Via Jornal do Brasil
Mauro Santayana
O novo governo paraguaio pode ficar tranquilo: o senador Álvaro Dias garantiu ao presidente Franco o apoio incondicional do PSDB à nova ordem estabelecida em Assunção. Com essa solidariedade, o chefe de governo do país vizinho está apto a reverter a situação de repúdio continental, vencer a parada no Mercosul e roncar grosso — como, aliás, está começando a fazer — contra o Brasil, a Argentina e o Uruguai.
O problema todo é que o bravíssimo senador Álvaro Dias, companheiro de dueto, até há poucas semanas, do senador Demóstenes Torres nas objurgatórias morais contra o governo, não combinou esse apoio com o povo paraguaio, que irá às urnas em abril e, provavelmente, nelas, dirá o que pensa da “parlamentada” de Assunção. E, mais ainda: não será ouvido nos foros internacionais que estão tratando do tema. Nesses centros de decisão, quem estará decidindo serão os chefes de Estado e os chanceleres dos países do continente. Por enquanto, estando na oposição, os tucanos não podem falar em nome do Brasil.
A posição brasileira, prudente e moderada, está sendo assumida em consultas com os países vizinhos
A posição brasileira, prudente e moderada, está sendo assumida em consultas com os países vizinhos e com as organizações regionais. Nenhum desses países, por mais veementes tenham sido os protestos, violou um milímetro sequer da soberania do Paraguai — embora, na destituição de Lugo, o soberano real, que é o povo paraguaio, não tenha sido ouvido.
O Brasil já anunciou que nada fará que possa prejudicar diretamente o povo paraguaio. Mas as suas elites devem estar advertidas de que a decisão de construir regimes democráticos sólidos, com o respeito absoluto à vontade popular, manifestada em eleições limpas e livres, é irrevogável na América do Sul.
O dever de julgar
Estando já em pauta o processo contra parlamentares de vários partidos envolvidos no esquema de financiamento político administrado pelo publicitário Marcos Valério, terá que ser ele julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Serão os juízes que examinarão denúncias e provas e estabelecerão se houve violação da lei, ou não, e, se decidirem, diante dos autos, que houve crime, ditar as penas a serem cumpridas.
As sociedades, desde que criaram leis, e ditaram as normas de convívio a fim de garantir sua sobrevivência, instituíram tribunais para estabelecer as culpas e determinar o castigo a ser imposto aos criminosos. Os tribunais não são perfeitos, mas devem ser respeitados. Se, eventualmente, cometem erros, induzidos pelas manobras dos delinquentes e seus defensores, não há como deles prescindir, nem substituí-los por quaisquer outras instâncias que pudessem vir a ser admitidas para exercer a justiça.
O julgamento, que se iniciará em agosto, se não servir a outros fins, servirá para abrir um grande debate nacional sobre novos pactos constitucionais que venham a aprimorar o processo político, com o financiamento público das campanhas eleitorais e maior legitimidade dos poderes republicanos — entre eles, o Judiciário. Depois desse processo, outros terão que ser levados aos tribunais, como o da conexão goiana e, em um dia que virá, o da privatização açodada do patrimônio público, pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.
O Senado e a retidão
Ainda que o voto seja secreto, a opinião nacional espera que o senador Demóstenes Torres perca, no plenário, por não ter procedido com retidão para com o país, em suas relações com o empresário de múltiplas atividades Carlos Cachoeira. Os parlamentares devem estar advertidos, se não em sua consciência mas pelo rumor das ruas, de que não é o escorregadio senador por Goiás que será julgado pelo plenário mas a própria alta Câmara federativa. A absolvição de Demóstenes, depois de tantas evidências de culpa, divulgadas por todos os meios de comunicação, será a ata de cumplicidade daquela casa legislativa, com todo o esquema de corrupção operado pelo “empresário” de Goiânia e Anápolis.
A renúncia de Samuel
Estas notas já estavam redigidas quando se soube da renúncia do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães ao cargo de alto representante do Mercosul, para o qual havia sido escolhido pelos quatro países signatários do Tratado. Conversei, por telefone, com Samuel, que ainda se encontra em Mendonza, na Argentina. Ele me confirmou que já havia tomado essa decisão há algumas semanas e esperava o melhor momento, o da reunião de chanceleres, para oficializá-la.
Samuel confirmou a versão, já divulgada, de que lhe faltou o apoio dos quatro países — o que se pressupõe, também do brasileiro — para exercer com plenitude o seu mandato. Samuel, em sua honestidade pessoal e em comprometimento político, não é homem para ocupar uma posição decorativa, nem necessita de um emprego expressivo. Ele é um homem plenamente realizado como servidor do Estado e um dos mais importantes intelectuais brasileiros.
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