quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Breves considerações sobre IR, distribuição de renda e grandes fortunas no Brasil


A desconcentração de renda dos últimos anos foi, segundo dados revelados recentemente, menor do que se supunha. Fica claro que mexer na distribuição de renda exige ir além das políticas compensatórias. Há que se tocar no centro nevrálgico das decisões econômicas.
Confesso uma certa surpresa. Eu concebia, teoricamente, que os dados de distribuição de renda disponíveis no Brasil introduziam um viés. Baseados numa pesquisa domiciliar e declaratória – a Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD), eles traziam a seguinte distorção, não fundamentada em precisos dados estatísticos, mas na mera intuição lapidada pela experiência: os mais ricos não atendem os pesquisadores e quando atendem subestimam a renda declarada. Então, a pesquisa concluía que a desconcentração, limitada embora, da renda ocorrida no Brasil no período Lula e parte de Dilma e capturada pela PNAD era, na verdade, ainda menor, porque não alcançava o que havia ocorrido de fato nas camadas mais superiores do espectro da renda familiar ou pessoal.
Entretanto, jamais imaginei o grau em que isso ocorria. Recentes dados divulgados em matérias do Valor Econômico, a partir de informações fornecidas por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que tiveram acesso aos dados da Receita Federal, indicam que o processo de melhoria dos de baixo não se deu às custas dos de cima, ao menos quanto aos efeitos distributivos do imposto de renda.
Na verdade os “super-ricos” (como denominam os pesquisadores os que ganham mais de 160 SMs, R$ 162 mil/mês) só têm visto sua situação melhorar. O gráfico 1 mostra que enquanto o PIB cresceu 19% entre 2007 e 2013, a renda dos “super ricos”(0,3 % dos declarantes) subiu 39 %.
E, na mesma direção das pesquisas de Piketty, que observara os resultados para os Estados Unidos e Europa, o crescimento ainda maior da riqueza que da renda, o patrimônio dessa turma de poucos brasileiros cresceu ainda mais: 56 %.
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O Brasil não escapou dos ventos do capitalismo internacional que vem assistindo desde a virada dos 1980 a um intenso processo de concentração nos extremos superiores de renda e riqueza. O Brasil não escapou, afinal, da mesma sina, como se nadasse contra a correnteza mas fosse afinal arrastado por ela.
O nado – o Bolsa Família, que distribuiu renda para os de baixo, os aumentos reais do salário mínimo, as políticas educacionais e de saúde – foi vigoroso, mas insuficiente diante da correnteza promovida pela predominância da lógica e estrutura da Finança e da política econômica que a ela se interliga – a política macro de juros altos e câmbio apreciado e a política fiscal que manteve a iniquidade tributária que vai além da regressividade do IRPF, mas abrange a carga tributária como um todo (gráfico 3).
Na verdade, o Brasil  pratica uma iniquidade tributária absurda. Para dar um exemplo, na Austrália, o cidadão que receba lá o equivalente a 10 salários mínimos (daqui) pagaria lá 19 % de seus rendimentos em imposto de renda. Aquele que recebe 60 SMs (daqui) pagaria 57 %.
No Brasil, o contribuinte que mais paga, situado na faixa entre 20 e 40 SMs é  tributado em menos de 12 % de seus rendimentos. Esse é o ponto máximo de contribuição, decrescendo daí por diante (gráfico 2). E os “super ricos”, os que estão entre os 0,3 % dos declarantes, atingem a marca de 6,5% apenas.
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Esses dados, só agora autorizados pela Receita Federal ainda precários e parciais, evidenciam a necessidade de mudanças profundas na forma de tratamento da questão tributária no Brasil para que a questão distributiva ganhe fôlego maior. Os “happy fews” continuam, para persistir na analogia aquática, a nadar de braçada.
Fica claro que mexer na distribuição de renda exige ir além das políticas compensatórias. Há que se tocar no centro nevrálgico das decisões econômicas. Esse processo de concentração de renda à medida do desenvolvimento capitalista rebate a velha lei que lá nos idos do século 19 Marx anunciou como um processo de concentração e centralização do capital inerente a esse sistema.
Os dados até agora dados a público pelo jornal Valor Econômico, que servidores públicos do IPEA vazaram, inclusive sob a forma de artigo, antes de publicá-los, como creio que deveriam tê-lo feito institucionalmente, em sua inteireza analítica e factual, não nos permitem avançar ainda mais nessa seara que, ademais, requer entrar em complicada discussão teórica, exposta, por exemplo, na crítica que Varoufakis (2014) faz a Piketty (2014) sobre a confusão entre os conceitos de riqueza e capital, dentre outras.
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É inadmissível, política, social e economicamente, que essa discussão não tenha ganhado intensidade até agora. Esforços realizados no IPEA no passado ficaram restritos até agora a relativamente poucos trabalhos e quase nenhum debate público. E a discussão permaneceu muito restrita.
Ela não conquistou ainda os corações e mentes, já não diria da mídia, uma vez que seus proprietários pertencem aos “happy few”, e pouco interesse teriam, assim como os que, em última instância, lhe fazem ser a(s) voz(es) do dono, mas nem mesmo no PT e no governo federal. E tampouco no meio acadêmico isso tem sido tratado com a devida atenção. Ela está ausente, por exemplo, de qualquer discussão sobre o ajuste fiscal, inclusive na versão Renan vinda agora a público.
A importância do tema é central para as discussões sobre o futuro do país e da correção da injustiça que acorrenta a iniquidade histórica da separação social ao futuro. O lastros desse passado sobrevivem nas entranhas da sociedade, na diferenciação social e na discriminação econômica ainda hoje observados, herdados do sistema escravocrata e sua divisão entre escravos, homens livres/agregados e senhores.
Os “anos dourados” vividos nos Estados Unidos e na Europa mostraram que a possibilidade de juntar crescimento com redução da desigualdade existe. Houve viabilidade histórica. Esse potencial tem se esvaído nos anos posteriores ao reaganismo/tatcherismo, lá pelos idos dos 80 e acentuou-se após a crise de 2008. Sua reversão depende da capacidade política e social em gerar ações contrarrestantes, o que não tem sido fácil.
Mas, enfim, é a luta!
Referências bibliográficas:
Piketty, T. (2014). Capital in the Twenty-First Century, Cambridge, MA: Belknap Press.
Varoufakis, Y. (2014) Egalitarianism’s latest foe: a critical review of Thomas Piketty’s Capital in the Twenty-Frist Century, In Real World Economic Review, 69,oct.2014.
IPEA (2009). Receita pública: quem gasta e como se paga no Brasil. Comunicado 22. IPEA.Brasília.
* Carlos Eduardo Fernandez da Silveira é Doutor em Economia pelo IE-UNICAMP
https://luizmullerpt.wordpress.com/2015/08/26/breves-consideracoes-sobre-ir-distribuicao-de-renda-e-grandes-fortunas-no-brasil/

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

"Porquê não mataram todos em 1964"


Sou limitado, limitadíssimo. Não consigo entender determinadas coisas, nem com reza braba. Quer ver uma coisa que não entendo? Por que é proibido fazer a apologia do nazismo, mas é permitido fazer a apologia da ditadura militar, do extermínio por razões ideológicas etc.? Ah, já sei: Médici foi bem mais bonzinho do que Hitler. Que burro eu!
Bem, eu poderia me alongar nesse assunto, mas o meu texto não teria nem um pingo do brilhantismo do artigo publicado pelo grande Mário Magalhães em seu blog ("O silêncio cúmplice aceita a barbárie").
Mário esgotou o assunto. Sobrou-me a questão linguística, que, no caso, diz respeito à penúria gramatical da frase que se lê num cartaz que uma nobre senhora brandia no domingo para expor a sua também nobre visão de mundo: "Porquê não mataram todos em 1964". Sim, assim mesmo.
Posto isso, vou tentar ajudar essas etéreas almas a redigir cartazes que, ainda que indignos da nossa semelhança a Deus, sejam linguisticamente "limpos", ao menos no que diz respeito a "por que", "por quê", "porque" e "porquê".
Comecemos pela forma (mal) empregada por essa candidata ao Nobel da Paz, que, salvo engano, queria ter escrito uma frase interrogativa direta. Nesse tipo de construção, não se emprega "porquê"; emprega-se "por que", sem acento, a menos que haja uma interrupção depois do "que": "Por que Deus põe no mundo gente de alma tão ignóbil?"; "Você não vai? Por quê?".
Também se emprega "por que" em perguntas indiretas, como se vê em "Não sei por que essa gente é tão limitada" ou "Ninguém sabe por quê". Note, por favor, que no segundo exemplo o "que" foi acentuado.
No caso da sentença perpetrada pela discípula direta da Madre Teresa de Calcutá, a forma adequada seria "por que". E como deveria terminar o sublime pensamento? Com ponto de interrogação? Ou sem ele?
Depende. Quando se escreve, por exemplo, "Por que essa gente diz barbaridades?", pergunta-se por que essa gente diz barbaridades; quando se escreve "Por que essa gente diz barbaridades", anuncia-se que se vai explicar a razão pela qual essa gente diz barbaridades.
O que (suponho) a nobre senhora queria dizer se escreve assim no português formal: "Por que não mataram todos em 1964?" (que Deus me abra as portas do céu por eu reproduzir pensamento tão celestial!).
Anote uma dica simples: independentemente da presença ou da ausência do ponto de interrogação, ou seja, independentemente de a pergunta ser direta ou indireta, escreve-se "por que"/"por quê" e pode-se substituir esse "por que"/"por quê" por "por qual razão", "por qual motivo" ou, em certos casos, por "a razão/o motivo pela/o qual": "Por que Emoticon smile 'Por qual razão') essa gente é tão ignóbil?"; "Não sei por que
Emoticon smile 'por qual razão') essa gente é tão ignóbil"; "Por que ('A razão pela qual') não fui a Washington".
Para quem sabe inglês, uma boa dica é ver se entra "why" ou "because". Se entra "why", entra "por que"; se entra "because", entra "porque".
"Porque" é uma conjunção causal ou explicativa, a qual, como já se pode deduzir, introduz a explicação, a causa do que se afirma ou sugere: "Não durma, porque ainda temos muito a fazer"; "Diz barbaridades porque a sua alma é pequena".
E "porquê", a forma empregada pela nossa filha de Maria? É substantivo, sinônimo de "motivo", "causa": "Não entendo o porquê disso".
Como dizia o grande Fernando Pessoa, "tudo vale a pena, se a alma não é pequena". E eu digo: "Senhor, tende piedade de nós". É isso.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

MEMÓRIAS DE UM ALIENADO

por André Lux, jornalista


Eu também fui papagaio da direita

Quem visita meu blog e lê meus textos com certeza deve pensar que sou socialista desde
o meu nascimento e fui criado por pais radicais de esquerda, que fizeram treinamento de
guerrilha em Cuba e lutaram contra a ditadura militar...

Nada mais longe da verdade. Muito pelo contrário.

Nasci em uma típica família de classe média baixa, mas que sonhava pertencer à elite
mundial.
Daí que, durante toda minha infância e juventude, morei em casas (alugadas) em bairros
semi-nobres a preços absurdos, enquanto era transportado numa Brasília amarela e via
meus pais desesperados tentando cobrir o rombo no cheque especial todo santo mês.

Mas, como que para provar nossa posição entre a elite, éramos sócios do segundo clube
no nível hierárquico sócio-econômico da cidade, o Tênis Clube de Campinas. Sim, porque
o número 1 na escala social era a Sociedade Hípica, cuja maioria dos sócios podres de ri-
cos também frequentava o Tênis,embora o contrário não acontecesse (exceto quando éra-
mos convidados para algum casamento realizado no gigantesco salão de festas daquele 
clube - não por acaso adaptado em uma Casa Grande de algum antigo barão do café).

Sempre fui cercado por parentes e amigos que, mesmo sendo honestos e trabalhadores, 
não tinham a visão crítica necessária para compreender como as coisas funcionavam. 
Meus familiares limitavam-se a repetir o que ouviam, liam e viam na mídia, especialmente
na rede Globo, nas revistonas e nos jornalões (que apoiaram o golpe militar, embora hoje
finjam que não). 

Assim, tinham medo de comunistas, pois diziam que comiam criancinhas e dividiam a casa
das pessoas ao meio (o fato de não termos imóvel próprio não parecia contradizer esse re-
ceio),achavam que Che Guevara era um “baderneiro profissional” (ser pago para fazer ba-
derna, isso é que é profissão!), acreditavam que o Brasil tinha tantos problemas “porque 
pobre não gosta de trabalhar” (usar o salário mensal só para pagar contas e cobrir o rombo
no cheque especial, imaginavam, não era coisa de pobre) e por aí vai.

Nem preciso dizer que, obvia-
mente,eu também repetia tudo isso e acreditava no que estava falando, mesmo sem ter
o menor embasamento teórico ou prático para tanto. 

Minha vida escolar foi uma piada. Estudei em colégio particular (de freiras!) do maternal
ao ensino médio. 

Para se ter uma ideia do desastre que isso significa (com raras e nobre exceções entre 
meus professores), nasci em 1971 e cheguei até o final da minha fase educacional básica
sem nem saber que vivíamos sob um regime ditatorial ilegal e imoral.

Enquanto eu brincava no clube despreocupado, assistia à televisão ou passava a manhã 
inteira decorando datas e fórmulas matemáticas de maneira acrítica e alienante,centenas
de brasileiros e vizinhos de continente eram torturados e mortos simplesmente por se 
opor àqueles regimes ditatoriais apoiados e financiados pelos EUA. No máximo, eu ouvia
algo como “Bem feito pra esses ba-derneiros, quem mandou serem do contra?” quando
alguém tocava no assunto.

Se vocês acham que estou mentindo, relaciono abaixo fatos que marcaram essa fase la-
mentável da minha existência:

1) Vi o filme “Comando para Matar”, aquele em que o Arnoldão detona sozinho um exér-
cito inteiro de cucarachas sul americanos, nada menos do que seis vezes nos cinemas 
(e contava para todo mundo orgulhoso!);

2) Iniciava comentários com as frases “Eu vi na Veja” ou “Assisti na Globo”;

3) Ridicularizava quem dizia que existia racismo no Brasil, mesmo não tendo nenhum 
amigo ou conhecido negro, exceto a empregada que a gente desprezava, e repetindo 
“piadas” do tipo “sabe qual a diferença entre um negro e uma latinha de (censurado)?”;

4) Sentia prazer em irritar petistas, repetindo jargões que são usados até hoje (“Lula é
vagabundo, ex-presidiário, arrancou o dedo para não precisar mais trabalhar”, “Sindi-
calista só sabe fazer baderna”, “Petista é tudo igual", "Se gosta tanto de Cuba, por que
não vai pra lá plantar cana??”). Isso mesmo sem conhecer absolutamente nada de polí-
tica, sociologia ou história;

5) Acreditava que o Stallone, o Arnoldão e o Chuck Norris lutavam pela liberdade, pela
democracia e pela justiça para nos salvar dos vilões comunistas (eu tinha até pôster de-
les no meu quarto) e que os Bandeirantes foram corajosos desbravadores dos sertões 
brasileiros;

6) Vivia falando mal do Brasil e do “povo” brasileiro (do qual eu não fazia parte, é claro,
afinal meus bisavôs eram europeus) e começava a concluir esse tipo de argumentação 
com a frase “Ah, mas lá nos Estados Unidos...”;

7) Passava a tarde inteira e
o domingo inteiro na frente da TV, assistindo qualquer porcaria, e só ia dormir depois 
de ver o Fantástico, sempre deprimido por lembrar que no outro dia voltavam as aulas
e eu não havia feito a lição de casa nem decorado a matéria para as provas;

8) Cantava a música “Vamos Construir Juntos!” (que eu sei de cor até hoje!) e coleciona-
va o álbum de figurinhas do “Paulistinha”, que faziam parte do marketing institucional do
governo ditatorial para nos convencer que o Brasil era "o país do futuro";

9) Assistia às novelas da rede Globo, embora ficasse falando mal delas (porque naquela
época, macho que era macho não via novela, a não ser para reclamar);

10) Ficava realmente preocupado com a situação da Ponte Preta no campeonato paulista;

11) Comemorava toda vez que um novo McDonald’s era inaugurado no Brasil, pois era si-
nal de que o país estava progredindo (sim, eu também acreditei na ladainha sobre as ma-
ravilhas da "globalização neoliberal");

12) Queria ser astronauta da NASA quando crescesse (mas, desisti depois que me falaram
que eles têm que ser bons em matemática);

13) Proferia afirmações como "não voto em partidos, mas em pessoas" (isso porque eu 
nem podia votar!), pois tinha aprendido que partidos eram coisas ruins e inúteis (assim, 
quando algum político de direita caia em desgraça, era culpa só dele, não do partido), 
especialmente aqueles que defendiam ideologias de esquerda;

14) Ideologia também era outro palavrão, coisa de baderneiro profissional, por isso eu 
também diziatodo faceiro: "Não existe esse negócio de esquerda e direita, isso é coisa 
de gente revoltada que não gosta de trabalhar e só sabe ser do contra!".

Isso só para ficar no básico.
Tenho certeza que você já testemunhou alguém falando ou fazendo coisas parecidas, 
certo?

Sinceramente, eu era um caso quase sem salvação.

Mas a sorte sorriu para mim.

Não fosse por alguns fatos que aconteceram em minha vida e serviram para abrir meus
olhos, fatalmente eu seria hoje aquele mesmo adolescente alienado, ignorante e raivoso. 

Só que pesando 50 quilos a mais, com barba na cara e com um daqueles adesivos nojen-
tos quatro dedos dizendo "Fora Lula!" colado no vidro do carro.

*As imagens dessa postagem são do filme "Pink Floyd - The Wall", do Alan Parker

Saindo da Matrix
.
Antes de prosseguir com o relato do meu
processo de “abertura dos olhos”, gostaria de esclarecer um ponto. 

Pode ser que meu texto anterior tenha passado a impressão de que sou um sujeito ran-
coroso, recalcado, que culpa e recrimina os pais e os amigos pelo processo de alienação
pelo qual fui submetido durante a infância e a juventude.

Embora seja verdade que esses sentimentos venham à tona quando você percebe que foi,
para colocar de maneira bem simples, enganado e induzido por pessoas que gostava a 
pensar de uma certa forma que não condiz com a realidade, é verdade também que fi-
ca fácil entender suas ações e perdoá-los.

Afinal, eles também foram enganados e induzidos durante toda sua vida para pensar e 
agir daquela forma e, infelizmente, acreditavam estar fazendo o melhor, sem condições
ou vontade de quebrar aquele ciclo de alienação e dominação ideológica que os massa-
crava e os manipulava como gado que vai cantando feliz rumo ao matadouro.

Quando lembro, com um frio na espinha, que eu mesmo poderia estar assim até hoje -
cheio de medo, ódio, intolerância e preconceitos - e que, provavelmente, iria educar 
meus filhos da mesma maneira, fica mais fácil ainda ser condescendente...

Bom, dito isso, vamos prosseguir.

Afinal, como eu consegui “abrir meus olhos”, perceber a Matrix à minha volta e romper
a prisão mental da alienação, do ódio e do medo? Vários fatores me ajudaram nessa 
jornada que, confesso, foi longa e nada fácil. Vou enumerá-los em ordem cronológica,
para facilitar.

1) CINEMA: tudo começou quando me levaram
para assistir “Guerra nas Estrelas”. Mas, o que esse filme-pipoca roliudiano tem a ver
com isso? Antes de torcer o nariz, explico que assisti ao primeiro nos cinemas, quan-
do tinha por volta dos 8 anos de idade. 

Não vou entrar em detalhes a cerca da minha adoração pela obra do George Lucas, 
que deve ter durado até pouco tempo (confesso), mas basta dizer que foi aquela obra
que me abriu para o cinema e, por tabela, para o mundo das artes em geral.

E, mesmo que isso fosse imperceptível para meu limitado cérebro na época, tratava
-se da história de um grupo de “rebeldes” idealistas que lutava para derrubar um im-
pério “fascista” (embora essa realidade tenha sido deturpada depois pelos extremistas
de direita quando Reagan tomou o poder nos EUA, e foi usado como símbolo para a 
guerra fria, com o Império maligno representando a ex-União Soviética). 

Enfim, aquele filme mudou minha vida. Depois dele nunca mais fui o mesmo, para o
bem e para o mal.

2) O MODO DE VIDA NERD: por causa do meu apego ao cinema e tudo que estava re-
lacionada a ele, especialmente as trilhas sonoras dos filmes, nem preciso dizer que me
transformei em um verdadeiro nerd. 

Assim, enquanto meus amigos começavam a gostar de tudo que era “normal” naquela
sociedade (do rock n’ roll enquadrado aos parâmetros do consumismo, ao consumo de
drogas e bebidas alcoólicas) lá estava eu tentando arrumar dinheiro para comprar o 
disco de “Jornada nas Estrelas” ou o álbum de figurinhas do “Flash Gordon”...

Embora nada disso tenha me ajudado a abrir os olhos naquele momento, certamente me
transformou num sujeito meio estranho, marginalizado e com um forte sentimento de
inquietação. 

Afinal, eu só tinha amigos nerds como eu e nunca conseguia me enturmar com os “des-
colados”, que adoram ridicularizar os “diferentes”. Eu comecei a sentir que alguma coisa
estava errada, mas eu não sabia o que era e nem me preocupava muito em descobrir. 
Porém, já era um começo.

3) INFLUÊNCIAS DECISIVAS: fiquei mais ou menos na mesma até o meio da minha 
adolescênciaFoi a partir dos 16 anos, quando um primo entrou na faculdade em Campi-
nas e veio morar conosco, que as coisas começaram a mudar. Não sei dizer se ele era 
de esquerda ou de direita (talvez fosse ainda indiferente como eu), mas a verdade é que
era um sujeito muito mais culto e antenado do que eu – até porque teve uma educação
mais rica e politizada que a minha.

Foi graças a esse cara que eu comecei a gostar de qualquer tipo de filme (e não só de fic-
ção científica, aventura e terror) e, mais importante, aprendi a decifrar mensagens e 
idéias que estavam contidas nas obras de arte. Até então, eu pensava, “um filme é só 
um filme, puro entretenimento, nada mais”. Ledo engano. Não fosse pelo meu primo, 
jamais teria assistido (e entendido) a filmes como “Brazil”, “A Missão”, “Coração Satâ-
nico”, “Amadeus”, conhecido o Monty Phyton ou lido quadrinhos como “Batman, O Cava-
leiro das Trevas”, “Ronin”, “Watchmen” ou “V de Vingança”.

Foi nesse momento que eu comecei a perceber algumas coisas surpreendentes: não exis-
tem mocinhos e bandidos na vida real, o USA não era assim um país tão bacana e justo,
a religião poderia causar (e causou) grandes males às pessoas e ao mundo, nem sempre
quem era chamado de “terrorista” lutava por uma causa ruim, muita coisa que era vendi-
da pela mídia como sendo uma verdade única ou normal tinha um outro lado que não era
divulgado, etc. 

Mesmo assim, eu ainda não havia ligado os pontos para formar o grande quadro. Isso só
aconteceu quando eu entrei para a universidade.

4) UNIVERSIDADE FEDERAL: ser um jovem alienado e perdido no mundo me trouxe 
uma grande vantagem naquele ponto. Eu não tinha a menor idéia do que fazer da mi-
nha vida. Assim, ao chegar à encruzilhada da adolescência e ter que escolher qual fa-
culdade deveria fazer, mais perdido que cego em tiroteio, optei pelo curso de... Quími-
ca! 

Prestei vários vestibulares e consegui entrar na Universidade Federal de São Carlos 
(UFSCAR). E foi ali que tudo começou a mudar em minha vida. O ano era 1989 e está-
vamos prestes a ter a primeira eleição direita para Presidente da República em mais de
20 anos (embora eu não desse a mínima para esse fato, afinal “odiava política”, lem-
bram?).

Meu primeiro choque, depois de ficar décadas praticamente falando besteiras sem sentido
e me relacionando com gente vazia e alienada, foi perceber que existiam pessoas que co-
nheciam, discutiam e debatiam diversos temas que eu não tinha a menor noção do que sig-
nificavam. E eram jovens da minha idade! Como aquilo era possível? - eu me perguntava.

Obviamente, como eu não entendia quase nada do que discutiam, meus primeiros sentimen-
tos em relação àquelas pessoas foram de raiva e inveja. E, como não poderia deixar de ser,
comecei a entrar no meio das conversas transformando esses sentimentos negativos e mes-
quinhos em petulância, cinismo e provocações baratas. 

Foi naquele período que me tornei oficialmente um “papagaio da direita”, afinal de contas a
maioria dos jovens que estudavam lá era de esquerda e defendia a candidatura de Lula con-
tra o marajá das Alagoas, Fernando Collor. Nem preciso dizer que, para irritar “aqueles pe-
tistas” eu dizia que ia votar no Collor, que Lula era baderneiro profissional, etc, etc. Tudo 
aquilo que eu havia “aprendido” na escola da ditadura e que fora reforçado no ambiente 
em que fui criado.

Fiquei nessa um bom tempo, diria que uns seis meses mais ou menos. Então coisas estra-
nhas começaram a acontecer.

Como é perfeitamente natural após um semestre inteiro de contato diário com um grupo,
passei a gostar de várias pessoas e até admirá-las. Percebi que ali havia muita gente ba-
cana, inteligente e companheira, que sabia ouvir meus problemas, me apoiava quando eu
precisava de ajuda (principalmente nas matérias, pois eu “boiava” em quase tudo) e, aci-
ma de tudo, não me ridicularizava quando dizia que gostava de cinema, música erudita e
quadrinhos – pelo contrário. 

Para aquelas pessoas, eu não era mais um “babaca” ou um nerd esquisitão, mas sim um
sujeito sensível que gostava de arte! Descobri que muitos ali também gostavam das mes-
mas coisas, tinham inclusive os mesmos problemas familiares e carências afetivas.

Entretanto, quando eu entrava 
no modo “papagaio da direita”, aquelas pessoas que, no fundo eu invejava e queria impres-
sionar, simplesmente me deixavam falar e, assim que eu terminava de vomitar minhas as-
neiras, continuavam o assunto de onde haviam parado. Ninguém me hostilizava, muito me-
nos me ridicularizava. Simplesmente me ignoravam...

Depois de umas três ou quatro situações como essa comecei a me sentir constrangido e pa-
tético. Afinal, eu não gostava daquelas pessoas, não as admirava? Não gostava da maneira
sensível e humana que me tratavam e ouviam? Então, por que diabos eu estava querendo 
provocá-las e irritá-lasrepetindo coisas ditas pelos meus pais e por outras pessoas que nun-
ca me respeitaram nem me ouviram antes? 

Para piorar tudo, comecei a perceber que os que repetiam aquelas mesmas asneiras provo-
cativas e me davam força para que eu continuasse a proferi-las eram justamente aqueles 
tipos mais idiotas, os “mauricinhos” e os filhinhos de papai que me cercavam aos montes...

Lembro como se fosse hoje de uma festa realizada na casa da minha primeira namorada, 
onde toda a moçada estava reunida, tocando violão, comendo churrasco e bebendo cerve-
ja. De repente, começou um papo sobre política e um rapaz, que era inclusive membro do
DCE, colocou seu ponto de vista e defendeu Lula com muita propriedade e civilidade. 

Quando eu ia começar a falar asneiras contra o petista, outro sujeito passou na minha fren-
te e verbalizou tudo aquilo que estava na ponta da minha língua. Olhei para ele e vi que 
era um tipinho que ninguém gostava, um playboy folgado e mesquinho, que chegava a 
exigir grana dos que moravam com ele para dar carona até a faculdade e vivia invadindo
festas mesmo sem ter sido convidado.

Aquilo me transtornou. Quer dizer que eu era igual àquele imbecil? Não era possível! Lo-
go eu, um cara que se julgava tão bacana, sensível, amante das artes, romântico e incom-
preendido, no fundo me portava igual aos tipos mais desprezíveis e irritantes? Não preciso
dizer que foi ali que a ficha caiu e, finalmente, após longos anos de alienação e estupidez 
eu finalmente comecei a tomar consciência do mundo à minha volta e de todos os proble-
mas reais que existiam nele.

Antes tarde do que nunca, não é mesmo? Ah, esqueci de um outro fator que também foi 
decisivo para o meu crescimento intelectual e espiritual:


5) AUSÊNCIA DE TELEVISÃOQuando mudei para São Carlos, fui morar com amigos em
uma república. 

Detalhe: ninguém conseguiu levar uma TV! Assim, passei praticamente um ano da minha
vida impedido de alimentar meu vício de ficar horas sentado em frente àquela “máquina
de fazer doido”. 

No começou quase tive um treco, mas depois de uns dois meses, me acostumei a viver 
sem aquele monte de lixo ideológico que era enfiado na minha mente e, assim, passei a
investir meu tempo em coisas mais importantes, como debates, conversas e leituras.

Só quem passou por isso tem noção do quanto a vida melhora sem a influência nefasta da
TV, principalmente a rede Globo que é um verdadeiro câncer que corrói corações e mentes
todos os dias!

Tanto é que, depois disso, nunca mais consegui ficar mais de cinco minutos na frente de 
uma televisão que não apresentasse algo minimamente inteligente e instigante - que, con-
venhamos, se resume a 1% da programação das redes e olhe lá...

Mas, essa mudança toda em minha consciência trouxe várias conseqüências para a mi-
nha vida...

Fale-me sobre política e direi quem tu és...

































Dando sequência às minhas "Memórias de Um Alienado", vou falar agora sobre o que acon-
teceu com minha vida depois que deixei de ser um papagaio da direita e fui conscientemen-
te para a esquerda.

A primeira conseqüência é positiva. 

Trata-se, claro, de deixar de ser um boçal alienado convicto que fica dado palpite em tudo 
quanto é assunto sem entender nada do que está sendo dito – só para fazer de conta que 
entende ou então, pior, para irritar “esquerdistas”. 

Quando você passa a ter consciência das coisas e “sai da Matrix”, percebe que é muito me-
lhor ficar quieto escutando o que os outros tem a dizer.

Isso me ensinou grandes lições que todo boçal alienado convicto não conhece, tais como: 
ser humilde, saber ouvir, entender que quanto mais você aprende mais percebe que nada
sabe e que não conseguir admitir tudo isso é coisa de gente fraca e covarde.

Agora vem o lado ruim. O problema de você sair da direita e ir para a esquerda, especial-
mente quando ainda é adolescente, é o choque de perceber quanta gente que antes dizia 
te adorar vai começar a tratá-lo como o se fosse o belzebu em pessoa! Comigo não foi 
diferente.

Familiares, amigos e conhecidos, que antes apertavam minhas bochechas,davam tapinhas
nas costas e me elogiavam quando eu concordava com o que diziam, de repente passaram
a me xingar e agredir só porque ousei defender o Lula ou o Fidel Castro. 

Assim, de “menininho querido da titia” me transformei “naquele moleque perdido que so-
freu lavagem cerebral dos comunistas”. E de nada adianta você tentar dizer que ninguém
fez lavagem cerebral em você, muito pelo contrário: antes é que faziam...

Comigo foi assim. Lembro até hoje do dia que, depois de deixar de ser um papagaio da di-
reita, cheguei em casa e resolvi falar sobre política com meu pai – coisa que nunca tinha 
feito antes. 

Imaginem a cena. Eu, com 18 anos, todo empolgado querendo falar com meu velho sobre
aquelas coisas novas que tinha aprendido, de repente sendo tratado com um trapo sujo e 
repelente! Sim, foi isso que aconteceu. Foi só eu falar todo ingênuo que ia votar no Lula e
pronto. Só faltou me dar um sopapo na orelha!

E com minha mãe não foi diferente. Nem com o vizinho, que de velhinho simpático e bona-
chão, transformou-se num clone do Adolf Hitler assim que eu falei bem do “sapo barbudo”!
Meus amigos de infância então, nem preciso dizer o que aconteceu, preciso? Óbvio: foi só
eu falar da minha nova ideologia que começaram todos a me ridicularizar e repetir aquelas
papagaiadas “para irritar esquerdista”...

Foi nessa época que aprendi 
uma coisa triste. As pessoas só revelam mesmo quem realmente são e o que pensam 
quando falam de política.

O sujeito pode ser o mais bonzinho do mundo, fã de Beatles, Pinky Floyd e dos filmes de
Walt Disney, amante da paz e da natureza...

Mas, na hora que começa a falar de política transforma-se, como aquele meu vizinho, 
numa cópia mal feita do Hitler e passa a vomitar preconceitos, elitismo, racismo, homo-
fobia, ignorância e outras nojeiras que deveriam deixar qualquer pessoa com bom senso envergonhada. 

E olha que estou falando aqui de pessoas de classe média, que tiveram acesso a tudo do
bom e do melhor em relação a estudo e cultura!

Nem preciso dizer que, daquela época em diante, perdi muitos “amigos” e deixei de ser o
“queridinho” de muitos familiares, que passaram a me hostilizar ou me irritar constante-
mente com provocações baratas e ridículas. Por que eu não percebia o quanto aquelas 
pessoas eram rancorosas, odiosas e preconceituosas antes, perguntava-me. 

A resposta é simples: porque antes não falávamos de política, exceto talvez para repetir
um ou outro jargão idiota da direita, do tipo “detesto política” ou “político é tudo igual”.

E tem gente, incluindo familiares e amigos, que ainda fazem isso comigo até hoje. Nem 
preciso dizer também que, depois das duas vitórias do Lula e da ascensão de políticos co-
mo Chávez, Evo Morales e afins, tudo ficou ainda pior e até aqueles que conseguiam dis-
farçar um pouco melhor seus ódios perderam completamente o controle!

Depois de todas essas experiências, criei uma máxima que, infelizmente, continua valendo
até agora: “Fale-me sobre política que direi quem tu és”...

http://tudo-em-cima.blogspot.com.br/2015/08/memorias-de-um-alienado.html

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

A quem interessa a campanha contra o BNDES

por Marcelo Zero
Em 1996, a EMBRAER participou de sua primeira grande concorrência internacional.
Tratava-se do fornecimento de 150 aeronaves para as empresas americanas de aviação regional ASA e Comer. A Embraer entrou na concorrência com o seu ERJ-145, um jato regional moderno e eficiente. Era o melhor avião e ainda tinha a grande vantagem de ser o mais barato.
Contudo, a EMBRAER perdeu. Perdeu para a Bombardier, que oferecia melhores condições de financiamento para os compradores, pois contava com forte apoio governamental para a comercialização de suas exportações.
Pouco tempo depois, a gigante American Airlines lançou concorrência de US$ 1 bilhão para a compra de jatos regionais. Era a grande oportunidade que a Embraer tinha de pagar o custoso desenvolvimento do ERJ-145 e de se lançar no promissor mercado internacional de aviação regional, que crescia exponencialmente.
Mas a Embraer sabia que não tinha a menor condição de ganhar a concorrência, mesmo tendo o melhor avião, se não contasse com condições de financiamento semelhantes às que dispunham as suas concorrentes.
Resolveu, então, bater na porta do BNDES. A Embraer tinha de oferecer um financiamento à American Airlines que contemplasse não apenas taxas de juros baixas e amortização de longo prazo, mas também a garantia da devolução das aeronaves, caso houvesse algum problema com os equipamentos.
Para o BNDES, era uma aposta de risco considerável. A Embraer era novata nesse mercado e, caso ocorresse algum problema com as suas aeronaves, o banco ficaria em maus lençóis. Nenhum banco privado, nacional ou internacional, queria assumir esse risco.
O BNDES, entretanto, resolveu confiar na Embraer e ofereceu o financiamento com todas as garantias exigidas pela American Airlines.
Resultado: a Embraer ganhou a concorrência e, com isso, iniciou uma carreira vitoriosa no mercado internacional de aviação regional e executiva.
Hoje, a Embraer oscila entre a terceira e a quarta maior empresa mundial do setor. Apenas em 2013, entregou 90 aeronaves comerciais e 119 de aviação executiva, obtendo uma receita líquida de R$ 13, 64 bilhões. É, de longe, a empresa brasileira que mais exporta produtos de alto valor agregado, gerando altos rendimentos e empregos muito qualificados no Brasil.
Assim, a Embraer e o Brasil aprenderam a lição. Não se faz exportações volumosas de bens e serviços, no concorridíssimo mercado internacional, sem apoio financeiro governamental e bancos públicos de investimento.
A Embraer da qual tanto nos orgulhamos simplesmente não existiria, caso não tivesse contado com o apoio do BNDES.
Ironicamente, o orgulho justificado que dedicamos à Embraer não se estende ao banco público que financiou o seu sucesso e o de tantas outras empresas brasileiras.
Ao contrário, há, atualmente, uma grande campanha contra esse estratégico banco público de investimentos.
Uma campanha bem sórdida, por sinal. A desonestidade intelectual que cerca o debate sobre a atuação desse grande banco público de investimentos é assustadora. A bem da verdade, ou é desonestidade intelectual assustadora ou é ignorância abissal.
Com efeito, divulgou-se uma série de mentiras deslavadas sobre esse banco.
Disseram, por exemplo, que o BNDES investe muito em obras na Venezuela, Cuba, Angola, etc., em detrimento dos investimentos imprescindíveis para o Brasil.
Ora, como bem assinalou o presidente Luciano Coutinho, entre 2007 e 2014, as operações de apoio à exportação de serviços do BNDES corresponderam a apenas cerca de 2% do total dos financiamentos que foram oferecidos pelo banco.
Portanto, o BNDES investe ao redor de 98% de seus recursos no Brasil.
Mesmo assim, há gente que, iludida pelas mentiras divulgadas, quer simplesmente proibir o BNDES de dar apoio financeiro à exportação de serviços. A natureza obviamente beócia da proposta deveria saltar aos olhos até do reino mineral, caso lá houvesse olhos, mas há gente que a leva a sério, mesmo no Congresso Nacional.
Da mesma forma, alegou-se que as taxas usadas pelo BNDES para a exportação de serviços constituíam “subsídios indevidos” às empreiteiras. Argumento muito parecido ao usado pelo governo canadense, quando nos acionou na OMC quanto às exportações da Embraer. Ora, o uso das taxas Libor nessas operações foi estabelecido em 1996, pois, para ser competitivo no mercado mundial, é necessário praticar financiamentos com base em taxas internacionais.
Insinuaram também que o sigilo envolvido nas operações financeiras de exportação de serviços destinava-se a ocultar ilícitos e favorecimentos ideológicos a governos “comunistas” e “bolivarianos”, lançando uma suspeita indigna sobre o BNDES, banco que opera com critérios técnicos rigorosos e no qual a análise da concessão de um grande empréstimo demora, em média, 450 dias.
Ora, o BNDES não pode divulgar os detalhes dessas operações financeiras não porque não queira, mas simplesmente porque não pode. Ele é proibido por lei de fazê-lo.
A Lei Complementar nº 105, de 2001, ratificada no segundo governo tucano, protege o sigilo do tomador de empréstimo, independentemente do banco ser público ou privado. Não interessa se o empréstimo foi obtido junto ao Itaú, ao Bradesco, ao Banco do Brasil ou ao BNDES: a proteção jurídica é a mesma.
Há quem argumente, entretanto, que, no caso de banco público, não deveria haver nenhum sigilo. Bom, nesse caso, a lei tucana teria de ser modificada.
O problema maior, porém, não é esse. Leis podem ser modificadas. A dura realidade do concorrido mercado internacional de bens e serviços não pode.
Imaginemos o cenário idealizado pelos que propugnam pela total transparência dessas operações financeiras. Caso a Embraer precisasse do apoio do BNDES para fazer uma grande exportação de aeronaves, esse banco estaria obrigado a divulgar ao público informações sensíveis e estratégicas da empresa, como nível de endividamento, capacidade de pagamento, nível de exposição ao risco, probabilidade de êxito na concorrência, competitividade do bem a ser exportado, estratégia de atuação da empresa no mercado mundial, etc.
Bonito, não? Bonito, e por certo, muito inteligente também. A Bombardier e outras empresas concorrentes das empresas brasileiras lá fora concordam inteiramente.
É por isso que nenhum banco que financia exportações no mundo divulga detalhes sensíveis dessas operações. Os americanos não o fazem, os alemães e os chineses, tampouco. Ninguém faz. É fácil imaginar a razão. Menos no Brasil.
Na realidade, conforme a Open Society Foundations, principal ONG mundial dedicada à transparência, o BNDES já é o banco de investimentos mais transparente do mundo. E essa transparência não adveio de pressões recentes. Ela já fazia parte da linha de atuação do banco há bastante tempo. Conforme o testemunho da Open Society, que participou de muitas reuniões com o BNDES, o programa de crescente transparência do banco avançou por iniciativa da própria gestão do BNDES.
Há muito que o BNDES disponibilizava informações sobre essas linhas de crédito que praticamente nenhum banco semelhante do mundo fornecia. Junto com o Eximbank dos EUA, o BNDES era o único banco que, há anos, oferecia ao público informações como relatórios detalhados anuais, portal de transparência com possibilidade requisição de informações e estatísticas detalhadas online.
O novo portal apenas ampliou a transparência já existente.
Tudo isso deveria ser motivo de orgulho em qualquer país do mundo. Menos no Brasil.
Aqui continuam as acusações parvas contra o banco e as iniciativas para submeter o BNDES a uma CPI. Sempre com argumentos desonestos e mal informados.
Quando a Embraer começou a incomodar a Bombardier com sua concorrência, o governo canadense logo tratou de questionar o financiamento de suas exportações na OMC. Não bastasse, acabou levantando suspeitas de que o gado “verde” brasileiro poderia estar contaminado com o mal da vaca louca. Um golpe desonesto, que, por iniciativa do então deputado Aloizio Mercadante, provocou a pronta resposta do Congresso Nacional, o qual sustou a tramitação dos atos internacionais firmados com o Canadá. Assim, o Legislativo brasileiro defendeu o Brasil, a Embraer e, por tabela, o banco que financiou seu sucesso mundial.
Agora, setores desse mesmo Congresso perseguem o BNDES, com argumentos tão toscos e desonestos quanto o usado pelo governo canadense.
Não se sabe ao certo no que isso vai dar.
Uma coisa, porém, é certa: a Bombardier agradece.
Haja vaca louca!
http://www.viomundo.com.br/denuncias/marcelo-zero-a-quem-interessa-a-campanha-contra-o-bndes.html