas fundamentalmente uma fraude gigantesca, a maior
fraude histórica do século! E meus agradecimentos ao colega de Moscou Vladimir
L. Bobrov, que foi o primeiro a me mostrar esses documentos, me deu
inestimáveis conselhos, várias vezes, e fez um excelente trabalho de tradução
de todo o livro. Sem o dedicado trabalho de Vladimir, nada disso teria
acontecido.
A Verdade – Em suas pesquisas o
senhor teve acesso direto a arquivos soviéticos abertos recentemente. O
que esses documentos revelam sobre os “milhões de mortos” sob o socialismo,
especificamente no período de Stálin?
Grover Furr –
Considerando que pessoas morrem a todo instante, eu suponho que você esteja
falando de mortes “excedentes”. A Rússia e a Ucrânia sempre experimentaram
fomes a cada três, quatro anos. A fome de 1932-33 ocorreu durante a
coletivização. Sem dúvida, que um número maior de pessoas morreu do que teria
morrido naturalmente. No entanto, muito mais pessoas iriam morrer em sucessivas
fomes – a cada três, quatro anos, indefinidamente, no futuro – se não fosse
feita a coletivização. A coletivização significou que a fome de 1932-33 foi a
última, com exceção da grave fome de 1946-1947, que foi muito pior, mas isso
devido à guerra. E, como mencionei anteriormente, Nikolai Ezhov deliberadamente
matou milhares de pessoas inocentes. É interessante considerar o que poderia
ter sucedido se a URSS não houvesse coletivizado a agricultura e não tivesse
acelerado seu programa de industrialização, e se as conspirações da oposição
nos anos 1930 não tivessem sido esmagadas. Se a URSS não tivesse feito a
coletivização, os nazistas e os japoneses a teriam conquistado. Se o governo de
Stálin não houvesse contido as conspirações direitistas, trotskistas,
nacionalistas e militares, os japoneses e os alemães teriam conquistado o país.
Em qualquer um desses casos, as vítimas entre os cidadãos soviéticos teriam
sido muito, muito mais numerosas do que os 28 milhões mortos na guerra. Os
nazistas teriam matado muito mais eslavos ou judeus do que mataram.
Com os recursos, e talvez até mesmo com os exércitos da URSS do seu lado, os
nazistas teriam sido muito, muito mais fortes contra a Inglaterra, a França e
os EUA. Com os recursos soviéticos e o petróleo de Sakhalin, os japoneses
teriam matado muito, muito mais americanos do que fizeram. O fato é que a URSS
sob Stálin salvou o mundo do fascismo não apenas uma vez, durante a guerra, mas
três vezes: pela coletivização; pelo desbaratamento das oposições
direitista-trotskista-militares e também na guerra. Quantos milhões isso dá?
A Verdade – Alguns autores vêm
tentando encontrar semelhanças entre Stálin e Hitler, e alguns até chegam a
afirmar que o suposto “stalinismo” foi “pior” que o nazismo. Existia realmente
alguma ligação entre Stálin e Hitler?
Grover Furr – Os
anticomunistas e os pró-capitalistas não discutem a luta de classes e a
exploração. De fato, eles ou fingem que essas coisas não existem ou que não são
importantes. Mas a luta de classes causada pela exploração é o motor da
história. Então omitir isso significa falsificar a história. Hitler era um
capitalista, um anticomunista autoritário de um tipo que é comum em vários
países capitalistas. Stálin liderou o Partido Bolchevique e a URSS quando os
comunistas em todo o mundo estavam lutando contra todo tipo de exploração
capitalista. Sempre que dizemos “pior”, devemos sempre nos perguntar: “Pior
para quem?” A URSS e o movimento comunista durante o período de Stálin foram
definitivamente “piores que o nazismo”, para os capitalistas. Essa é a razão de
os capitalistas odiarem tanto Stálin e o comunismo. O movimento comunista
durante o período de Lênin e Stálin, e ainda por um bom tempo depois, foi a
maior força de libertação humana da história. E novamente devemos nos
perguntar: “Libertação de quem? Libertação do quê?” A resposta é: libertação da
classe trabalhadora de todo o mundo, da exploração capitalista, da miséria e
das guerras.
A Verdade – Um dos ataques mais
frequentes a Stálin é que ele seria responsável pela fome na Ucrânia, em
1932-1933, também chamada de Holodomor. Esta versão da história corresponde ao
que realmente ocorreu?
Grover Furr – O
“Holodomor” é um mito. Nunca aconteceu. Esse mito foi inventado por ucranianos
nacionalistas pró-fascistas, junto com os nazistas. Douglas Tottle comprovou
isso em seu livro Fraud, Famine and Fascism(1988). Arch Getty, um
dos melhores historiadores burgueses (isso é, não marxistas, não comunistas),
também tem um bom artigo sobre isso. Até o próprio Robert Conquest deixou de
defender sua antiga versão de que os soviéticos deliberadamente causaram a fome
na Ucrânia. Nenhuma sombra de prova que poderia confirmar essa visão jamais
veio à luz. O mito do “Holodomor” persiste porque ele é o “mito fundacional” do
nacionalismo direitista ucraniano. Os nacionalistas ucranianos que invadiram a
URSS juntamente com os nazistas mataram milhões de pessoas, incluindo muitos
ucranianos. Sua única “desculpa” é propagandear a mentira de que eles “lutaram
pela liberdade” contra os comunistas soviéticos, que eram “piores”.
A Verdade – Deixe uma mensagem para
os trabalhadores brasileiros.
Grover Furr – Lutem pelo comunismo! Todo o
poder à classe trabalhadora de todo o mundo!
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