domingo, 17 de julho de 2011

Marx e a sua filosofia para os pobres e oprimidos.

Foi a solução dos problemas dos pobres e oprimidos que levou Marx a procurar compreender e  solucionar os mesmos  ao elaborar sua concepção materialista. A Concepção Marxista da História.

No prefácio de uma de suas obras, Critica da Economia Política, Marx dá conta de como seus estudos o levaram a esta concepção:

"Minhas. pesquisas conduziram a este resultado: que as relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser compreendidas por si próprias, nem pela pretensa evolução geral do espírito humano, mas, ao contrário, deitam suas raízes nas condições materiais de existência, cujo conjunto Hegel, a exemplo dos ingleses e franceses do século XVIII, compreende sob o nome de "sociedade civil". [1]

Como vêdes, é o mesmo resultado para o qual assistimos concorrerem os historiadores, sociólogos e críticos franceses, do mesmo modo que os filósofos idealistas alemães. Todavia, Marx vai mais longe. Pergunta quais são as causas determinantes da sociedade civil e responde que é na economia política que devemos buscar a anatomia da sociedade civil. Assim é o estado econômico de um povo que determina seu estado social, e o estado social de um povo determina, por sua vez, seu estado político, religioso e assim sucessivamente. Mas, perguntareis, o estado econômico não tem causa, por sua vez? Sem dúvida, como todas as coisas do mundo, tem sua causa, e esta causa, causa fundamental de toda evolução social e, portanto, de todo movimento histórico, é a luta que o homem trava com a natureza para assegurar sua própria existência.

Desejo ler-vos o que Marx diz a respeito:

"Na produção social de sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a um dado grau de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que lhes determina o ser; ao contrário, seu ser social determina sua consciência. Em um certo estado de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que a expressão jurídica disso, com as relações de propriedade no seio das quais se haviam movido até então. De formas de desenvolvimento das forças produtivas que eram, estas relações transformam-se em seus entraves. Abre-se então uma época de revolução social. A mudança na base econômica subverte mais ou menos lentamente, mais ou menos rapidamente toda a enorme superestrutura. Quando consideramos tais subversões, é preciso distinguir sempre a revolução material que pode ser constatada de modo cientificamente rigoroso — das condições de produção econômica e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em suma, as formas ideológicas sob as quais os homens tomam consciência deste conflito e o levam até o fim. Da mesma maneira que não se julga um indivíduo pela idéia que ele faz de si próprio não se deve julgar tal época de subversão por sua consciência de si mesma; ao contrário, é preciso explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma formação social só desaparece depois de se terem desenvolvido todas as forças produtivas que ela pode conter jamais novas e superiores relações de produção a substituem antes que as condições materiais de existência destas relações tenham eclodido no próprio seio da velha sociedade. Eis porque a humanidade não formula jamais senão problemas que pode resolver, porque, se olharmos mais de perto, vemos sempre que o próprio problema só surge onde as condições materiais para resolvê-lo existem ou, pelo menos, estão em vias de aparecer."

Compreendo que esta linguagem, por mais clara e precisa que seja, pode parecer bastante obscura. Por isso apresso-me a comentar o pensamento fundamental da concepção materialista da História.

A idéia fundamental de Marx se reduz ao seguinte: As relações de produção determinam todas as outras relações que existem entre os homens na sua vida social. As relações de produção são determinadas, por sua vez, pelo estado das forças produtivas.

Mas, que são forças produtivas?

Como todos os animais, o homem é obrigado a lutar por sua existência. Toda luta supõe um certo desgaste de forças. O estado das forças determina o resultado da luta. Entre os animais, estas forças dependem da própria estrutura do organismo: as forças de um cavalo selvagem são bem diferentes das de um leão, e a razão desta diferença reside na diversidade da organização. A organização física do homem tem naturalmente influência decisiva sobre sua maneira de lutar pela existência e sobre os resultados desta luta. Assim como, por exemplo, o homem é provido de mãos. Certo é que seus vizinhos, os quadrúmanos (os macacos) também têm mãos; mas as mãos dos quadrúmanos são menos perfeitamente adaptadas a diversos trabalhos. A mão é o primeiro instrumento de que se vale o homem na luta pela sua existência, como ensinou Darwin.

A mão, com o braço, é o primeiro instrumento, a primeira ferramenta de que se serve o homem. Os músculos do braço são a força que golpeia ou lança. Mas, pouco a pouco a máquina se exterioriza. A pedra servira primeiro por seu peso, por sua massa. Depois esta massa é fixada a um cabo, e temos o machado, o martelo. A mão, o primeiro instrumento do homem, lhe serve assim para produzir outros instrumentos, para modelar a matéria na luta do homem com a natureza, isto é, contra o resto da matéria independente.

E quanto mais se aperfeiçoa esta matéria escravizada, tanto mais se estende o uso das ferramentas, dos instrumentos, e tanto mais aumenta também a força do homem frente à natureza, tanto mais aumenta seu poder sobre a natureza. Já se definiu o homem como um animal que fabrica ferramentas. Esta definição é mais profunda do que se pode pensar à primeira vista. De fato, a partir do momento em que o homem adquiriu a faculdade de escravizar e modelar uma parte da matéria para lutar contra o resto da matéria, a seleção natural e as outras causas análogas deveram exercer influência bastante secundária sobre as modificações corporais do homem.

Já não são seus órgãos que se modificam, são suas ferramentas e as coisas que adapta para seu uso com a ajuda de suas ferramentas: não é sua pele que se transforma com a mudança de clima, é seu vestuário. A transformação corporal do homem cessa (ou se torna insignificante) para ceder lugar a sua evolução técnica: e a evolução técnica é a evolução das forças produtivas; e a evolução das forças produtivas tem influência decisiva sobre o agrupamento dos homens, sobre o estado de sua cultura. A ciência de nossos dias distingue muitos tipos de sociedade: 1) o tipo caçador; 2) o tipo pastoril; 3) o tipo agricultor sedentário; 4) o tipo industrial e comercial. Cada um destes tipos de sociedade é caracterizado por certas relações entre os homens, relações que não dependem de sua vontade e que são determinadas pelo estado das forças produtivas.

Assim, tomemos como exemplo as relações de propriedade. O regime de propriedade depende do modo de produção, porque a repartição e o consumo das riquezas estão estreitamente ligados ao modo de adquiri-las. Os povos caçadores primitivos são obrigados, amiúde, a unir-se em grandes grupos para procurar a caça maior; os australianos, por exemplo, caçam o canguru em bandos de muitas centenas de indivíduos; os esquimós reúnem toda uma flotilha de botes para a pesca da baleia. Os cangurus capturados, as baleias arrastadas para a margem são considerados propriedade comum; cada qual come segundo seu apetite. O território de cada tribo, tanto entre os australianos como entre os povos caçadores, é considerado propriedade coletiva; cada qual caça a seu modo, com a única limitação de não penetrar no território das tribos vizinhas.

No entanto, em meio a esta propriedade comum, certos objetos servem unicamente ao indivíduo: suas vestimentas, suas armas são consideradas propriedade individual, ao passo que a cabana e seu mobiliário são da família. Do mesmo modo, o bote utilizado por grupos de cinco ou seis homens, pertencem em comum a estas pessoas. O que decide da propriedade é o modo de trabalhar, o modo de produção.

Talhei um machado de sílex com minhas mãos, é meu; com minha mulher e meus filhos construí urna choça, é de minha família; cacei com gente de minha tribo, as feras derribadas são propriedade comum. Os animais que matei sozinho no terreno da tribo são meus; e se por acaso o animal ferido por mim é morto por outro, pertence aos dois e a pele cabe a quem lhe deu o golpe de graça. Com esta finalidade cada flecha traz o sinal do proprietário.

Coisa verdadeiramente notável; entre os peles vermelhas da América do Norte, antes da introdução das armas de fogo, a caça do bisão era rigorosamente regulamentada; se haviam penetrado muitas flechas no corpo do bisão, a posição delas decidia a quem pertencia esta ou aquela parte do animal abatido; a pele competia àquele cuja flecha penetrara mais perto do coração. Mas, depois da introdução das armas de fogo, como as balas não traziam sinais distintos, a repartição dos bisões derribados se fazia em partes iguais; são portanto considerados propriedade comum. Este exemplo mostra à evidência a conexão estreita que existe entre a produção e o regime de propriedade.

Desse modo, as relações entre os homens durante o processo de produção decidem das relações de propriedade, do estado da propriedade, como dizia Guizot. Todavia, uma vez dado o estado de propriedade, é fácil compreender a constituição social, porque esta é modelada sobre a base da propriedade. É por isso que a teoria de Marx resolve a problema que não podiam resolver os historiadores e filósofos da primeira metade do século XIX.


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Notas:
[1N] Trecho extraído da Conferência intitulada "Da Filosofia da História" feita em Genebra em 1901.
[1] Contribuição à Crítica da Economia Política, de KarI Marx, tradução francesa de Lêon Rémy, págs. III-IV.

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