segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

AMERICANOS SEM AGUA PRA BEBER E SEM PRIVADA PARA CAGAR



Bancos americanos correm o risco de perder milhões de dólares no repagamento de dívidas, caso a Justiça permita o prosseguimento da maior falência municipal da história dos Estados Unidos.




Mas as verdadeiras vítimas do colapso financeiro no condado mais populoso do Estado do Alabama (sul) são os moradores mais pobres da região - pessoas forçadas a tomar banho com água de garrafa e a usar banheiros portáteis após terem sido alijadas do suprimento de água encanada pela escalada de preços desse serviços.




E há um sentimento generalizado de raiva no condado Jefferson de que a situação da rede de esgoto local poderia ter sido evitada se não fosse pela ganância, corrupção e incompetência de políticos locais, autoridades governamentais e financistas de Wall Street.




Tammy Lucas é a face humana do escândalo financeiro-político que fez com que uma das mais pobres comunidades americanas ficasse à beira de um colapso.




"Se a conta do esgoto aumentar, terei minha luz cortada. Se eu tentar pagar a luz, posso ter a água cortada. Então estamos presos nisso. Não conseguiremos seguir adiante desta forma", diz ela.




A conta de saneamento de Lucas - o montante arrecadado pelo governo para recolher seus dejetos e prover água encanada - quadruplicou nos últimos 15 anos. Ela diz estar gastando atualmente US$ 150 (R$ 276) por mês com esgoto. Assim, sobra pouco dinheiro para comida e eletricidade do total de US$ 600 que ela recebe da Previdência Social.
"Ultrajante"

Seu vizinho em um dos bairros mais pobres de Birmingham (a maior cidade do condado Jefferson) é um homem com quatro filhos que pediu para permanecer anônimo. Ele disse que já fez a sua escolha sobre como gastar seu dinheiro.




Morador de uma modesta casa alugada, ele é um dos muitos cidadãos locais que optaram por comprar um banheiro químico portátil, limpado por uma empresa especializada. Também compra água de um posto de gasolina local. E diz que sai mais vantajoso pagar por tudo isso do que pagar as contas mensais de água e saneamento, que podem chegar a US$ 300.




"A maioria das pessoas aqui depende de pensões", relata o homem. "Não podemos pagar essa quantidade de dinheiro em esgoto. É ultrajante, é alto demais. Se pago o saneamento, não sobra para comida. E daí o que vou comer?"




Taxas de saneamento e água variam muito nos EUA, mas têm subido mais rapidamente do que a inflação à medida em que as cidades são forçadas pelo governo federal a reformar suas velhas redes de esgoto.




As duas taxas foram combinadas em uma única conta no condado Jefferson, com um aumento de 329% nos últimos 15 anos, fazendo dela uma das mais altas do país - num momento em que o condado luta para pagar uma montanha de dívidas deixadas pelo novo sistema de esgoto.
Escândalo de corrupção

O sistema, em construção desde 1996, foi orçado inicialmente em cerca de US$ 300 milhões. Mas seu custo subiu para US$ 3,1 bilhões por conta do surgimento de problemas de infraestrutura e da emissão de papéis financeiros que se deterioraram com a crise de 2008.




O banco de investimentos JP Morgan Securities e dois de seus ex-diretores foram multados sob a acusação de oferecer propinas a funcionários e políticos de Jefferson para ganhar o contrato de financiamento da rede de esgoto.




Seis pessoas foram condenadas por terem aceitado as propinas, juntamente com outras 15 autoridades.




Novos responsáveis pelo projeto herdaram a dívida de seus antecessores e tomaram a decisão de entrar com pedido de concordata no mês passado.




Mas os proprietários dos títulos acionários do condado correm o risco de perder US$ 4,5 milhões mensais em pagamentos caso o pedido de concordata seja acatado. Eles contestam o pedido na Justiça, que ainda não tomou a decisão final.




Ao mesmo tempo, a taxa de saneamento corre o risco de sofrer novos reajustes no condado pelos próximos anos.
Limite

Sheila Tyson, uma líder comunitária em um empobrecido distrito de Birmingham, disse que a população local está chegando ao seu limite.




"Se deixarem isso (aumentos de taxas) acontecer, teremos os maiores protestos que essa região já viu", diz ela, agregando que as taxas de saneamento em geral aferam mais a população mais pobre. Ainda assim, essas pessoas têm vergonha de admitir que estão vivendo em situações tão anti-higiênicas.




Para dificultar ainda mais, o condado Jefferson enfrentará cortes orçamentários de US$ 40 milhões no ano que vem, já que um de seus impostos locais foi considerado ilegal.




Mais de 500 funcionários estatais foram demitidos e dependem agora de seguro-desemprego.




Tony Petelos, um dos gerentes designados para lidar com os problemas financeiros do condado, admite que levará anos até que a situação se normalize.




"O público perdeu confiança no condado ao longo da última década e meia por culpa da má administração, da corrupção. Temos que reconstruir essa confiança", diz ele.




Ao mesmo tempo, porém, Petelos tem poucas garantias a oferecer aos cidadãos que lutam contra altas contas de água e saneamento.




O desfecho do caso está nas mãos de uma corte de falências, diz ele. E, mesmo que o condado retome o controle sobre o valor das cobranças, não há planos de reduzir as taxas.




"Se você olha para o tamanho da dívida e daí olha para a receita vinda do pagamento das taxas, (verá que) não há como reduzir (o preço)", alega Petelos.




Quando ele foi prefeito de Hoover, cidade vizinha a Birmingham, Petelos disse que recebeu uma proposta de um banco de Wall Street, oferecendo a criação do mesmo tipo de títulos de dívida que acabaram deixando o condado Jefferson de joelhos.




Na época, após ler a oferta do banco, ele diz que perguntou ao diretor financeiro de Hoover: "Você entendeu (a proposta)?"




"Ele respondeu que não, então falei: melhor não comprarmos (a proposta)", prossegue Petelos.




Se as autoridades do condado Jefferson tivessem tomado a mesma decisão, talvez alguns de seus residentes mais pobres não estivessem agora correndo o risco de viver sem saneamento básico e água corrente.

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