domingo, 17 de junho de 2012

CRISE NA GRECIA: DESEMPREGO, SUICIDIOS, MISERIA E O NEONAZISMO


Grécia volta às urnas em busca de uma saída para a crise

Falta de medicamentos, salários atrasados, desemprego (22% da população ativa), suicídios em alta, três milhões de pobres recém chegados ao mercado da pauperização (28% da população), salários divididos pela metade, dignos de um país pobre, ricos que jamais pagam impostos, corrupção massiva nas instituições do Estado, juventude em busca de outras fronteiras, dezenas de milhares de pessoas sem casa. Essa é a Grécia que volta às urnas neste domingo. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Atenas.

Atenas - Pode-se escolher com liberdade as cores para pintar o grande afresco do desastre: não falta nenhuma delas para a Grécia. Falta de medicamentos, salários atrasados, desemprego (22% da população ativa), suicídios em alta, três milhões de pobres recém chegados ao mercado da pauperização (28% da população), salários divididos pela metade, dignos de um país pobre, ricos que jamais pagam impostos, corrupção massiva nas instituições do Estado, juventude em busca de outras fronteiras, dezenas de milhares de pessoas sem casa e até uma ilha, Zante, hoje batizada de “ilha dos cegos” porque se descobriu que mais de 600 pessoas recebiam um subsídio social de 325 euros quando, na verdade, havia apenas 50 cegos.

O caráter afável do povo grego não reflete esse profundo drama social e político. No dia 4 de abril passado, Dimitris Christulas, um farmacêutico aposentado de 77 anos, tornou-se símbolo da debacle nacional com um gesto sem retorno: às 9 horas da manhã, Dimitris Christulas disparou um tiro na própria cabeça na emblemática Praça Syntagma, bem em frente ao Parlamento. “Não posso mais, não quero deixar dívidas para meus filhos. O governo reduziu a nada as minhas possibilidades. Não encontro outra solução para um fim digno”, escreveu. A árvore da Praça Syntagma onde ele pôs fim a seus dias é quase um lugar de culto para aqueles que, como Panos Giotakos, um funcionário do Ministério da Educação, consideram a morte de Dimitris equivalente a um “crime de Estado”.

Em apenas três anos, a Grécia passou da bonança à indigência, de vitrine idílica do Mediterrâneo à desnudez de um sistema que funcionava com ilusões. “Nós chegamos a um encontro exato com a realidade. Sonhar é impossível, lamentar-se pelo passado é inútil, Todos nos beneficiamos com o sistema anterior, mas era uma mentira. A única coisa que nos resta agora é ter paciência e reconstruir. Serão necessários muitos anos e alguém medianamente honesto que tome as rédeas desse país. Isso é o mais difícil”, diz Panos Giotakos enquanto vislumbra com os olhos cheios de emoção a árvore onde morreu Dimitris Christulas.

Os gregos ficam com uma espinha atravessada na garganta quando escutam que no resto da Europa os tornam responsáveis pelo futuro de toda a zona do euro: “é uma hipocrisia. Eles são tão cúmplices como nossa classe política”, diz com raiva Vassillis Paperigaus, um vendedor de roupa na zona de Plaka. Os males da Grécia foram se somando como um rosário de desgraças: a crise da dívida trouxe a crise econômica, esta a crise política e daí surgiu a crise social e moral e, última etapa para o precipício, a crise humanitária.

Luka Kastelli, ex-ministra da Economia e depois ministra do Trabalho do governo socialista de Lukas Papandreu, agrega a estas crises uma outra ainda pior: “a austeridade imposta a Grécia não só incrementou as desigualdades e fez tremer todo o sistema político. Ela também acarretou uma crise de legitimidade das instituições”. Luka Kastelli foi expulsa do Partido Socialista grego (Pasok) por ter votado contra o plano de ajuste.

Para sair do dilema da ilegitimidade e refrescar o sistema, Luka Kastelli fundou em abril passado o partido Koisy, o Acordo Social. A ex-ministra socialista apoia hoje as propostas da coalizão da esquerda radical Syriza. Kastelli vê as eleições deste domingo como a oportunidade de um novo rumo. Não se trata de “escolher este ou aquele partido, mas sim de optar por um governo com suficiente capacidade para negociar com toda a firmeza necessária as mudanças substanciais nas políticas econômicas”. Kastelli tomou o rumo correto: saltou do barco do desprestigiado Pasok antes que a sociedade os varresse do mapa.

Uma direção distinta foi tomada por Milena Apostolaki, que ocupa uma cadeira de deputada do Pasok há mais de uma década. Era uma das deputadas mulheres mais populares até que lhe entregaram a conta e ela foi massacrada nas eleições de 6 de maio: “paguei por tudo”, diz ela, ainda sob o efeito da derrota. Pagou pelo arraigado clientelismo dos socialistas e, sobretudo, pelo famoso “memorando”, ou seja, o plano de austeridade assinado pelo Pasok.

Os intelectuais gregos que sonham há muito com uma reforma global sentem que a hora soou fora do tempo e que a metodologia forçada pela Europa é inadequada, segundo a expressão do diretor da revista literária mais antiga do país (Nea Estia), Stavros Zoumbulakis. Esse intelectual delicado reconhece a “necessidade de uma reforma, mas nenhuma sociedade pode se reformar com uma pistola na cabeça”. Uma pistola e a humilhação. Isso é o que sentem os gregos: que estão sendo constrangidos e humilhados.

“Acreditam que somos todos mendigos, vagabundos e mentirosos”, diz entre risos e expressões de mau humor Aris, um comerciante de um dos calçadões de Plaka. O discurso alemão sobre a “vadiagem” dos gregos calou na percepção que as pessoas que visitam a Grécia têm do país. “São uns asnos” – acrescenta Aris. “Acreditam que, quando chegam a Atenas, chegam a uma cidade onde há uma guerra civil”. Mas não há guerra. Só um monte de cólera, medo, desânimo e, acima de tido, uma contagiosa alegria de viver. “O sol, o sol, o sol nos salva do presente e também do passado”, diz entre gargalhadas Petros, um agente imobiliário que não vende “nem um casebre há oito meses”. Essa Grécia vota neste domingo. Sob esse outro sol opressivo e sem fim que é a crise.





Uma tarde no bairro controlado pelos neonazistas em Atenas

Os brutamontes da extrema-direita da Aurora Dourada se encarregaram de semear a ordem segundo seus costumes : zero imigração africana ou magrebina, zero moradores de rua, zero pichações. Não voa uma mosca sem que eles cortem suas asas. Seu reinado se estende desde a Praça Ática até Agios Panteleimonas. A Aurora Dourada fez de Agios Panteleimonas seu trampolim de conquista. Irrompeu no bairro em 2009 e em 2012 já obteve o melhor resultado eleitoral de sua história (15%). O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Atenas.

Atenas - O crepúsculo está em calma. A Aurora Dourada vela pela ordem nesta área central de Atenas onde não restou nem um imigrante nem um indigente das redondezas. A extrema direita grega e seus brutamontes de poucas palavras fizeram do bairro de Agios Panteleimonas (a igreja ortodoxa) seu sítio privado. « É preciso colocar minas terrestres nas fronteiras para que os imigrantes não entrem », diz um tipo enorme que não dá seu nome porque não quer. Mas diz sem rodeios : « tem cara de esquerdista, como teu governo », diz em tom de ameaça.

Houve uma época em que este perímetro de Atenas era um bairro popular, com crianças que jogavam nas ruas e garantiam uma barulhenta desordem. Já não é mais assim. Os brutamontes da extrema-direita da Aurora Dourada se encarregaram de semear a ordem segundo seus costumes : zero imigração africana ou magrebina, zero moradores de rua, zero pichações. Não voa uma mosca sem que eles cortem suas asas.

Seu reinado se estende desde a Praça Ática até Agios Panteleimonas. O número 52 da rua Aristomenus ainda carrega as marcas da ação da Aurora Dourada. Em 2010, os valentões do partido de Nikos Michaloliakos queimaram o local onde os imigrantes muçulmanos vinham rezar. A polícia não abriu nenhuma investigação e nenhum vizinho protestou. Esta é a terra da Aurora. Terra grega, como demonstra o ondulante silêncio das bandeiras com as cores nacionais que tremulam nas sacadas.

A Aurora Dourada obteve nas eleições de maio passado seu melhor resultado : 15% dos votos, o dobro. « Tenham medo, já chegamos », disse Nikos Michaloliakos no dia seguinte. A metodologia dos músculos deu seus frutos. A Aurora Dourada fez de Agios Panteleimonas seu trampolim de conquista. Irrompeu no bairro em 2009 e em 2012 já conseguiu o melhor resultado eleitoral de sua história. Os estrangeiros que ocupavam a zona ou dormiam na esplanada da igreja foram expulsos a golpes. Imigrantes, judeus, maçons, todos são inimigos da nação para este partido fundado por Michaloliakos nos anos 80, logo depois de ter saído da prisão onde cumpriu uma pena (várias na realidade) por atividades subversivas e violência. De modo similar a outros movimentos europeus de ultra-direita, a Aurora Dourada cresceu sob o tema da imigração.

Em frente da igreja Agios Panteleimonas há um bar de onde os agentes da Alba vigiam a praça. É o seu reino. Os ultras chegaram a ordenar até o fechamento da praça de esportes de Agios Panteleimonas. Por quê ? « Vê-se que você não vive aqui, por isso pergunta essas coisas : porque os negros e os romenos sujos vinham dormir aqui e sujar a praça », disse Kostas, um morador local com claras simpatias pela Alba. A polícia do bairro não interviu. Ela depositou a autoridade nas mãos dos neonazistas. A Grécia tem uma população de 11 milhões de habitantes e há um milhão de imigrantes. Um de cada quatro policiais votou pela Aurora Dourada nas últimas eleições.

Tudo aconteceu muito rápido para os gregos. Em apenas uma década : o euro, a falsa riqueza, os créditos fáceis, a imigração, a crise e o abismo. Muitos analistas e militantes anti-racistas pensam que o voto a favor dos neonazistas reflete o medo e a incompreensão, muito mais do que uma ideologia.

Como em todas as partes, Áttica e Agios Panteleimonas têm um anjo : Thanassis Kurkulas, responsável por uma ONG que luta contra o racismo instalada no bairro há cinco anos, Deport Racism. Kurkulas reconhece o perigo que representaria a Aurora Dourada repetir neste domingo os votos de maio passado e ingressar no Parlamento (o que surgiu em 6 de maio nunca se reuniu pelo fracasso em constituir uma maioria de governo). Mas também reconhece que « o imã dos neonazistas é forte : falam contra a Comissão de Bruxelas e contra os imigrantes e isso atrai votos, mas não são votos realmente ideológicos ». A situação é psicodélica : Atenas tem um bairro inteiro onde a autoridade pública, a segurança, é assumida por um partido político e não pelas forças da ordem. Polícia ideológica, sem controle algum. A exibição de músculos dos « agentes » da Aurora Dourada mostra que bem que não se trata de uma encenação ou aparência. Eles pegam, Maltratam. Insultam. Agridem. Estado débil, milícia forte.

Os vizinhos de Attica ou de Agios Panteleimonas que não aprovam esses métodos têm demasiado medo para intervir. « Seja como for, é inútil. Há uma clara cumplicidade do Estado », diz Vassilis, um morador da rua Aristomenus. O homem recorda que só uma das centenas de agressões ocorridas nos últimos anos deu lugar a um processo. Silêncio. « A delegacia do bairro não tem nem como pagar a luz. Se não estivéssemos nas ruas, isso seria pior que o inferno », diz Kostas.

As histórias se cruzam nestas ruas com extrema violência. A Grécia padeceu ao extremo sob as garras do nazismo mas hoje vota em mais de 7% em um partido abertamente neonazista. A extrema-direita se alimenta da crise. Em 2010, quando a Grécia já estava em um precipício, Nikos Michaloliakos ganhou um posto de conselheiro municipal de Atenas. Um ano mais trade foi filmado fazendo a saudação nazista, o que lhe valeu o apelido de « Führer ». Ninguém sabe ao certo se as reivindicações de Hitler na televisão ou os excessos cometidos pelos dirigentes da Aurora Dourada depois do resultado de maio passado incrementaram ou, pelo contrário, baixaram seu caudal de votos.

Dimitir Psarras, um respeitado jornalista grego especialista no tema da extrema-direita – ele vive, aliás, no bairro dos extremistas – lembra que « parece não haver vacina contra o passado ». No essencial, Psarras constata que, como em outros países do Velho Continente, o esquecimento apagou o rosto dos neonazistas para instalá-los no presente com o estatuto de atores políticos determinantes. Dimitri Psarras conhece bem o tema. É autor de uma biografia de Georgios Karatzaferis, o líder de outro partido de extrema direita, LAOS, e há alguns anos revelou como uma juíza da Corte Suprema alimentava um blog violentamente antisemita com um pseudônimo. Segundo Psarras, a extrema-direita faz pesar uma espada de Damocles sobre as sociedades : « com eles sempre se corre o mesmo perigo ». Despertam e alimentam os piores instintos. Além disso, obrigam os demais partidos a adotar os temas da extrema-direita e, quando a crise chega ao máximo, oferece soluções fáceis para pessoas que perderam completamente o rumo ».

O bairro de Agios Panteleimonas encontrou o seu com o timão da Aurora Dourada. Ofereceu segurança a cidadãos temerosos e a impôs prontamente. A noite cai suavemente, O vento é cálido, convida a um passeio distraído. Mas cada vez há menos siluetas nas ruas. Em algumas zonas do bairro, para caminhar à noite é preciso pedir permissão, peguntar com educação e agradecer com respeito.

Tradução: Katarina Peixoto




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