quarta-feira, 8 de agosto de 2012
O CONTEXTO DO NEOLIBERALISMO
Por Marcelo Silva Carvalho*
Contexto político da implementação do neoliberalismo
A crise econômica da União Soviética na década de 1980 e o enfraquecimento dos
regimes do Leste Europeu são, em parte causa, em parte conseqüência, das políticas
neoliberais. A superação, na Europa, da ameaça de ampliação da infl uência do regime
soviético possibilitou a aceitação de um conjunto de reformas do modelo de gestão
do capitalismo no sentido de reduzir a intervenção do Estado na economia, aumentar
a competitividade, reduzir a foca do movimento operário, ampliar as margens de lucro
e acelerar o processo de acumulação de capital. Essas políticas, implementadas pelo
governo de R. Reagan nos EUA e de M. Thatcher na Inglaterra, resultam diretamente
da crise do modelo keynesiano de estado durante a década de 1970 e do momento de
fragilidade soviética ao fi nal do governo Brejniev. Somente essa conjuntura possibilita,
por exemplo, que Thatcher enfrente com mão-de-ferro uma longa greve dos mineiros,
em 1984, contra as conseqüências da reforma do Estado empreendida por seu governo.
De sua vitória nessa dura queda de braços e da vitória de seu projeto, resultaria um
aumento signifi cativo da taxa de desemprego e uma conseqüente desestruturação
do movimento operário, reduzindo-se dramaticamente
sua capacidade de pressão sobre o estado e sobre a
economia. Resultaria, ainda, um aumento da velocidade
na corrida tecnológica-armamentista entre EUA e URSS,
propositalmente provocada pelo governo Reagan, que
apostou (e ganhou) que a economia soviética não teria
capacidade de acompanhar o ritmo de investimentos
norte-americano.
As bases teóricas do neoliberalismo
A base teórica do neoliberalismo já havia sido lançada
na década de 1940, por F. A. von Hayek, economista
austríaco, principal crítico do keynesianismo, em sua
crítica do Estado intervencionista e da interferência
do Estado na luta de classes. Esse tipo de intervenção
representaria uma limitação das liberdades fundamentais
do indivíduo e das possibilidades de desenvolvimento
embutidas na dinâmica da concorrência capitalista.
O objetivo fundamental do neoliberalismo seria “libertar” as forças produtivas do
capitalismo ocidental, impedidas e aprisionadas pela pressão exercida pela presença de
um Estado inefi ciente e burocratizado que controlava todos os processos. O caminho
dessa reforma partia da defesa da eliminação do défi cit público por meio da redução
de seus gastos (sociais) e da privatização de todas as atividades por ele exercidas
que não lhe seriam “inerentes” (controle de infra-estrutura, do setor energético, de
telecomunicações, de parte do sistema de educação, saúde e previdência, etc.). Disso se
esperava uma redução da inefi ciência na gestão de setores estratégicos, um aumento
da concorrência (e conseqüente combate à infl ação) e, assim, uma aceleração do
processo de desenvolvimento tecnológico, de concentração de riqueza e de acumulação
de capital.
O núcleo desse discurso é a contraposição entre a suposta inefi ciência do
Estado, tema central nas análises da crise dos anos 1970, à suposta efi ciência do
mercado, apresentado como panacéia à crise e única via capaz de salvar o ocidente
da petrifi cação, da corrupção e da inefi ciência. O debate travado é fortemente
ideológico, sem muita objetividade, em meio a uma longa temporada de reformas:
privatizações, austeridade na gestão da política monetária, redução dos gastos públicos
e do endividamento e reformas no sistema previdenciário (núcleo dos gastos do estado
do Bem-estar), os quais se faziam acompanhar por redução de impostos e ampliação da
liberdade de ação das empresas no mercado e, mais adiante, em defesa apaixonada da
liberdade de comércio, do fi m das políticas protecionistas e da “globalização”.
Um desdobramento desejado dessas políticas é o aumento da taxa de desemprego, o
qual possibilita, de um lado, a “derrota” do movimento operário, que ao longo da década
de 1980 passa por uma mudança profunda em sua forma de organização, perdendo
grande parte de seu poder de pressão e sendo obrigado a “negociar” as reduções de
direitos exigidas pelos defensores do novo modelo de gestão do Estado. De outro lado,
amplia-se a concentração de riquezas, de modo a tornar mais efi caz o processo de
produção por meio de economias de escala.
O mundo da nova onda neoliberal era mais desigual e excludente e eliminava as
estruturas de proteção social, conquistadas no meio século precedente. Essa desigualdade
era, entretanto, “saudável”, segundo seus defensores, pois ampliava a concorrência e
garantia aumento na efi ciência do processo produtivo e de acumulação de capital.
A difusão das políticas neoliberais
Ainda antes das experiências americana e inglesa da década de 1980, o Chile do General
A. Pinochet havia, nos anos 1970, iniciado uma série de reformas neoliberais e servido de
laboratório para os experimentos que se difundiriam na década seguinte. No fi nal dos
anos 1980 a ideologia neoliberal já se tornava dominante e passava a ter representantes
entusiasmados nos principais governos da Europa e, depois, do planeta. A queda do Muro de
Berlin em 1989 e o fi m da URSS em 1991 aceleraram o consenso criado sobre a inefi ciência
do Estado e as virtudes do mercado e, na medida em que esses acontecimentos paralisaram
a esquerda por pelo menos uma década, deixou o mundo à mercê de um neoliberalismo
contra o qual, ainda que houvesse objeções, não havia alternativas.
Na Europa a implementação dessas políticas resultou na mudança do papel do Estado
na economia e na eliminação das estruturas de seguridade que caracterizavam o Estado
do Bem-Estar. Sua implementação em países pobres, entretanto, era ainda mais violenta
e desastrosa, na medida em que neles não havia sido implementado anteriormente um
Estado do Bem-Estar e que, portanto, a redução da estrutura de seguridade se dava sobre
uma base já deprimida, assim como a redução de direitos e salários
dos trabalhadores e o aumento do desemprego. O neoliberalismo
triunfante dos anos 1990, com suas privatizações e “reformas
estruturais” (da previdência e das leis trabalhistas), foi responsável
pela criação de uma sociedade ainda mais desigual e excludente do
que a anteriormente existente.
O resultado dessas políticas, entretanto, foi muito diverso do que
o esperado. O longo período de prosperidade dos anos 1990 limitouse
ao núcleo da nova economia globalizada, os EUA, com ampliação
do desemprego e da pobreza mesmo em países da Europa. As taxas
de infl ação são reduzidas, mas ainda permanecem em patamares
muito elevados quando comparadas com o período anterior à
crise. O Estado, apesar de reduzir os direitos dos trabalhadores,
não diminui de forma signifi cativa seus gastos e, por outro lado,
o mercado, propalado como meio mais efi caz de gestão, se revela
pouco transparente e mesmo inefi ciente, como se observou nos
casos WorldCom e Enron. Mais grave ainda, no fi nal da década, o
mundo inteiro estava envolvido em ondas de crises graves como não se via no ocidente desde 1929, as quais destruíram economias nacionais, mesmo as que eram até então apresentadas como modelo de gestão neoliberal, caso da Argentina.
Pós-neoliberalismo
A década de 1990 é um período marcado pela surpreendente sobreposição de diversos processos complexos e diferentes: a implantação em grande escala de políticas neoliberais, a globalização da economia, a revolução tecnológica, em particular no setor de informática e elecomunicações, o fim da guerra fria e a crise de modelos da esquerda ocidental, além do agravamento das tensões com o mundo árabe, ao fi nal do período, e o aumento das preocupações ambientais. Todos esses são processos interligados, mas a diferenciação entre eles é fundamental para uma análise crítica do neoliberalismo.
O modelo de mercado, por si só, se mostrou incapaz de realizar as reformas propostas e, assim, inefi caz por seus próprios critérios. Por outro lado, a sobreposição da dinâmica de acumulação aos interesses da sociedade, sobre a qual ele se estabelece, e o conseqüente agravamento da exclusão e da violência social em que se desdobra, parecem pouco defensáveis à luz do dia e pouco aceitáveis na medida em que se estabeleçam alternativas efetivas à apologia da dinâmica de mercado. Na verdade, talvez apenas a conjuntura muito específi ca da crise que marca o fi nal da década de 1970 e o início da década de 1980 tenha possibilitado a adoção dessas políticas com o fervor que se observou – e, superado aquele contexto de crise, as sociedades ocidentais têm se mostrado pouco dispostas à violência das medidas econômicas neoliberais, que hoje ainda permanecem no centro do debate, mas que já estão, inegavelmente, transformadas pelo novo cenário de reestruturação de modelos alternativos que parece se estabelecer a partir do início do séc. XXI.
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Referências
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BELLUZZO, L.G. e ALMEIDA, J.S. Depois da queda: a economia brasileira da crise da dívida aos
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GENTILI, Pablo & SADER, Emir (org.). Pós-neoliberalismo: as políticas e o Estado democrático. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
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HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2003.
HAYEK , Friedrich. Direito, legislação e liberdade. São Paulo: Visão, 1985.
KEYNES, J.M. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 1982.
KURZ, Robert. O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna a crise da
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LEAL, S. M. R. A outra face da crise do estado de bem-estar social: neoliberalismo e os novos
movimentos da sociedade do trabalho”. Campinas: Unicamp, (Cadernos de Pesquisa, 13), 1990.
PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e social-democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
SADER, Emir (Org.). O mundo depois da queda. São Paulo: Paz e Terra, 1995.
*Marcelo Silva Carvalho é graduado em Economia e Filosofi a pela USP (1992), mestre em Filosofia pela USP (1999) e doutor em Filosofi a pela USP (2006).
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