quinta-feira, 27 de setembro de 2012
A comida no Cassino Global
A comida colocada no cassino global serve bem aos especuladores e ao agronegócio, mas não serve às pessoas. Nós precisamos tirar a comida das mesas de jogos e colocar no prato das pessoas. Felizmente, o interesse crescente sobre a especulação de alimentos tem forçado alguns bancos a frear os investimentos nessas commodities. A análise é da física e ativista indiana Vandana Shiva.
Vandana Shiva*via Carta Maior
Comida é nossa nutrição. Recurso de vida. Desenvolvimento, processamento, transformação e distribuição alimentar envolvem 70% da humanidade. Comê-la envolve todos nós. Ainda não é a cultura ou os direitos humanos que estão moldando a atual economia alimentar dominante. A especulação e lucros é que têm este papel no desenho da produção alimentar e sua distribuição. Colocar a comida num cassino financeiro global é um projeto para a fome.
Depois da crise americana do subprime e a quebra de Wall Street, investidores fugiram para o mercado de commodities, especialmente petróleo e commodities agrícolas. Enquanto a produção real não aumentou entre 2005-2007, a especulação em commodities cresceu 160%. Especulação esta que aumentou preços, que por sua vez somaram mais 100 milhões de pessoas ao grupo da fome. Barclays, Goldman Sachs, JP Morgan - estão todos apostando suas fichas no cassino global dos alimentos. Veja uma propagando de 2008 do banco estatal alemão: “Você gosta de aumento nos preços? Todo mundo fala sobre commodities – com o Fundo Europeu de Agricultura você pode ter benefícios do aumento no valor das sete mais importantes commodities agrícolas”. Quando a especulação dirige os preços, os investidores ricos só fazem enriquecer ainda mais, e os pobres passam fome. A desregulamentação financeira que desestabiliza o sistema financeiro mundial está também desestabilizando o sistema mundial alimentar. O aumento de preço não é só um resultado de oferta e demanda. É predominantemente um resultado da especulação.
Entre 2003 e 2008, a especulação do índice de commodity cresceu cerca de 1.900%, valores estimados, para 260 bilhões. Trinta por cento deste índice de fundos foram investidos em commodities de alimento. Como a Agribusiness Accountability Initiative afirma, “vivemos num admirável mundo novo de 24 horas de transações eletrônicas, disparada por algorítimos de índices compostos de preços, acessos de investidores, ‘desconfiança’ e ‘dark pool’ (atividade financeira além da feitas em bolsas de valores) desregulamentado de mais de 7 trilhões na baila das transações de derivativos de commodities”.
E mais: "O mundo financeiro da commodity não tem nenhuma relação com comida, seus provedores ou aqueles que se alimentam, com as estações, semeaduras ou colheitas. Diversidade alimentar é reduzida a oito commodities e entra no pacote do índice de composição de preço”.
Estações são trocadas por transações 24 horas. Produção alimentar desenvolvida pela luz do sol e fotossíntese agora são dirigidas pelos “dark pools” de investimentos. A tragédia é que este mundo ilusório é culpada pela fome de pessoas reais no mundo real. No livro “Bolha Alimentar: como Wall Street deixou milhões de famintos e saiu ilesa”, Fredirick Kaufman diz “a história da alimentação sofreu uma reviravolta ameaçadora em 1991, no tempo em que não se prestava muito atenção nisto. Foi o mesmo ano em que o Goldman Sachs decidiu que nosso pão seria um excelente investimento”. E a entrada de investidores como Goldman Sachs, AIG Commodity Índex, Bear Sterns, Oppenheiner e Pimco, e Barclays permitiram que o agronegócio aumentasse seus lucros. No primeiro quarto de 2008, a Cargill atribuiu 86% de crescimento de seus lucro ao comércio de commodity. ConAgra vendeu seu setor comercial para um fundo de hedge por 2,8 bilhões de dólares.
Apostar fichas no preço do lucrativo trigo afastou o grão de 250 milhões de pessoas. A especulação tem separado o preço de comida de seu valor de comida. Como contou Austin Da-mani, um corretor de trigo, “estamos comercializando trigo, mas nunca veremos este trigo. É uma experiência cerebral”.
O alimento é uma experiência ecológica, sensorial e biológica, com a especulação isto foi removido da sua própria realidade. Mercado de grãos tem se transformado, com o comércio de futuros pelas gigantes do grão em Chicago, Cidade de Kansas e Minneapolis combinados com a especulação por investidores.
Como diz sr. Kaufman, “trigo imaginário comprado em nenhum lugar afeta o trigo real comprado em qualquer lugar”. Então se nós não ‘descommotizarmos’ a comida, o alimento, mais e mais pessoas serão impedidas de comer; com a grande quantia de dinheiro que é injetado neste casino global, os processos artificiais da especulação aumentam o preço da comida, e acabam por consequência colocando a comida fora de alcance de milhões.
As regras da OMC, os programas estruturais do Banco Mundial, o FMI e o acordo bilateral de comércio forçaram a integração das economias locais e nacionais de alimentos ao mercado global. Por este motivo, agora o sistema financeiro global está especulando sobre as commodities de alimentos, influenciando preços e o direito de a pessoa mais pobre ter acesso à comida no canto mais remoto do mundo.
O crescimento dos preços sobre alimentos começou a reaparecer em 2011. De acordo com a Organização Mundial das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, a FAO, em janeiro de 2011 o índice de preço de alimentos subiu 3,4% sobre dezembro do ano anterior. O índice dos cereais marcou 3% acima do mesmo dezembro, e foi o maior índice desde julho de 2008, embora tenha continuado 11% abaixo do pico de abril de 2008.
Na Índia, o preço da cebola pulou de 11 rúpias/kg em junho de 2010, para 75/kg em janeiro de 2011. Enquanto a produção de cebola subiu de 4,8 milhões de toneladas em 2001-2002 para 12 milhões em 2009-2010, os preços também acompanharam o acréscimo, mostrando que na especulação do mercado não existe correlação entre produção e preços. A diferença de preço entre venda total e a retenção é de 135%.
A comida colocada no cassino global serve bem aos especuladores e ao agronegócio, mas não serve às pessoas. Nós precisamos tirar a comida do cassino global e colocar no prato das pessoas. Democracia e soberania alimentar só podem ser alcançadas se terminarmos com a especulação financeira.
Josette Sheeran, diretor executivo do Programa Mundial de Alimentação, indicou que uma das causas da revolução egípcia é o aumento no preço dos alimentos. "Em muitos protestos, manifestantes brandiam pão ou exibiam faixas que reclamavam do aumento no preço de alimentos básicos como a lentilha. Quando se trata de comida, as margens entre estabilidade e caos são extremamente próximas. A volatilidade no mercado pode traduzir bem a volatilidade nas ruas, e todos devemos nos manter vigilantes".
O interesse crescente sobre a especulação de alimentos tem forçado alguns bancos a frear os investimentos em commodities do setor. O Banco Comercial (Commerzbank) da Alemanha e o Banco Popular (Volksbanken) da Áustria removeram, ambos, produtos agrícolas de suas listas de operações financeiras. O Banco Alemão fez o mesmo antes. É tempo de todos os governos e todas as instituições financeiras colocarem o direito a comida acima da fome por lucros.
*Publicado originalmente em The AsianAge
Tradução de Caio Sarack de Mello
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